Tragédia abala o crescimento da Stock

A morte do piloto paranaense Rafael Sperafico, ontem, no autódromo, colocou um grande ponto de interrogação sobre a principal categoria do automobilismo brasileiro.

Qual é o limite da Stock Car e suas ?divisões de base?? No auge da popularidade e com um expressivo número de carros nos grids de largada, a Stock era o lugar a ser atingido pelos pilotos do País – fossem os que não conseguiam abertura na Europa ou Estados Unidos, fossem os que de lá voltavam. Agora, ela se torna uma categoria preocupada em melhorar urgentemente a segurança antes que tudo o que foi conquistado nos últimos anos se perca.

Apesar da fatalidade do acidente de Rafael Sperafico, a situação foi aterradora. Em uma corrida subalterna, mas com bom número de carros (por ser o acesso dos pilotos à categoria principal), não houve a menor possibilidade de Rafael ser salvo. Vinte e quatro carros estavam em movimento, era uma relargada lançada após um acidente envolvendo o depois campeão Norberto Gresse. Rafael saiu na Curva do Café, chocou-se com a barreira de pneus e voltou à pista, sendo atingido em cheio por Renato Russo. O paranaense morreu na hora, vítima da mais perigosa das batidas de carros, a ?T?, quando um veículo acerta o outro exatamente onde está o piloto.

Mesmo assim, a violência e o trágico desfecho deixaram a categoria em alerta máximo. Os organizadores, ainda abalados, lembraram que o local do acidente é o mais perigoso de Interlagos. ?Quando a FIM (Federação Internacional de Motociclismo) vistoriou o Autódromo de Interlagos para avaliar a realização de uma etapa da MotoGP, a Curva do Café preocupou bastante os fiscais. Para mim, realmente é o ponto de maior perigo da pista?, explicou Carlos Col, principal dirigente da Stock.

Entretanto, ficou nítida a preocupação com a cápsula de sobrevivência do carro. ?Os espelhos retrovisores são pequenos, não temos visão lateral. Precisa de uma célula de proteção para o piloto. Esses ferros dentro do carro também são complicados. Um novo carro precisa estrear o quanto antes?, afirmou o piloto Ricardo Maurício. ?Os carros da Stock têm uma falha de segurança na lateral. É tudo muito frágil. A gente vem falando há algum tempo e chegou no limite. A categoria evoluiu, o espetáculo está bonito, mas é preciso pensar na segurança?, completou Antônio Jorge Neto. O ex-piloto Mílton Sperafico, tio de Rafael, reclamou da barreira de pneus. ?Não tinha nada que ter barreira de pneus, mas colocaram e veio a acontecer isso?, lamentou, em entrevista à rádio CBN.

A quarta morte da história da Stock Car chegou no momento mais brilhante da categoria. A força das provas suplantou os outros campeonatos, inclusive ?contribuindo? para a penúria de algumas categorias. Com transmissão de TV, grandes patrocinadores e pilotos de primeira linha, a Stock lotou autódromos nesta temporada, com grandes disputas.

Para uma competição de carros, tão importante quanto os patrocinadores e a televisão são os pilotos. E a Stock perdeu no domingo um dos pilares da família que estava se transformando em sinônimo da categoria. Rafael completava o quarteto dos Sperafico – que tem os gêmeos (e primos de Rafael) Rodrigo e Ricardo na V8 e outro primo, Guilherme, na Stock Júnior. Rafael, Rodrigo e Ricardo têm em seu currículo passagens no automobilismo europeu, e tiveram destaque nesta temporada.

Jovens, os Sperafico representavam a mudança de foco da Stock. Gradativamente saíram de cena os veteranos – a rigor, resta Ingo Hoffmann no grid – e entravam os jovens. Agressivos, eles deixaram a categoria mais ?brigada?, aumentando a disputa e atraindo mais público. E criaram a possibilidade para as empresas despejarem dinheiro no marketing, fechando o círculo e garantido para a competição a aura de mais importante do Brasil. Os problemas, principalmente de segurança, ficaram em segundo plano. Até o último domingo.

Família quer título como homenagem

O corpo do piloto Rafael Sperafico foi enterrado no final da tarde de ontem no Cemitério Municipal de Toledo, no  do Estado. Estavam presentes, além dos familiares (muitos deles ligados ao automobilismo), autoridades locais e estaduais, e também outras personalidades do automobilismo. Toledo parou para a última homenagem a Rafael – milhares de pessoas acompanharam o velório, a missa de corpo presente na Catedral Cristo Rei e o sepultamento. Mesmo abalada, o clã Sperafico não pensa em deixar as pistas.

Os irmãos Ricardo e Rodrigo, que estavam em Interlagos no momento do acidente, estavam inconsoláveis, e só devem se pronunciar hoje, em uma entrevista coletiva. O pai deles, o também ex-piloto Dilso Sperafico, falou na homenagem que os filhos pretendem fazer. ?Em 30 anos nas corridas nunca algum piloto da família tinha sequer se ferido, e agora acontece essa tragédia. A meta agora é buscar um título em 2008 para homenagear o Rafael?, afirmou.

A tragédia abalou a cidade de tal forma que as festas para os 55 anos do município foram canceladas. ?Tínhamos alguns eventos, mas todos foram cancelados. Não temos clima nenhum para comemorar nada neste momento. Temos apenas que ser solidários com a família?, disse o prefeito José Carlos Schiavenato (PP). A Assembléia Legislativa decretou luto oficial de três dias. ?A ocorrência representa uma perda irreparável para a sociedade paranaense, dada a irrepreensível carreira do piloto Rafael Sperafico?, justificaram os deputados Antonio Anibelli (PMDB), Alexandre Curi (PMDB) e Luciana Rafagnin (PT), que assinaram o texto.

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