O garimpeiro de craques

Luiz Augusto Xavier

Como você entrou no futebol?

Antônio Carletto Sobrinho

– Primeiro jogando, quando ainda era guri. Eu sempre gostei de futebol. Nasci no interior e todo guri que nasce no interior gosta de futebol.

Xavier

E onde você nasceu?

Carletto

– Nasci em Cambé, perto de Londrina. E naquela época, o futebol era o primeiro sonho de um menino. O primeiro presente que a gente queria era uma bola de futebol ou uma chuteira. Mas eu sempre me encantei pelo futebol. Quando eu me dediquei ao futebol, no início, eu queria ser profissional. Mas, naquela época o meu pai tinha rancor de futebol, porque naquele tempo jogador de futebol era considerado um marginal. Então quando vi que não poderia ser profissional, porque meu pai realmente não queria, desisti. Cursei faculdade de direito e minha vida mudou para o futebol por causa de um amigo, o Marco Aurélio. Ele foi um grande jogador, goleiro do Atlético. E nós sempre vivemos juntos, perto um do outro. A gente era criado como irmão. Lá pelos idos de 1964 ele foi contratado pelo Flamengo, o Marco falou pra eu ir morar com ele no Rio de Janeiro. Fui pra lá e comecei a conviver com os jogadores do Flamengo, com os jornalistas do Rio, naquela época o Armando Nogueira, João Saldanha, o Sandro Moreyra e também comecei a conviver com o Garrincha, com Jairzinho. Foi quando comecei a viver no mundo da bola, junto com os boleiros e vendo todos os jogos do Flamengo. Talvez tivesse um dom para trabalhar com isso e continuei. Quando voltei para Curitiba, lá por 70 e pouco, já era conselheiro do Atlético.

Xavier

E como você virou conselheiro do Atlético?

Carletto

– Foi antes, eu era jovem, eu João Elias e um monte de gente da sociedade curitibana. O Atlético tinha uma elite e eu fazia parte dessa turma de jovens. E quando o Jofre Cabral foi ser presidente do clube, ele era meu amigo e me levou para ser conselheiro do Atlético. E em 77 foi a primeira vez que eu fui diretor de futebol.

Cristian Toledo

Você ficou surpreso com algumas coisas dentro do futebol?

Carletto

– Uma coisa é você ficar de fora, assistindo os jogos, acompanhando os jogadores na noite, inclusive bebendo nas boates, como eu fazia no Rio de Janeiro. Eu só vivia no meio de ídolos. Aonde fosse, eu não pagava bebida. Mas quando você sai desse lado e vai comandar o futebol, a coisa é completamente diferente. Então lógico que foi um aprendizado. No primeiro ano no Atlético, nós já disputamos o primeiro título, que foi em 78, naquela decisão famosa de pênaltis com o Coritiba. E se você começa perdendo, você também ganha., porque você acaba aprendendo com a derrota.

Xavier

E onde o Atlético falhou naquela decisão? Teve alguma falha do Diede Lameiro?

Carletto

– O Diede foi sacrificado. No futebol tem isso, sempre alguém tem que perder. E com os resultados, apesar de o Atlético ter um time superior ao do Coxa, naquele ano nem eles esperavam chegar ao final do campeonato. E com a derrota, caíram em cima do Diede.

Cristian

Naquele ano o Atlético tinha jogadores com passagem por outros clubes de grandes centros. Aquilo era uma praxe no futebol paranaense. Agora o Paraná é mais um celeiro do que um término de jogadores?

Carletto

– Sem dúvida. Naquela época a gente vivia em função das sobras do Rio de Janeiro e de São Paulo, principalmente. Hoje em dia não. O futebol no Paraná se desenvolveu muito de alguns anos para cá. Há seis anos o Atlético era um time quebrado. O Atlético era um time pequeno, só tinha tradição aqui na cidade. Nem no interior do Estado o clube era bem conhecido. Então houve uma mudança radical. E essa mudança, até de comportamento dessa última diretoria do Atlético, uma mudança de mentalidade, é o que fez o Atlético chegar onde chegou.

Xavier

Foi uma mudança compulsória, não teve saída?

Carletto

– Foi consensual. Eu estava assistindo o jogo no campo do Coritiba e no intervalo a gente estava perdendo por 3 a 0. Daí o Mário Celso Petraglia saiu, me viu sentado e disse: “Carletto, vem comigo!” E ele estava tão atordoado pelo placar do jogo que não estava conseguindo achar o carro dele no estacionamento. E eu deixei o meu carro lá e saí com ele. O Mário falou que tínhamos que mudar tudo, fazer uma mudança radical. Daí nós fomos em um bingo, ele, que não bebe, bebeu um pouco, estava muito nervoso e falou que iria assumir a presidência. Eu falei para ele contar comigo. Depois daquilo, o Hussein (Zraik, ex-presidente) saiu e o Petraglia assumiu com um grupo que tinha Ademir Adur, Ênio Fornéa, com Valmor Zimmermann e mudou tudo.

Gisele Rech

Teve uma época que você se afastou do Atlético e tinha um projeto de manter uma empresa para revelar jogadores. E, pensando na possibilidade de acertar com o Coritiba. Existiu de fato essa proposta?

Carletto

– Estou há muito tempo no futebol e quando terminou a campanha do título brasileiro, eu já estava estressado, cansado. Aquilo que eu falei foi uma desculpa. Eu não sabia o que falar. Queria uma folga, para minha cabeça na verdade. Porque é muito trabalho, é cansativo. Principalmente pra mim, que sou uma figura pública em Curitiba. Estou no Atlético há bastante tempo. Não um empresário, que fica da sala pro campo e do campo para a empresa. Sou um dirigente que circulo pelas ruas e sou muito cobrado. Pelos torcedores, pela imprensa, de todos os lados. Não é fácil agüentar a imprensa todo dia. É demais. Talvez você tenha que falar coisas que não são verdadeiras. Porque quando você trabalha em equipe você tem que se policiar, porque senão você perde a confiança do grupo. E isso dá um estresse muito grande. Os resultados, a responsabilidade é muito grande. Os teus amigos, não os torcedores que lotam o estádio, mas os médicos, os engenheiros, esses são os que te cobram mais.

Xavier

Mas você não respondeu se conversou com o Coritiba ou não…

Carletto

– Se você pegar o conselho do Coxa, do Atlético e do Paraná, eu conheço todos eles. Sou amigo de muitos deles. Então, pelo trabalho que eu fiz, o pessoal do Coritiba sempre quis me levar pra lá, isso era verdade. Como também recebi um convite do Ênio (Ferreira, presidente do Paraná Clube). Estive jantando com o Giovane Gionédis (presidente do Coritiba), com o Arruda. Eles foram para São Paulo e conversamos sim, mas como amigos. E eles estão mesmo com um projeto de reestruturação do clube. É um bom projeto.

Cristian

Você se sente um estranho no ninho dentro do futebol, que é um mundo tão clubista?

Carletto

– De jeito nenhum. É lógico que tem dirigente que tem outras mensagens para passar para o torcedor. Eu não. Hoje eu sou um contratado pelo Atlético e não estou no Atlético só descobrindo jogadores ou trazendo treinadores ou trazendo auxiliar técnico. A minha função não é só essa. Está muito enganado quem achar isso. Trabalho na parte internacional do Atlético. Já estive com quase todos os observadores do mundo. Com o cara do Real Madrid, Barcelona, Bayer Leverkusen, Arsenal. Sou eu que recebo esses caras em São Paulo e trago para Curitiba para observar os jogadores do Atlético. Faço esse trabalho de Relações Públicas e acho muito importante. O trabalho no Atlético começou a dar certo quando eu sentei com o Mário, com o Ademir, com a diretoria mais próxima ao futebol, para tirar o Atlético de Curitiba. E para fazer isso, eu tinha que ficar em São Paulo, onde o futebol é o centro de tudo. E então eu ficava em São Paulo vinte dias no primeiro ano, segundo ano de trabalho, e dez dias aqui. Então foi aí que nós começamos a fazer esse trabalho, com o Figer, com o Reinaldo Pitta e com pessoas que são desconhecidas, mas que são nossas parceiras. O Alessandro é do Pitta, o Ivan é de um amigo nosso do interior, de Sorocaba… tem vários. O Igor e o Fabiano foi um amigo meu que trouxe, o Murilo. Então, são vários parceiros. Hoje nós estamos contratando um outro jogador, com um outro parceiro.

Xavier

Antes de você entrar em mais detalhes sobre os jogadores, como foi a transformação do Carletto idealista, conselheiro, participativo, para o Carletto profissional, reconhecido em todo lugar?

Marcos Batista

Você sempre trabalhou com futebol ou você tinha outra atividade antes?

Carletto

– Antes eu era diretor da maior companha de seguros do Brasil, a Atlântica Boavista. Trabalhei por anos como diretor, em todas as capitais brasileiras. Eu era um grande executivo. Depois me cansei e me dediquei somente ao Atlético. Na época do Farinhaqui, de 90 a 94, quando eu saí do Atlético, saí completamente quebrado, mas com fama de ladrão. Eu não tinha vergonha de dizer, se vocês pegarem, eu tinha ordem de despejo da minha casa. Primeiro fecharam a conta do Farinhaque, depois fecharam a do Atlético e por último a minha conta, que era sem fundo. Fiquei quatro anos no Atlético com a conta encerrada, sem poder movimentar. Perdi tudo. E quando saí do Atlético, era em um jogo no Couto Pereira, pelo campeonato nacional, Atlético e União São João. Nós perdemos esse jogo por 3 a 0 e um garoto me chamou de ladrão. Eu não tinha dinheiro para comprar um pão e o cara me chamando de ladrão. Aí eu dei uma porrada na cara dele e depois fui ver que ele era filho do Almir. Aí eu saí.

Xavier

E você era bem de dinheiro?

Carletto

– Eu era um cara que tinha status, tinha casa, carro, dinheiro e deixei tudo lá dentro do Atlético. Foram raros os dirigentes que passaram no futebol e quebraram. Dois companheiros nossos saíram quebrados do Atlético. Veio a gestão do Hussein Zraik. Ele me convidou, mas eu não quis participar e quando o Mário tomou aquela atitude para voltar, ele convidou o Farinhaque para ser o diretor, montou a equipe dele e seis meses depois eles bateram na porta da minha casa falando que precisavam de mim. Eu falei que só voltava com uma condição: de ser profissional.

Xavier

E nesse meio tempo você já tinha se recuperado?

Carletto

– Já, bastante. Até estava bem. Eu tinha um idéia naquela época e a desenvolvi e deu certo, me recuperando. Quando o Mário me convidou para voltar, falei que só voltava na condição de profissional. E eles me disseram que era aquilo mesmo que eles queriam.

Irapitan Costa

Para o torcedor de uma forma geral, o treinador é burro e o dirigente é ladrão, inclusive você conviveu com isso. Existe mesmo o dirigente que tira proveito?

Carletto

– Existe. Existem os dois. O treinador burro e o dirigente ladrão. Curitiba é como se fosse uma cidade provinciana. E todo provinciano faz a coisa por amor. Eu acho que aqui o pessoal ainda faz as coisas com o coração, porque gostam do clube. Eu digo para o Petraglia e para qualquer um que venha a ser presidente do Atlético, do Coritiba ou do Paraná, que eles são uns idiotas. Porque trabalham de graça e vão ser vaiados, vão ser campeão brasileiro, mas no outro dia você perde e a torcida cai em cima. E ainda por cima é chamado de ladrão, é muito difícil.

Cristian

Quem foi o maior prejudicado com essa situação?

Carletto

– Foram vários. Todos dirigentes saem prejudicados, de uma forma geral. Vocês da imprensa têm muita culpa nisso. Muita culpa.

Gisele

Mas é que o público cobra da gente.

Carletto

– Sabe o que é? Vocês têm culpa porque qualquer cartola já é taxado como um vagabundo, um aproveitador, já está generalizado. E isso não é verdade. A gente convive com pessoas que trabalham sério, que se dedicam ao clube. Aqui pelo Atlético, pelo Coritiba. Às vezes o cara põe dinheiro no clube e depois não pode retirar, porque se tirar é ladrão. E isso é vendido pela imprensa. E ainda continua, principalmente na imprensa de São Paulo. Tem um colega de vocês, que era um dos maiores pichadores de diretoria, lá em Londrina. Vocês lembram bem dele. Era o maior crítico de Londrina. Aí ele foi ser presidente do Tubarão e o que aconteceu? Hoje ele é o cara que mais elogia o Londrina. Tinha um vice-presidente do Atlético, que não vou citar o nome, que ficava pichando o presidente do clube. Aí um dia o presidente me chamou para ir para a Suíça e deixar tudo na mão do vice, para ele ver o que é comandar o time. Quando nós voltamos, éramos os maiores ídolos desse vice. Você dirigir um clube de futebol, que é falido, que sempre foi quebrado, é muito difícil.

Irapitan

E é só a paixão ou a vaidade que leva a isso?

Carletto

– As duas coisas. A gente começa pela paixão. Depois, quem não gosta de sair com a cara no jornal? De pegar um microfone, dar entrevista, falar pra todo mundo. No começo da minha carreira eu também gostava. Agora, até fujo de vocês.

Gisele

Você acha que essa situação pode se amenizar?

Carletto

– Acho. Se eu fosse xingado, tinha um preço, porque eu estou ganhando. Agora, você trabalhar de graça, ser insultado e ser chamado de ladrão não dá.

Irapitan

Dentro desse novo modelo, que apresenta de um clube empresa, a gente tem sentido que é quase que uma tendência uma terceirização. Você acredita que isso possa ocorrer de uma forma geral no Brasil?

Carletto

– Não sei. Acredito que isso seja obrigatório, por lei. Acho que não vai mudar muito. Aqui no Brasil é diferente. Essas empresas que vieram fazer parcerias com clubes quebraram a cara. Eu prefiro que, em vez de se fazerem essas parcerias, pode ser que eu esteja errado, mas eu prefiro fazer parceria com o Figer, com o Reinaldo Pitta, do que com Hicks Muse. Porque o dinheiro do Pitta e da Hicks para comprar um jogador é a mesma coisa. Mas na hora de vender, a Hicks não tem mercado de venda e os outros têm. Eu acho isso interessante. Deu certo no Atlético.

Cristian

E de onde surgiu essa idéia? O Atlético foi pioneiro nisso. Porque o Figer é um empresário de mais clubes, ajudou na venda do Maradona, do Careca. Mas de 95 para cá ele está muito vinculado ao Atlético. E isso tem um lado bom, mas às vezes tem um lado ruim.

Carletto

– É só de um lado. Não conheço o lado ruim disso. Só o lado bom. Porque se você tivesse caixa, se o clube tivesse um caixa para comprar jogadores não precisaria de ninguém. Era só escolher o jogador, ir lá e comprar. Mas não é assim. Tem exemplos de jogadores, vamos citar o Lucas, o Cocito e o Gustavo, que o Figer entrou de sócio conosco. Bom, na época era um milhão e oitocentos mil o preço desses jogadores. Não seria possível trazê-los. Era muito dinheiro. Aí nós fomos até o Figer, conversamos com ele para ficar com a gente. E todo mundo ganhou. O Atlético ganhou e o Figer ganhou. Mas se não fosse esse dinheiro da parceira, jamais o Atlético teria contado com esses jogadores.

Cristian

Só na venda do Lucas?

Carletto

– Só nessa venda todo mundo ganhou. É lógico que seria ótimo se nós tivéssemos comprado o Lucas sozinho, mas nós não tínhamos dinheiro.

Cristian

E se comprasse o Lucas, não trariam o Cocito e o Gustavo…

Carletto

– Não. A gente já estava observando. Eu estava observando o Lucas desde quando ele tinha dezessete anos.

Xavier

Como é que surgem essas informações para você?

Carletto

– A gente tem informação do Brasil inteiro. Tem contato. E a gente faz o mesmo trabalho. Damos informações e isso é uma coisa normal.

Gisele

E você já foi enganado?

Carletto

– Eu não caio nessas armadilhas, exatamente porque talvez nesse sentido eu seja pioneiro entre os dirigentes. Tenho certeza que fui o primeiro diretor de futebol que saiu da mesa, da minha cadeira, e foi para o campo de batalha. Então eu recebia uma informação e ia checar. Em quase 99% dessas viagens, a gente volta irritado.

Gisele

Então aproveita para contar a história do Kléber…

Xavier

Como surgiu a primeira informação sobre ele?

Carletto

– Quem me falou foi um empresário de Santa Catarina, chamado Barreto. E ele me telefonou, me falou sobre o jogador, que era um bom centroavante do Maranhão. Então eu fui para lá, verificar. Se o cara telefonasse para um clube paulista, o pessoal não iria. Mas eu fui. Chegando lá eu observei um jogo, o Kléber jogou mal e o cara até me pediu desculpa por ele ter jogador mal. Daí eu falei para ele me emprestar o Kléber por um período, para fazer uma experiência. Eu trouxe ele para o Atlético, recebi um telefonema do presidente, pedindo para que eu fosse a São Paulo, resolver outro assunto. Daí eu deixei o Kléber na mão do pessoal, para fazer contrato e pagarem os sessenta mil. Quando eu voltei de São Paulo, o Kléber não tinha assinado o contrato. Fui para o CT do Caju, conversei com o Kléber e ele me falou que não tinha assinado porque não tinha recebido o dinheiro do Moto Clube. Então fui resolver o problema. Quando eu voltei, o Kléber tinha fugido. Fui para o aeroporto atrás dele. Chegando lá peguei ele no check-in, trouxe de volta. Mas três dias depois, ele fugiu de novo. Fui para o Maranhão, marcava com o Kléber no hotel e ele não aparecia. Tinha passado uma semana, voltei para Curitiba e a imprensa cobrando: cadê o Kléber? Chegava no Atlético e os dirigentes perguntavam: e os nossos sessenta mil? Fui pela terceira vez ao Maranhão e a mesma história, ninguém falava. Eu dizia que tinha macumbeira no meio da história, porque não dava nada certo. Descobri que tinha macumbeira, que disse que não queria que o Kléber saísse do Maranhão. Mandei um recado e dinheiro para o macumbeiro para liberar o jogador. Lá pela quarta vez que eu tinha ido ao Maranhão, o presidente do Moto Clube me convidou para pescar, mas eu não fui. Vai que eles queriam ficar com o dinheiro e me afogar? Sei lá, não conhecia direito aquele pessoal. Depois de muita confusão, comprei o Kléber, não lembro se eram trezentos ou quatrocentos mil. Trouxe o irmão dele para facilitar a vinda de Kléber.

Irapitan

E você fez tudo isso, mesmo depois de ter visto ele jogar mal?

Carletto

– Talvez aí esteja o segredo dos olheiros. Alguns vêem de outra forma, têm um feeling. Eu já cansei de ver um jogador mal em campo e depois só jogar bem ou o caso contrário. Você não pode analisar um jogador só por uma partida.

Xavier

Como foi a história do Serginho, do Milan, que esteve aqui no Atlético e não ficou?

Carletto

– A gente trouxe o Serginho pra cá. Ele jogava no interior do Rio de Janeiro, veio pra cá, só que o Gune jogava na posição e o pessoal achou que o Gune era melhor… e mandaram o Serginho embora. Essa foi a avaliação. Aqui no Atlético teve jogadores que passaram que vocês nem têm idéia. Jogadores que hoje estão brilhando na Europa… eu não vou citar nomes, isso há muito tempo atrás. É que a avaliação de jogador para jogador é um negócio muito complicado. O Vadão está aqui e a gente fala sobre isso. Uma coisa é você ser treinador de futebol, às vezes o técnico sabe treinar e sabe avaliar. E tem treinador que só sabe treinar, com avaliação zero. É complicado.

Vadão

– Dependendo da idade do jogador você perde muito talento. Onde você perde jogador é no juvenil, que é a passagem. No crescimento do jogador, no período de adaptação você perde muito. A maioria dos jogadores que são perdidos em um clube, mas estouram em outro, é justamente na fase dos 15 a 17 anos.

Cristian

Você não se pegou pensando quando foi atrás de jogadores, em outros estados, o que estou fazendo aqui?

Carletto

– 99% das minhas viagens são assim. Porque para você arranjar um, dois bons jogadores é muito difícil. Agora, você deixar de ir viajar, para depois perder algum talento é mais difícil ainda. Por isso que aqui no Atlético tem um pessoal que me ajuda com isso. Então você tem que ir atrás. E geralmente você sai decepcionado. O Gersinho, que está aqui, por exemplo. O título do Santos no ano passado se deve muito ao trabalho do Gérson. A gente sempre se comunicou, muitos desses jogares que foram campeões com o Santos são fruto do trabalho do Gerson. Que é um trabalho parecido com o meu, só que mais técnico, porque ele realmente é técnico. Mas ele também tem esse feeling para descobrir talentos. E quando nós trazemos o Vadão para cá, nós sempre quisemos trazer o Gersinho junto. Porque se tem uma coisa que eu nunca senti, foi ciúmes. Eu sempre quero pra mim os melhores, ao meu lado. Eu me considero também como uma virtude de sempre procurar ter o melhor do meu lado.

Xavier

Por isso você não gosta de dar entrevista?

Carletto

– Não gosto de aparecer. O futebol gera muita ciumeira e eu não preciso disso. Já fiz o meu nome, já estou com 60 anos e acho que todo o pessoal da imprensa e o torcedor atleticano me conhecem. Se eu não trabalhasse tanto, não ia aparecer pouco.

Gisele

Quantas pessoas você tem nessa rede de informações?

Carletto

– É muita gente, não sei o número certo. Mas em cada estado brasileiro, eu tenho muito informante.

Gisele

Inclusive fora do País?

Carletto

– É difícil um país onde o futebol é emergente que eu não tenha um amigo ou conhecido. Na Itália tenho vários amigos, que me visitam em Curitiba. Espanhol, francês, inglês, entre outros. No mundo todo. Nós abrimos na China. Talvez o Atlético seja um dos primeiros clubes a exportar jogadores para lá. Então eu passei 35 dias viajando pela China, passei por 14 clubes chineses, um trabalho duro, tive agora há pouco tempo na Coréia fazendo um trabalho idêntico. E pretendo, na continuação do meu trabalho no Atlético, sair um pouco dessa área que eu trabalhei até agora, e atuar em um esquema que nós estamos montando, na área internacional. Abrir um departamento internacional do Atlético, e conviver junto com uma equipe.

Xavier –

Falando da área internacional, aquela experiência que você fez com o Atlético em 91, foi a primeira sua?

Carletto

– Foi. E eu ficava muito puto porque o Coritiba já tinha ido para lá, até o Ferroviário já tinha ido e o Atlético ainda não. Então quando eu fui diretor eu resolvi fazer aquela excursão.

Xavier

Só lembrando que essa excursão foi para a Suíça, que era um torneio.

Carletto

– Nós fizemos a excursão, montamos um torneio e alguns jogos amistosos, convidamos algum pessoal da imprensa paranaense para nos acompanhar. Nós fizemos um amistoso contra o Servette, em um campo onde não tinha alambrado, só uma cerca, empatamos em 0 a 0. E depois fomos disputar o torneio em Wintenthur e o Atlético foi campeão, eu levantei a taça. Foi legal. Mas o grande problema foi que o empresário do Rio de Janeiro, que nos acompanhava, voltou embora, e eu tive que comandar toda a delegação, tinha hotel e comida para pagar. Depois jogamos na Alemanha, na Áustria para pagar tudo.

Cristian

E como foi chegar em Lima com o Atlético, indo jogar pela Libertadores, já como um grande time, participando do maior torneio do continente?

Carletto

– A conquista da vaga para a Libertadores, no comando do Vadão, foi uma das maiores emoções que eu tive. Principalmente no jogo contra o São Paulo. Essa conquista foi muito importante pra mim. Como torcedor e para todo torcedor atleticano. E, depois, a primeira partida na Libertadores também foi emocionante. Emocionante e surpresa, porque o Atlético fez uma apresentação de gala em Lima por 3 a 0. Fizemos uma grande campanha e naquele ano até poderia ser campeão. E eu falava naquele ano que a gente iria ser campeão brasileiro, dali pra frente a gente participava das primeiras posições dos campeonatos.

Xavier

Você acha que aquele jogo contra o Atlético Mineiro foi uma fatalidade?

Carletto

– Foi uma fatalidade. Porque você vê como é o futebol. Naquele jogo, um lance definiu o resultado. Já estava dois a zero pra nós, entrou Lucas sozinho, poderia ter feito o gol, e quando passou, passou nas costas do Kléber. Se nós fizéssemos aquele gol, não tinha como perder a partida. Então são coisas que acontecem no futebol, era para ser aquele ano. Mas eu tenho certeza que o Atlético, numa próxima caminhada, vai ser campeão da Libertadores. Hoje nós estamos refazendo o elenco, porque o futebol funciona desse jeito. Não tem time no mundo que consiga se manter em cima. Então agora é época de refazer. Reconstruir o Atlético.

Cristian

E então o que aconteceu no ano passado?

Carletto

– Ano passado foi uma coisa natural. Mesmo com os jogadores campeões, tinha que ser feita uma reformulação. Aqueles jogadores já tinham rendido o máximo deles. A meta deles já estava atingida. Então um relaxamento por parte deles era normal. Naquela época tinha que ter sido feita uma reformulação, que está sendo feita agora. Mas o Atlético perdeu um ano por causa disso.

Xavier

E isso é recuperável?

Carletto

– É recuperável, com bastante trabalho e paciência. A torcida tem que ter calma. Todo mundo tem que ter calma.

Xavier

A diretoria funciona em determinados momentos como um “pára-choque” entre a impaciência da torcida e um trabalho que está sendo feito?

Carletto – O ano passado foi o exemplo. O Atlético jogou com seis treinadores, com impaciência. Assim não dá. Você tem que primeiro contratar um jogador certo. Outro com experiência. E, assim com calma. Esse ano, se a gente não conseguir chegar em primeiro ou em segundo, mas ficar entre os oito primeiros colocados, eu já me sinto realizado. Nós vamos buscar os títulos, mas se não conseguirmos, vamos buscar uma melhor classificação.

Cristian

O Atlético é hoje um time preparado para terminar em oitavo no Campeonato Brasileiro? E gostar disso?

Carletto

– Não só o Atlético, mas qualquer time do futebol brasileiro tem que mudar essa mentalidade, tem que estar preparado, porque mudaram completamente as regras do jogo, com pontos corridos, como acontece no mundo inteiro. Se o Real Madrid não for campeão, mas se classificar para a Liga dos Campeões, o torcedor fica satisfeito da mesma forma. Essa mentalidade de campeonatos de pontos corridos vai mudar. Os torcedores vão querer que o time seja campeão, mas que também se classifique para outras competições, como a Libertadores, por exemplo.

Irapitan

Você acredita na manutenção dessa regra de jogo por alguns anos?

Carletto

– Se tiver sucesso esse campeonato, acredito que possa vingar. Porque você não consegue vender um campeonato brasileiro pro exterior com uma fórmula antiga. Agora, com um campeonato em pontos corridos, o mundo vai se interessar mais, passando nas televisões.

Cristian

Você é contra ou a favor do Campeonato Estadual?

Carletto

– Eu sou a favor. O Estadual, para o torcedor está ficando melhor. É um torneio curto, onde você pode avaliar um jogador, avaliação de um plantel. É importante.

Xavier

Mas mesmo que seja para fazer uma avaliação, a torcida cobra quando o time é desclassificado e o rival está na final?

Carletto

– Avaliados nós vamos ser. Você também não pode fazer essa experiência em um campeonato nacional. Então, a opção é no campeonato estadual. O Coritiba está ai, vibrando com o título. Nós fomos campeões nos três anos anteriores, o que interessa é o campeonato nacional. Essa é a nossa preocupação. Nós falamos isso no começo do campeonato. E fizemos uma avaliação. Deu pra ver quem dava para ficar, e quem tinha que sair nesse momento.

Gisele

A negociação com o exterior vai ser prioridade agora no Atlético?

Carletto

– Sem dúvida. Porque os clubes brasileiros sempre dependeram do exterior, dos clubes europeus e do Japão. Agora o mercado lá caiu bastante e eles não têm mais condições de gastar muito para levar jogadores, como os times daqui também não tem essas condições.

Cristian

Nem mesmo aqueles clubes considerados ricos, como São Paulo e Cruzeiro?

Carletto

– Não têm. Como hoje você é obrigado a apresentar balanços, eu acho que há quatro clubes no Brasil que estão com a situação financeira estável, mas não tão confortável, a ponto de comprar jogadores do exterior: Cruzeiro, São Paulo, Palmeiras e Atlético Paranaense.

Xavier

Poderia citar alguns jogadores que você foi buscar e deram certo?

Carletto

– Vamos retornar um pouco no passado que aí tudo começou. Vamos voltar par o ano de 1979. Eu acho que o primeiro jogador que deu certo era um centrovante do Flamengo, Luizinho das Arábias. Fui lá contratá-lo e um jornalista chegou me perguntando o que eu estava precisando. Ele me disse que tinha um jovem jogador chamado Lino, que estava com 20 anos. Fiquei interessado e fui observar o jogador. Vi o Lino jogar, fui até o presidente do Flamengo e falei que queria contratar o Luizinho. O presidente me falou que já havia vendido o atacante. Então eu tinha a outra opção. Eu falei para ele me emprestar o Lino. Mas, para complicar o presidente falou que o jogador ainda era novo, que não tinha condições de emprestá-lo e que seria contratado do Flamengo, assim que acertasse alguns detalhes de renovação de contrato. E eu falei que se o Lino não acertasse com o Flamengo, para o presidente me emprestar o jogador. E o presidente me prometeu. O jogador não definiu a renovação, eu voltei para lá, cobrei a promessa e o presidente concordou. Então começou ali. E ele estreou contra o Coritiba, fazendo o gol da vitória por 1 a 0.

Cristian

O Washington e o Assis vieram em uma “troca” com o Internacional. O Inter permitiu a escolha desses jogadores ou você foi lá e decidiu o negócio?

Carletto

– O Artur Dalegrave, presidente do Inter, estava assumindo em um momento crítico e me mandou um convite para a posse dele. Fui pra lá e já tinha ido buscar o Assis no São Paulo em 81, na primeira gestão do Moura (Onaireves). Naquela época, o Fernando Casal del Rey era o presidente do São Paulo e não quis me emprestar o Assis de jeito nenhum. E, então fui para a posse, em Porto Alegre, e lá eu falei para o presidente que estava interessado nos dois jogadores. Logo em seguida, os dois foram para o Internacional, e o Artur me disse que precisava de um lateral-esquerdo. Sem demorar, eu falei que tinha o melhor lateral do Brasil, que era o Augusto, vice-artilheiro do campeonato, só que era caro. Para fazer o negócio eu disse que tinha uma condição. Ele me dava o Washington e o Assis e mais um pouco de dinheiro. Consegui fazer o negócio e ainda fiquei com um pouco de dinheiro. Apesar dos problemas que surgiram naquela época, por causa de um capa da Tribuna, tudo acabou bem. Eu nunca vou esquecer. A capa falava de dois jogadores que eram baderneiros em Porto Alegre e que vinham para cá. Daí a torcida caiu em cima. O Moura falou para desfazer o negócio, ficou uma confusão. Mas no fim das contas eles ficaram e jogaram muito.

Cristian

Você é daqueles que pensam que o time de 82 e 83 era melhor do que o time campeão brasileiro?

Carletto

– Bom é sempre um time que ganha. Mas aquele time merecia ter sido campeão brasileiro. Nós fomos recompensados agora, mas aquele time era maravilhoso. Foi uma injustiça. Eu acho que aquele time foi roubado no jogo contra o Flamengo, no Maracanã. Eles tiveram que meter a mão na gente, mesmo tendo também um bom time. Eu tinha orgulho daquele grupo.

Gisele

Você acha que ainda hoje os times paranaenses não são respeitados do jeito que deveriam ser, por causa de arbitragem ou da cartolagem?

Carletto

– Graças a Deus o futebol brasileiro em termos de arbitragem melhorou muito. Nós estamos no paraíso. Eu digo isso porque você não sabe como era no passado. O Coritiba foi campeão muitas vezes em cima de grandes clubes, mas muito em cima da arbitragem. Eu vou contar um caso. O Evangelino é meu amigo, mas no passado era assim. Na primeira vez que fui diretor de futebol, em 77, quando o Lück (Antônio Augusto) assumiu, ele não tinha nenhuma experiência no futebol. Ele nunca tinha estado em contato com o futebol. Tanto que quando eu falei para contratar um quarto zagueiro, ele me disse: “Quatro zagueiros não é demais?” Ele não tinha a mínima noção do que era o futebol, mas era um cara muito inteligente. Ele chegou pra mim e disse que a gente deveria descobrir como o Coritiba ganhava tantos títulos. Aí tinha um ex-árbitro de futebol, que já estava se aposentando e o Lück falou para a gente o contratar, para descobrir alguma coisa. Nós contratamos o ex-árbitro como supervisor e em seis meses nós descobrimos tudo. Como funcionava, os bastidores. Eu não tinha experiência e não lembro o nome do ex-árbitro agora. Então nós começamos a tomar certos cuidados e começamos a ganhar. Mas graças a Deus houve uma limpeza no Brasil atualmente.

Cristian

Depois da “máfia da loteria”?

Carletto

– Depois da “máfia”. E eu acho que a imprensa também tem o seu valor nisso. Era terrível. Naquela época era tudo complicado. Hoje é diferente. Mesmo com o torcedor desconfiando várias vezes da ética do time. Eu posso garantir que ninguém entrega jogo. Eu posso afirmar com toda a certeza, que isso não acontece. Os jogadores não concordam com uma posição como esta.

E os times do Paraná que são prejudicados em arbitragem?

Carletto

? Quando cometeram aquela injustiça com o Petraglia e com o Clube Atlético Paranaense naquele escândalo da arbitragem, no ano seguinte nós fomos muito perseguidos pelos juizes. Quando íamos jogar, eles só atrapalhavam.

Rodrigo ?

E no título brasileiro?

Carletto –

Foram vários os fatores para sermos campeões brasileiros. Tinha que ter um bom time de futebol, direção, essa coisa toda. Você também não é campeão só pelo trabalho que fez naquele ano. Por isso que eu cito muito o trabalho do Vadão, que considero campeão brasileiro. Eu reconheço o Mário Sérgio como campeão brasileiro. A primeira conquista nossa foi com o Vadão, na Seletiva que fizemos uma ótima campanha. O time tem que pegar embocadura. Naquele ano fomos roubados contra o Vasco da Gama, senão tínhamos ficado entre os oito. Até por sorte fomos roubados, o destino quis assim. Ali era a nossa classificação e aí fomos para a seletiva e chegamos à Libertadores. E no ano em que fomos campeões brasileiros, não fomos prejudicados em nenhum jogo. A arbitragem melhorou muito no Brasil e erros existem, como em qualquer lugar. Realmente é difícil apitar um jogo.

Xavier

? Você não acha que o exagero de reclamação contra arbitragem acaba camuflando e tirando a responsabilidade do jogador?

Carletto

? A coisa não funciona assim. O dirigente é que vai para o microfone reclamar, mas o cara que mais reclama é o que está dentro de campo, o jogador. O jogador sabe quando está sendo prejudicado dentro de campo, porque tem juiz que é tão cara-de-pau que fala para o jogador. Tem juiz que fica provocando o jogador. O Atlético foi prejudicado neste último Campeonato Brasileiro e também no estadual. Acho que existe um ressentimento da Federação Paranaense de Futebol e não é o presidente (Onaireves Moura) que comanda a arbitragem, mas existe lá dentro da federação um resquício de magoa contra o Atlético.

Irapitan – E isso você acha que é culpa do Evangelino Neves ou o Paulo César Silva que é o diretor técnico?

Carletto ? Pra saber a verdade agora que eu estou sabendo os nomes de quem está dirigindo a federação. Eu não me envolvo e nem sabia que eles estavam lá. E eles são meus amigos. É que nem vou na federação, porque não faz parte do meu trabalho. O que eu sei é que a arbitragem desse campeonato foi prejudicial ao Atlético.

Xavier

Como você achou o Alberto, um jogador hoje consagrado do Udinese na Itália, titular absoluto?

Carletto

? Eu vi o Alberto na Inter de Limeira cruzando e me deram a informação que ele era do Guarani e estava emprestado. Quando terminou o jogo eu fui ao vestiário e pedi para chamá-lo. Daí começou a negociação e depois compramos o passe dele.

Xavier

– E é verdade que até hoje ele reconhece isso e é muito amigo seu?

Carletto ? É tão amigo que eu estou morando no apartamento que ele morava. Quando ele foi emprestado ao São Paulo ele voltou muito em baixa e ele sempre teve muitas qualidades. Um dia eu estava com o Vadão e disse que precisamos trazer o Alberto, um jogador com muitas qualidades mas que também tinha um defeito grande. Pelas qualidades eu trouxe e os defeitos eu disse que era com ele (Vadão).

Cristian

Flávio e Adriano foram semelhantes ao Alberto ou foi mais fácil?

Carletto ? O Flávio foi na época do Farinhaque. Quando eu voltei ao Atlético ele já estava lá. Uma grande contratação, uma das melhores que o Atlético fez. É ídolo da torcida e meu também. O Adriano foi informação também de um treinador de futebol. Aliás são os treinadores do CSA, da Tunaluso, da Inter de Limeira, da Caldense que vão me indicar os bons jogadores. Esses com quem eu e o Gersinho (auxiliar técnico de Vadão e também garimpeiro de jovens atletas) temos bastante contato. Eles estão sempre girando pelos clubes e eu estou sempre falando com eles. Desse jeito eu também recebi a informação do Adriano. E ele está aqui, brilhando.

Irapitan

Como chama essa rede de informações, é uma troca de favores? E a questão financeira da troca de um atleta que depois vai estourar?

Carletto

? Ninguém faz isso de graça, principalmente porque tenho observadores no Brasil inteiro que vivem disso. Eles ganham pouco, mas é bom tê-los como amigos e também cumprir com eles. Uma coisa que eu sempre fiz no Atlético foi cumprir. Por isso que eles sempre mandam jogadores pra cá, porque sabem que vão receber. E hoje muita coisa mudou. Muitos jogadores estão na mão de empresários. Hoje a imprensa brasileira mete o pau nos empresários, que são intermediários, mas em qualquer clube que eu for eu vou pegar um jornal de vocês e vou ver que o Carletto está no São Paulo, no Palmeiras e o empresário que me procure.

Cristian

Às vezes você tem relacionamentos estreitos com treinadores. O Vadão é um exemplo, o Mário Sérgio seria outro. Você acha que é porque o diretor cobra muito?

Carletto

? O Vadão está aí e pode falar. Não é muito verdade que o dirigente cobra muito do treinador. Nem um presidente do Atlético chegou ao Vadão e pediu: quero que escale esse ou aquele jogador. Nem o Vadão iria permitir e nem outro técnico permite uma coisa dessas. O que acontece quando um treinador chega num clube é pesquisar quem entende de futebol e quem não entende. Quem ele deve ouvir e quem não deve.

Marcos Batista

A TV Globo vem comprando o Campeonato Estadual, Regional, eventos que não punha no ar. A televisão faz bem ou mal para o futebol e o dinheiro ajuda ou não?

Carletto

? Eu acho ótimo. O futebol começou a crescer quando, principalmente a TV Globo começou a comprar os campeonatos. Os campeonatos na Europa são fortes porque a TV lá é forte e dá muito dinheiro aos clubes. Hoje você tem três arrecadações: a torcida, que representa a parte menor. O resto é a televisão e a venda de jogadores. O patrocínio representa uma parte pequena ainda.

Xavier

Qual deve ser a medida da interferência na rodada, no horário do jogo?

Carletto

? Acho que poderia abrir para outras televisões. Aí poderia ter um horário mais condizente.

Cristian

O Atlético talvez foi o time mais beneficiado com a televisão. A fase boa do Atlético pegou a fase boa das transmissões. Você dá a televisão um valor importante?

Carletto

? Você vai adquirindo torcedor no Brasil inteiro. Você vê em qualquer lugar torcedor com a camisa do Atlético. O jogador aparece para a mídia nacional e internacional e isso é importante e ninguém sobrevive sem vender jogador. Isso depende da receita do clube. O clube vai mal quando o departamento de futebol do clube vai mal. Se o departamento for competente e se você tiver um ou dois jogadores para vender, você consegue se estabilizar. A gente precisa ter duas visões daqui pra frente: uma é a visão da administração do clube. Você pega o Atlético nos últimos oito anos, fez um campo maravilhoso, centro de treinamento maravilhoso, um clube que não está devendo, está estável e quando você vê todo mundo quebrado. O torcedor precisa admirar o seu clube pela situação financeira e não só pelo lado técnico. O lado técnico é uma conseqüência da administração do clube. Se continuar com esta estrutura, nós vamos ser campeões da Libertadores.

Irapitan

Por que o futebol é deficitário sendo um mercado com um fluxo tão grande de caixa e gira tanto dinheiro em torno dele?

Carletto

? Porque o futebol é muito caro e o ingresso no Brasil é muito barato. O torcedor paga para ir na Arena 3 dólares e não é nada. Só que para o povo brasileiro, para o poder aquisitivo, é muito. Uma cadeira 200 dólares, quase 700 reais para assistir o jogo. E aqui o torcedor paga 15 reais e reclama a toda hora. Por isso que o futebol é deficitário. A televisão não paga o que deveria pagar. O jogador aqui vale cinco milhões de dólares e lá fora 50.

Xavier

? Você falou que televisão não paga o que deveria pagar. E a briga do Paraná Clube e dos excluídos por uma cota melhor?

Carletto

? Isso é o mercado. É lógico que o Flamengo que tem 40 milhões de torcedores tem que ganhar mais que o Atlético Paranaense. É lógico que o Atlético tem que ganhar mais que o Paraná. Olha a mídia que o Atlético tem no Paraná e olha a que o Paraná tem.

Gisele

– Então o critério seria a receptividade que o time dá?

Carletto

? É claro. O ideal seria dividir a mesma coisa que o Flamengo ganha, mas não é assim que funciona. Quem paga é o patrocinador e o clube que tem a maior torcida.

Cristian

? É duro ser idealista no futebol brasileiro?

Carletto

– Não só no futebol é importante ser. Se você faz o trivial a coisa não funciona.

Xavier

? Você que está tentando se especializar no mercado internacional. Por que o Kléberson não foi embora?

Carletto

? Se a Copa do Mundo tivesse sido um ano antes, ele teria ido por 10, 20 milhões. É que o mercado mundial não tem dinheiro, quebrou. Só isso. O outro fator é que o clube não vende mais pelo que eles querem pagar e sim o que queremos pelo jogador.

Xavier

Você acha que essa indefinição da permanência aqui mexeu com a cabeça dele?

Carletto

? Eu acho que mexe. E depois ele é um garoto e disputou só o Campeonato Brasileiro. Na cabeça dele passa que aqui ele já conquistou tudo e a meta é ir para a Europa, porque lá ele pode fazer a vida da família. Porque o jogador é humilde e pensa muito mais na família do que neles. E é a meta dele e se eu fosse jogador também gostaria de ir para a Europa.

Rodrigo

Essa tua volta agora para o Atlético foi para socorrer o Petraglia?

Carletto ? Ele não precisa de socorro. Tem muita gente no futebol brasileiro que ele poderia contratar. Ele é um amigo de muitos anos e eu tenho lealdade por ele. No passado ele me ajudou muito quando eu tive problemas financeiros. Eu tinha recebido convite do São Paulo, do Vitória e quando o Mário me procurou pedindo a minha ajuda eu jamais poderia negar.

Xavier

? Como é que você percebe o jogador? Você olha as fitas dos outros clubes?

Carletto

? Eu dou uma olhada. Se eu achar que o jogador tem jeito eu vou lá e dou uma olhada. Uma vez eu quis um jogador para o Japão (eu vou falar Japão mas não foi). E ele não tinha feito nenhum gol no Atlético. Mas tinha um outro loirinho que fazia gols e eu pedi para editar a fita e vendi o jogador que eu queria. Eu não sei analisar o jogador por fita. Para analisar você tem que ver o campo todo, a inteligência dele, a visão periférica.

Cristian

Quando é que você sentiu que o Atlético ia ser campeão brasileiro?

Carletto

? Você via que o time tinha muitas qualidades. O presidente chegou e disse para reforçar a equipe, porque com o elenco não ia dar para chegar. Um dia eu cheguei e pedi para o Cordeiro tirar todas as fichas dos jogos do ano passado. O time praticamente era o mesmo, tinha voltado o Adriano. Eu disse que precisávamos de um meia bom para ajudar o Atlético e fomos buscar o Sousa. Também fui buscar em São Paulo o Nem. Eu disse pra ele que eu precisa de um cara como ele. O time já vinha bem duas temporadas seguidas e com a experiência do Nem eu achei que o Atlético iria ser campeão brasileiro. Eu já estava de olho no Alex Mineiro porque ele tinha as características do jogador que estava faltando. E deu certo, com o Alex, Nem e o Sousa foi completado um grande time. O Nem tem uma liderança dentro de campo e ele faz aquilo que o Vadão falou na preleção. Você precisa de um líder no time e na minha opinião o Atlético não tinha até ele chegar.

Xavier

? E hoje tem?

Carletto

? Hoje nós estamos procurando. O Vadão que vai ver isso.

Rodrigo

? E os atletas de Cristo?

Carletto

? Eu acho que a religião ajuda muito para qualquer um.

Irapitan

? Você falou da importância do Nem na conquista do título. Mas teve um momento que ele balançou, isso realmente aconteceu e o Geninho teve que segurar as pontas?

Carletto

? Não. Ele sempre conversava comigo. Quando eles ficaram quase vinte dias em concentração, de vez em quando eu comprava umas cervejinhas para eles se divertirem.

Cristian

E tinha muito bandido?

Carletto

? Em 1990 eu achava que o Atlético precisava de um líder, que não tinha, e nós fomos buscar o Gilberto, que era um jogador experiente e tinha uma liderança muito boa. E ele era um jogador positivo. Cada um tem um jeito. O Nem os jogadores respeitavam muito, como o Gilberto Costa de outra forma. O Gilberto não era um jogador extraordinário, mas foi campeão do mundo porque tinha liderança. Tem jogadores que as vezes o torcedor não consegue entender porque está jogando. Às vezes tecnicamente é inferior, mas é de confiança do treinador e dos jogadores.

Xavier

? Você disse que segurou os jogadores antes da decisão. É porque havia excesso?

Carletto

? Não foi por isso que seguramos. Eles fizeram uma campanha contra os jogadores do Atlético sobre noitada que não era verdade. A vida de jogador não é essa maravilha que todo mundo pensa que é. É treino das 8h da manhã às 6h da tarde. Eles vão para casa cansados e aí tem o jogo que deixa todo mundo estressado. É cobrança de todos os lados e o jogador tem que sair, namorar, tomar a sua cervejinha. Não todos os dias e eles não conseguem e não fazem. Mas é colocado na cabeça do torcedor que eles vão todos os dias e não é verdade, eles não conseguem. E quando estão na noite, estão juntos com jogadores do Paraná, do Coritiba, do Real Madrid, de todo mundo. Em 1990 o Barcelona me fez um convite e eu fui pra lá. Jogaram Barcelona e Sevilha. Terminou o jogo e nós fomos para o vestiário e eu ouvi as entrevistas dos jogadores, do treinador e do capitão. E eles me convidaram pra jantar e nós ficamos até às 7h da manhã na melhor boate de Barcelona. Beberam, dançaram, eu dancei com a mulher do capitão. Ela tinha quase um metro a mais que eu. Uma holandesa linda, maravilhosa. As mulheres tiravam o marido dela pra dançar e eu ficava dançando com ela. Quando nós estávamos tomando o café da manhã ele virou pra mim e disse: isso aqui é só hoje, amanhã já começa aquela rotina de treino. Quando chega no fim de semana tem jogo e só sobra um dia pra encher a cara e se divertir. Isso é no mundo inteiro, não só no futebol brasileiro.

Xavier

? Mas tem o excesso?

Carletto

? Tem, mas esse a gente trata com um cuidado especial. Procura diminuir o excesso e aqueles que não conseguem corrigir você tira do plantel e troca por outro. O futebol brasileiro está longe de ser profissional como é a Argentina e o futebol europeu, mas está caminhando pra isso.

Irapitan

Como você administra a paixão com a parte profissional?

Carletto

? Quando você está no profissional é obrigado a deixar a paixão de lado e ter tranqüilidade para analisar as coisas de outra maneira. Eu sou um apaixonado, mas tenho que ver as coisas por outro ângulo. Se você não tiver tranqüilidade entra no vestiário, dá bronca. No entanto que agora nós até proibimos os dirigentes de entrar no vestiário do Atlético em dia de jogo. Presidente não entra, ninguém entra, só os profissionais. O Vadão e a comissão técnica. Só eles entram no vestiário hoje. Eles sabem que têm liberdade para trabalhar e não tem nenhum dirigente apaixonado como eu que vai entrar lá e encher o saco deles. Se precisamos conversar nós marcamos para o dia seguinte ou depois do jogo de cabeça fria. Naquela hora nem sempre a paixão está com a razão.

Xavier

? Uma autodefinição. Carletto por Carletto, quem é você?

Carletto

? Não sei, eu estou tentando me descobrir. Eu sou um cara que faço aquilo que gosto. Não só o futebol, que é a minha maior paixão, eu gosto do esporte em geral. Pratiquei vários esportes: golfe, vôlei, basquete. Pratiquei golfe no Brasil inteiro. O meu ídolo é o Guga. Mas graças a Deus eu estou no futebol porque gosto mesmo é de futebol e me sinto feliz mesmo. Eu sou um cara leal, só fiz amizades no mundo inteiro e a vida inteira viajando, conhecendo novos países. Só posso agradecer a Deus por estar aqui falando com vocês da coisa que eu mais gosto que é o futebol.

Cristian –

Carletto por Gersinho, que pediu a palavra…

Gersinho

? A gente brinca que ele é o número 1. Ele é o maior descobridor de talentos do Brasil. Eu sou de São Paulo, rodo o Rio, o Brasil inteiro, sempre a figura do Carletto, que valoriza muito o jogador. E a vida do Carletto é mais ou menos essa história. Ele foi convid

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