Documentário sobre Mastroianni

Pouco antes de morrer, em 1996, Marcello Mastroianni já havia sido tema de um documentário realizado por sua mulher, Anna Maria Tatò. Eu me Lembro, Sim, Eu me Lembro construía-se sobre lembranças do próprio Marcello. Agora, um outro documentário sobre o mais charmoso dos atores italianos chega aos cinemas. Chama-se Marcello -Uma vida doce e foi dirigido por Mario Canale e Annarosa Morri.

São Paulo (AE) – O fio condutor é uma entrevista que ele deu a Antonello Branca, em 1965, acrescida de material de arquivo (com Luchino Visconti, Federico Fellini e Pietro Germi) e novas entrevistas realizadas com suas duas filhas, Barbara e Chiara Mastroianni, além de personalidades que com ele conviveram, como as atrizes Claudia Cardinale e Anouk Aimée e o diretor Ettore Scola. O resultado é magnífico e ainda apresenta momentos que as circunstâncias tornaram especiais.

Marcello – Uma vida doce, assim chamado para buscar a aproximação com A Doce Vida, o clássico de Fellini, de 1960, que deu projeção internacional ao ator que já tinha uma década de carreira, traz o que talvez seja o último depoimento de Philippe Noiret, morto no mês passado. Lembrando os filmes que fizeram com Marco Ferreri (A Comilança e Touchez pas la Femme Blanche), Noiret quase chora ao lembrar o ator que, para ele, foi o maior de todos. Vários outros depoimentos apontam na mesma direção, mas a multiplicidade de vozes somente confirma que cada pessoa comporta várias faces.

Mastroianni era preguiçoso. Buscava a essência do personagem, mas não decorava os diálogos, dando-se, por isso mesmo, particularmente bem com Fellini, que fez Oito e meio sem roteiro, lembra a Cardinale. Não é o que diz Giuseppe Tornatore, que o dirigiu em Estamos Todos Bem. Ele se lembra de Mastroianni sempre pelos cantos, estudando o papel. Sua lendária preguiça era uma máscara, por trás da qual se escondia, sugere o narrador do filme, o ator Sergio Castellitto. Um cara que fez 150 filmes, como Marcello, não pode ser preguiçoso.

Emerge assim o retrato de um ator que, como poucos, encarnou um mito – o do italiano sedutor, o do macho latino, embora ele próprio se considerasse seduzido, mais do que sedutor. Era viril, claro, mas não brutamontes, e um de seus grandes papéis foi o gay de Um dia muito especial, de Scola. Era belo e elegante, mas sua mãe reclamou de Scola que o tornara feio, sujo e malvado em Ciúme à italiana, pelo qual recebeu seu primeiro prêmio de melhor ator em Cannes, no começo dos anos 70 (houve outro por Aqueles olhos negros, de Nikita Mikhalkov, nos 80). Vemos o jovem Marcello com Sophia Loren, parceira e amiga, mas os depoimentos mais tocantes são das filhas, que o revelam desde o interior. Ele defendia seu direito à privacidade. Amava, e esta é uma descoberta interessante, os sapatos e os telefonemas. A música de Armando Trovajoli, que criou para Marcello o musical Rudy, sobre Rodolfo Valentino, vira personagem, comentando o texto e as aparições do ator. No conjunto, o filme parece despedir-se de um mundo e um cinema que não existem mais.

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