Galinhas e sopapos no Fluminense

Rio – O fim da carreira de Romário, de 37 anos, parece cada vez mais próximo e melancólico. Ontem, o atacante protagonizou, nas Laranjeiras, uma cena de vale-tudo após o treino do Fluminense. Ofendido por Ricardo Gomes de Faria, de 31 anos, integrante de uma torcida organizada do Tricolor carioca, o craque não se conteve e desferiu uma série de socos e tapas no torcedor. E teve a colaboração de seu fisioterapeuta particular, Fernando Lima, conhecido como Zé Colméia.

“Não vai ter covardia. Será só eu e ele. Ninguém vai tirar onda aqui na minha casa. Não vai me esculachar onde eu trabalho”, esbravejava Romário na hora da confusão. O tumulto só terminou com a chegada de policiais militares.

Apesar da gravidade do incidente, o presidente do Fluminense, David Fischel, preferiu proteger Romário. “As atitudes do torcedor e do jogador foram deploráveis. Porém, qualquer punição ao atleta poderia prejudicar a equipe.”

Minutos antes da briga, Ricardo de Faria e outros torcedores, irritados com a má campanha do Fluminense no campeonato brasileiro, jogaram seis galinhas vivas no gramado, atrasando o início do treinamento. Num corre-corre intenso, funcionários do clube tiveram que se desdobrar para retirar as aves de campo.

Durante o treino, a torcida hostilizou os jogadores. “Safados, galinhas, mercenários, pipoqueiros, maricas, honrem esta camisa”, eram os termos ou frases mais entoados. Romário deixou o campo antes dos demais colegas. Irritado com as ofensas subiu a arquibancada e partiu para cima de Ricardo de Faria.

Covardia

Tão logo deixou a 9.ª Delegacia Policial (Catete), onde registrou queixa por lesão corporal Romário e Zé Colméia, Ricardo Gomes de Faria deu uma estocada no craque do Fluminense: “Ele (Romário) não joga bola, mas bate bem”, disse o torcedor, mostrando o lábio inferior machucado e a camisa rasgada. Queixou-se, também, de vários galos na cabeça, região na qual teria recebido a maioria dos socos.

Ricardo de Faria foi agredido por Romário e Zé Colméia após o protesto contra o desempenho do clube no brasileiro. “A galinha é um símbolo da covardia”, explicou o torcedor, que mora em Vila Isabel (zona norte do Rio). Apesar de ser véspera de jogo, disse ter sido adequado o momento escolhido para protestar. “Foi para mexer com o brio dos jogadores. Se eles não têm brio, amanhã vão tomar outro sacode, contra o Corinthians”, explicou.

Após comparar a reação de Romário à de um desequilibrado mental, Ricardo de Faria afirmou que vai tomar todas as medidas legais cabíveis contra o jogador, embora não tenha citado pedido de indenização. “Vou correr atrás dos meus direitos. O que tiver de direito, vou pedir”, disse, negando que a diretoria do clube o tenha pressionado para não registrar a queixa. Ainda sobre a postura de Romário, afirmou: “Não foi atitude de um profissional. Se você é qualquer coisa, tem que ter equilíbrio mental, se não tem, não serve para trabalhar”.

Apesar dos socos e pontapés, o torcedor, que deveria ser submetido a exame de corpo de delito no Instituto Médico Legal, foi taxativo ao responder que faria tudo de novo. “Na mesma hora. É a história do meu clube que está em jogo. Acompanho o Fluminense há 15 anos e acho que não dá mais para aguentar isso aí.”

A agressão, segundo ele, sinaliza a desorganização do futebol carioca. “Não só do Fluminense. A gente está num caos. Você entra em um clube e não sabe quem manda, quem contrata. Aí a gente vira chacota de paulista”, acusou.

Galinhas

Ricardo de Faria, que disse ter título de sócio do Fluminense há um ano, contou ter pago R$ 40,00 pelas seis galinhas, levadas dentro de uma Kombi da torcida. Ele entrou com o veículo pela garagem do estádio, escondeu as aves dentro de um saco preto e disfarçou, andando por trás de uma faixa, levada para o treino.

Após o protesto, foi chamado pelo diretor Chicão para conversar sobre o assunto. Enquanto aguardava, contou que Zé Colméia e Romário chegaram até ele perguntando: “Quer dizer que o nosso time é de galinha?” E descreveu a cena: “Eles já vieram batendo. Não entendi nada”, contou, acrescentando que subiu para as arquibancadas e, de lá, acabou pulando.

Segundo Ricardo de Faria, de nada adianta pedir a saída do jogador, já que o contrato dele só termina no fim do ano. “Seria burrice pra gente. Ele vai ficar recebendo de qualquer jeito, é melhor botar a segunda divisão no currículo dele, se é que vamos cair”, argumentou, afirmando que o jogador deveria ter parado de jogar “há dois ou três anos”.

Justiça

O Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) não vai oferecer denúncia contra Romário, por causa da agressão do atleta ao torcedor. O procurador do tribunal, Lindolpho Marinho, disse que o jogador até poderia ser enquadrado no Artigo 314 do Código Brasileiro Disciplinar de Futebol (CBDF), que prevê suspensão de um a quatro jogos para atletas que assumam “atitude contrária à disciplina ou à moral desportiva, em relação a componente de sua representação, representação adversária ou de espectador”. Mas ele afirmou que o STJD vai levar em consideração os serviços prestados por Romário para o futebol brasileiro, a fim de evitar uma punição pelo incidente.

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