Deus nunca esteve tão próximo

Prepara-te! Deus está a caminho… e de malas prontas para um merecido descanso. “Cansei dessa esculhambação de vocês e resolvi tirar umas férias, que ninguém é de ferro”, avisa Antonio Fagundes na pele do Todo Poderoso logo no início de Deus é Brasileiro, de Cacá Diegues, que estreou ontem nos cinemas. “Preciso de um santo descansado que tome conta das coisas na minha ausência”.

Mas, ao invés de um tête-a-tête com o papa, ou uma conversa com os santos reconhecidos oficialmente (nenhum deles brasileiro), Deus resolve procurar o tal “santo descansado” nestes trópicos. Talvez mais pelo “descansado”, que pelo “santo”, mas vá lá. Materializando-se no litoral de Alagoas, Ele conhece Taoca (Wagner Moura), um borracheiro e pescador malandro, que lhe servirá de guia para o encontro com o candidato a santo, Quinca das Mulas (Bruce Gomlevsky) – homem simples, de coração puro e espírito generoso, que no momento que Deus chega está numa reserva indígena no coração do Tocantins, prestando serviços comunitários. No meio do caminho, Deus e Taoca encontram Madá (Paloma Duarte), moça solitária e sonhadora, que se junta a eles na jornada em busca do “santo”.

A história surgiu de um conto de João Ubaldo Ribeiro, O Santo que Não Acreditava em Deus, retirado do livro hoje intitulado Já Podeis da Pátria Filhos, que o diretor ganhou de presente do autor em 1981. Mas não foi um parto fácil. Foram mais de 20 anos até que a primeira idéia se transformasse no filme, que por sua vez veio da 12.ª versão do roteiro, cujo rascunho inicial foi entregue por João Ubaldo em 1998. Cacá optou acertadamente por um road movie, fórmula consagrada por ele em Bye Bye Brasil, de 1979.

Os três protagonistas vivem uma odisséia até encontrar Quinca das Mulas no intocado cerrado do Jalapão, no Tocantins (cuja Secretaria da Cultura deu “preciosa ajuda” para a realização do filme). “Para acentuar o conflito entre a obra de Deus e aquilo que o homem fez dela e de si mesmo, era preciso encontrar uma região suntuosa e selvagem, que ainda não tivesse sido modificada pela ação humana”, explica Diegues.

Mas o que mais chama a atenção no filme é o temperamento do Divino: rabugento, irônico, com uma certa arrogância enfastiada, Ele demonstra um imenso desprezo pela pequenez das suas criaturas, e diverte muito nos diálogos transbordantes de sarcasmo – “Nunca escrevi nada por linhas tortas a minha vida inteira, vocês é que não sabem ler”. Fagundes está brilhante e à vontade na pele do Todo Poderoso: “Como ninguém sabe como Deus fala ou anda, pude ficar à vontade para criar o meu Deus”, diz. Tudo somado, Cacá oferece um filme leve, divertido e despretensioso. Que Deus nos acompanhe.

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