Bianchi mostra o homem-mercadoria

Em meados de 1858, negros eram vendidos como produtos em feiras livres. Já em 2002, o homem ainda é “comercializado” de forma indireta, quando entidades do terceiro setor lutam para conquistar recursos para atender segmentos menos favorecidos. Esse paralelo é a proposta do cineasta Sérgio Bianchi, em Quanto vale ou é por quilo?, longa-metragem que começou a ser filmado ontem na Lapa, a 67 km de Curitiba.

Paranaense de Ponta Grossa, mas radicado em São Paulo, Bianchi fez uma livre adaptação inspirada na obra Pai contra a Mãe, de Machado de Assis, para escrever o roteiro. O filme está orçado em R$ 2,5 milhões, dos quais R$ 1,8 milhão já foi financiado. A Companhia Paranaense de Energia (Copel) é a maior incentivadora. A produção conta com os benefícios do programa Conta Cultura, do Governo do Paraná, que facilita parcerias entre produtores cultural e empresários na viabilização de projetos já aprovados pelo Ministério da Cultura, por meio das leis Rouanet e do Audiovisual, de incentivo à cultura.

Além da Lapa, haverá locações em Paranaguá e Morretes, seguindo para São Paulo, e talvez, em Curitiba. O produtor executivo da película, Patrick Leblanc, disse que a proposta é lançar o filme em junho de 2003. Leblanc comenta que a produção trata dos valores do ser humano, “daí o nome do filme”, traçando um paralelo entre a vida dos escravos antes da abolição e de como é tratada a população carente nos dias atuais. Para Sérgio Bianchi, da forma que está sendo explorada no Brasil hoje, a miséria pode se tornar um produto de exportação, o que causa desconforto ao cineasta.

A cidade da Lapa foi escolhida como cenário do filme por sua arquitetura com pouco intervenção da modernidade, comentam as cenógrafas Jussara Perussolo e Renata Tessari. A montagem do cenário principal ? uma feira ao ar livre ? demorou cerca de dois meses para ficar pronto. Quatro casarões receberam um tratamento de envelhecimento, e um quarteirão foi aterrado para dar mais realidade às cenas. As filmagens na Lapa prosseguem até dia 9 de outubro.

Atores e técnicos paranaenses

Rosângela Oliveira

Metade de Quanto vale ou é por quilo? será rodado no Paraná, que também participa com boa parte da mão-de-obra. Ao todo são 170 figurantes ? cerca de vinte crianças ?, quarenta técnicos e quinze atores no elenco principal, entre os quais Odelair Rodrigues. Aos 80 anos, a atriz faz o papel de Lucrécia, uma escrava que trabalha para comprar a sua abolição. Será o segundo longa da carreira de Odelair, que se diz muito orgulhosa por ter sido escolhida por Bianchi para participar do filme.

A assistente de casting Marcela Bettega disse que a seleção dos figurantes foi feita em três semanas. Por causa da colonização européia no Paraná, foi difícil encontrar um elenco formado basicamente por negros. Um dos escolhidos foi o lavrador Francisco de Almeida, que acabou sendo convidado quando passeava pela praça principal da Lapa. “Sempre sonhei com isso, nunca imaginei que fosse acontecer”, disse. A desempregada Alexandra Mateus, que fez o teste na cidade, também se surpreendeu com a seleção. “A gente nem sempre sabe que tem talento”, afirma.

Com mais experiência na área, o instrutor de dança Adilto José de Paula ficou sabendo da seleção por meio do movimento negro de Curitiba. Ele, que já atuou em comerciais para a TV, se diz emocionado em participar do longa.

Voltar ao topo