Adeus, Levi!

O homem de poucas palavras, e muitas memórias

Levi Mulford faleceu aos 91 anos | Foto: Arquivo Tribuna do Paraná

Era uma das tantas manhãs que passei por lá. Nas mãos dele, um álbum. Como nenhum outro. Confesso nunca ter visto algo igual. Fotos pintadas à mão. Já viram algo parecido? Fotografias tiradas com o olhar, e a sensibilidade das mãos. Nada de máquina fotográfica. Uma delas acompanhava a primeira declaração de amor que ele fez pra dona Edite.

Levi Mulford Chrestenzen era pura sensibilidade. Que certamente dona Edite sorveu ao longo das décadas que viveu ao lado dele. Nos últimos anos nos aproximamos. Tomar café da manhã na casa do Levi era viajar no tempo. Uma xícara de café, pães de queijo, manteiga. Bom papo e uma visita aos seus arquivos. Todas as visitas devidamente registradas fotograficamente por ele.

Nas prateleiras bem arrumadas, no porão da casa, a história do nosso futebol catalogada com esmero. Aliás, duas casas, dois porões. Edições dos principais jornais da praça encadernadas. Revistas Placar, publicações que já não existem há muitos anos. Fotos e mais fotos. Uma parcela significativa nesses dois porões. O resto todo, e mais um pouco, na cabeça. Ele tinha tudo.

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Levi construiu a primeira dessas casas a poucos metros da redação da Tribuna, na Vista Alegre das Mercês, ainda na década de 70. Em 74 a Editora O Estado do Paraná, que publica a Tribuna, se mudou do centro pro alto da cidade, bairro ainda remoto. E lá foi ele atrás. Mais tarde, no terreno ao lado, ergueu outro lar. Cada um deles com um espaço especial pras memórias que, ao longo da vida, fichou.

Morava a algumas dezenas de passos do jornal que abraçou. E o abraçou. Que, ao longo de 63 anos ininterruptos, teve o privilégio de ter suas crônicas publicadas. Os anais do futebol suburbano de Curitiba têm o DNA dele. Este é o Levi que todos conhecem. O que dedilhou suas primeiras palavras na Tribuna lá em 1956.

Mas o Levi que conheci nos últimos anos foi o que amava a família mais que tudo. Que nutria uma paixão velada, desvelada, tímida e rara pela dona Edite. Um homem que falava pouco. Mas tinha, no necessário, comentários que evidenciavam admirável sapiência.

Nos tantos álbuns que folheei a seu lado, vi desenhos mais perfeitos que fotografias. Ele era um ás. Via o lance do jogo e o pintava mais perfeitamente que qualquer lente de máquina fotográfica seria capaz de captar.

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Foi assim que ele pintou dona Edite. Dessa maneira a convidou pra passear pela primeira vez, ilustrando com arte um bilhete educadamente bem escrito. E depois, agradecendo o passeio.

Levi Mulford nos deixou no último sábado. Horas antes, estive com ele pela última vez. Na cama, fraco de corpo, mas extremamente forte de cabeça. Conversamos longamente. “Olha que vista linda eu tenho daqui”, disse-me ele. Ali, no quarto dele, falamos do Operário Pilarzinho. Que presenteou Levi com o título da última temporada da Suburbana. “Pela primeira vez da história”, como bem asseverou o mestre do nosso futebol amador.

Convalescendo da degeneração natural da idade, ele ainda dominava perfeitamente suas faculdades. O cobrei de uma promessa feita no final do ano passado, quando ele se aposentou da Tribuna. Falei que ele tinha que levar dona Edite pra viajar.

Saiba mais sobre o jornalista Levi Mulford

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