‘Ensaio sobre a queda’ analisa amor e a morte

A vertigem do corpo que cai. Aquele último instante de consciência antes que ele encontre o chão e tudo fique escuro, indiferenciado. Em Ensaio Sobre a Queda, espetáculo que abre temporada nesta sexta (25) no CCSP, o dramaturgo Carlos Canhameiro retrata o percurso de Dante, homem que, ao fim da vida, faz um balanço de suas escolhas do passado. À beira da morte, reencontra a mulher que amou. Depara-se com a tragédia familiar, que inclui o suicídio da mãe e o desaparecimento do pai. Analisa a profissão que abraçou: bibliotecário que preferiu o convívio dos livros ao das pessoas.

Até esse ponto, estamos diante de uma trama razoavelmente trivial. Nada que destoe muito de outras histórias de “acerto de contas” que já vimos por aí. O que difere Ensaio Sobre a Queda é maneira como a saga de Dante se articula a outras histórias e formas narrativas. Um rendilhado de versões para o que poderia ser uma queda. “Fui tentando traçar metáforas sobre esse assunto. A personagem surgiu da tentativa de dar alguma unidade e coerência ao discurso que atravessa a peça. Mas, no começo, a história do Dante nem sequer existia”, diz o autor. “Também me pareceu interessante a ideia de alguém que passa por uma série de acontecimentos na vida e tenta retornar da queda.”

Essa “queda”, à qual a montagem tanto se refere, pode ser entendida não apenas como a morte, seu sentido mais evidente. “Existe também o amor”, considera o dramaturgo. “Ou a tentativa de deixar de amar. A religião. Um emprego que aceitamos e do qual não saímos mais. Tem a ver, na verdade, com escolhas, com momentos em que decidimos cair. Coisas das quais, muitas vezes, não podemos retornar.”

Um episódio verídico também entra para compor essa sucessão de histórias. Em 2001, Carlo Giuliani, um manifestante italiano, foi morto pela polícia durante um protesto contra a reunião de cúpula do G8, que acontecia em Gênova. “É algo que ficou na minha cabeça. Pela forma brutal como aconteceu. E acabou servindo como ponto de partida.” Para ficcionalizar a situação, a peça inclui a mãe de Giuliani, apresenta-a como uma figura inerte e impotente que assiste pela TV à morte do filho.

É notório, no espetáculo, o entrelaçamento de uma dramaturgia de feições tradicionais – aquela em que uma história é contada em um tempo e espaço determinados – com formas contemporâneas de narrar, preocupadas menos com coerência do que com estados e sensações por elas provocados. Percebe-se ainda a combinação de elementos dissonantes: os interstícios da vida privada se unem a questões geopolíticas, existe o diálogo entre o que é ínfimo e pessoal e aquilo que transcende países e fronteiras.

Daí surgiu a empatia do diretor Marcelo Lazzaratto pelo trabalho. “A sua estrutura é muito interessante. Combina linguagens diferentes: o épico, o drama, a performance”, considera ele. “Seu maior mérito, contudo, é não se resumir a um exercício de estilo. Existe um coração ali, um homem atormentado. O que dá um pouco de carne a essas estruturas tão lógicas.”

Integrante da Cia. Les Commediens Tropicales, Carlos Canhameiro está atualmente em cartaz com outra produção, Concílio da Destruição, no Sesc Pompeia. Essa é a primeira vez que um diretor externo ao grupo monta uma obra sua. Como resultado dessa apropriação, Lazzaratto exibe uma radicalização visual das reflexões do texto.

Dispôs os atores em praticáveis com 1m75. Fez uma peça praticamente estática. “Os personagens estão sempre prestes a cair”, diz o encenador. “Conseguem dialogar, mas cada um permanece no seu mundo. Estabelecem relações, mas não chegam, nunca, a tocar no outro.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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