Athos Bulcão dizia que não era autoditada

Artista de grande expressão, Athos Bulcão, que morreu nesta quinta-feira (31) aos 90 anos, em Brasília, desenvolveu um trabalho muito peculiar e criou suas obras a partir de uma inspiração que ele mesmo não acreditava existir. Apesar disso, não se considerava autodidata. É o que revela um depoimento dele que se encontra no Arquivo Público do Distrito Federal.

Nas duas horas da gravação em fita cassete, o artista conta sobre sua infância, a descoberta da vocação para as artes, como veio para Brasília e detalhes da produção de sua obra. O depoimento é de 1991. Athos foi amigo de Candido Portinari, pintor brasileiro considerado o de maior projeção internacional.

Com ele, Athos trabalhou nas obras da igreja da Pampulha, em Belo Horizonte (MG), e chegou a morar em sua casa, em 1945, quando passava por dificuldades financeiras.

“Portinari, no trem, disse assim: ‘Onde é que você vai morar?’ Eu digo assim: ‘Eu vou ficar uns dias na casa da minha irmã, mas eu tô procurando um lugar pra ficar’. Eu não disse onde era, mas eu tava morando em pensão nessa época. O Portinari disse: ‘Não. Vai lá pra casa, que você procura com mais calma e não sei o quê’. E nessa coisa, eu fiquei com o Portinari todo o ano, até o fim do ano”, contou, no depoimento.

Por causa deste período e do grande aprendizado ao lado de Portinari, Athos não se considerava autodidata. “Eu não posso me considerar um autodidata porque o Portinari me deu uma porção de noções. Eu não sou autodidata não”, concluiu.

A obra de Athos vai muito além dos famosos painéis de azulejos, da lateral cubista do Teatro Nacional e dos painéis de mármore espalhados por diversos prédios públicos de Brasília, como o Palácio do Itamaraty (sede do Ministério das Relações Exteriores). Ele produziu também pinturas, máscaras, fotomontagens e desenhos eróticos.

Tudo se transformou em arte com dificuldade, segundo Athos. “Sempre se trabalhou aqui com o mínimo. Você repara que os meus trabalhos são feitos com material muito barato: é azulejo, concreto. Pesa muito pouco na construção. Depois é que eu me habituei a tentar resolver com… sem ficar ordinário, mas com um material barato”, disse.

Athos Bulcão não foi filiado a nenhum partido político, mas se dizia simpatizante da esquerda. Era católico praticante. No período em que morou em Brasília (os últimos 60 anos), foi funcionário da Empresa Urbanizadora da Nova Capital (Novacap), responsável pela decoração de interiores – e foi com o salário de funcionário público que ele desenvolveu, por exemplo, grandes painéis como o do Teatro Nacional.

Além das grandes obras em prédios e construções da cidade, ele também produziu obras “efêmeras”, como instalações durante o natal e o carnaval brasilienses. Mesmo com 73 anos, quando concedeu a entrevista ao Arquivo Público, ele parecia incansável.

“Olha, eu gostaria mesmo de fazer coisas enormes na rua, nunca tive oportunidade. Eu gosto dessa coisa com esse sentido de durar pouco, assim, no momento de festa, de alegria. Mas, realmente, o que eu faço com arquitetura pra ver se é efêmera, não, não depende da minha vontade”, constatou.

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