Fama muda toda a vida de Kaká junto aos europeus

Rio de Janeiro (AE) – A ascensão rápida no futebol começa a render frutos para o jovem Kaká, de 22 anos. Contemplado com o título de embaixador da Organização das Nações Unidas (ONU) contra a fome, ele vai ganhar visibilidade mesmo sem vestir o uniforme do Milan e da seleção brasileira. O meia-atacante estava exultante quando falou, por telefone, à Agência Estado sobre a nova função. Pretende agendar visitas nos locais mais pobres do Brasil, assim que puder, e quer conhecer detalhes do Programa Fome Zero, do governo federal.

Nesta entrevista, Kaká elogiou os três finalistas do prêmio de melhor do mundo da Fifa (Ronaldinho Gaúcho, Henry e Shevchenko) e minimizou a perda da liderança da seleção brasileira para a Argentina nas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2006. Deixou clara a sua afeição pelo São Paulo, apostando numa virada do time na reta final do Campeonato Brasileiro.

Kaká também reconheceu que seus adversários não se surpreendem mais com suas jogadas e que precisa ser inventivo para escapar da marcação individual. Comentou ainda sobre a cobrança, em escala crescente, da torcida do Milan. "Existe agora uma expectativa muito grande dos torcedores pelo meu desempenho. Ficam esperando que eu decida. A cada jogo, a sensação é a seguinte: ou sou herói ou sou vilão."

Agência Estado – Quais são seus primeiros compromissos como novo embaixador da ONU para o combate à fome no planeta?

Kaká – Quero visitar Angola, que é a sede do Programa Alimentar Mundial (PAM). Mas devo me engajar logo em projetos em andamento no Brasil. A verdade é que a fome não tem fronteiras. Quando tiver tempo, uma brecha no calendário, vou agir, emprestando a minha imagem e a minha solidariedade. Quero me informar melhor sobre o Fome Zero, do governo Lula. E, se possível, colaborar com esse projeto também.

AE – Você teve colegas no São Paulo que passaram fome …

Kaká – Eu vi várias vezes garotos chegando ao clube para treinar sem ter tomado café da manhã e sem dinheiro para almoçar. Alguns comiam apenas um pastel e aquilo era o alimento do dia. Algumas vezes, o clube ajudava os que não tinham comida em casa.

AE – O título de embaixador da ONU já era esperado. E o de melhor do mundo, em eleição da Fifa?

Kaká – Eu já me senti orgulhoso por constar de uma lista preliminar de 35 nomes, ao lado do Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Cafu, Roberto Carlos e Adriano. Tenho um ano e meio de futebol europeu, muita coisa ainda vai acontecer. A lista final, com Ronaldinho Gaúcho, Thierry Henry e Shevchenko, está em boas mãos. São três jogadores que vivem momentos fantásticos.

AE – Por quem está torcendo? Pelo Schevchenko, seu colega de Milan, ou por Ronaldinho Gaúcho, seu parceiro na seleção brasileira?

Kaká – Estou na torcida pelos amigos. Aqui no Milan, eu brinco com o Shevchenko, digo-lhe que tem brasileiro na disputa e que, por isso, vai ser difícil. Ele vem decidindo jogos pela equipe, foi muito importante no último título do Campeonato Italiano e no da Liga dos Campeões, de 2003. Não conversei com o Ronaldinho Gaúcho nesses dias. Mas também tem todas as credencias para ser eleito. Destaca-se pela criatividade, improviso, a habilidade.

AE – Ronaldinho Gaúcho, Juan e Roque Júnior sofreram recentemente manifestações de racismo durante algumas partidas. Você defende alguma medida mais forte para evitar esses incidentes?

Kaká – Eu não sei exatamente o que pode ser feito. É lamentável essa reação de parte do público. O racismo na Europa é um problema muito mais sério do que se imagina. Suspensão do clube, interdição do estádio. Punições assim poderiam ser só o começo. A questão passa também pela reflexão de cada um, é mais pessoal. Sou solidário aos três e espero que isso acabe logo.

AE – Tem sofrido cobranças por não marcar muitos gols no Milan?

Kaká – Leio às vezes uma notinha ou outra nesse sentido. Mas fechei 2003 com quatro gols e agora ainda faltam quatro rodadas e tenho o mesmo número de gols da última temporada. A minha obrigação é criar situações para os atacantes. Não é a de fazer gols. Claro que gosto de marcar. Sempre vou gostar. Mas não me sinto cobrado. Até porque não sou um atacante nato. Se eu ficar dentro da área, quem é que vai criar?

AE – A perda da liderança das Eliminatórias do Mundial de 2006 para a Argentina, nesta virada de ano, perturbou o ambiente na seleção brasileira?

Kaká – Não nos incomoda. As Eliminatórias não correspondem a um campeonato, com título, troféus. Essa disputa paralela é gostosa pela rivalidade. A idéia principal é classificar a equipe. Claro que se a gente puder ficar à frente da Argentina, melhor. O que vale, porém, é o próprio Mundial.

AE – Como repercutiu na Itália a morte do jogador Serginho? Vocês se conheciam?

Kaká – Nós, atletas brasileiros, ficamos em estado de choque. Os colegas de outras nacionalidades nos perguntavam, queriam informações, detalhes. Não entendiam como foi possível que ele continuasse em atividade mesmo depois dos exames reveladores. Eu joguei contra o Serginho, mas não tínhamos contato. Lamento muito por ele, pela família. No Milan, realizamos vários exames de seis em seis meses, incluindo os cardiológicos.

AE – Ainda acredita no São Paulo nesta reta final de Campeonato Brasileiro?

Kaká – Cada clube vai disputar nove pontos e a diferença do São Paulo para o líder é de quatro pontos. Acho que tudo pode mudar já na rodada deste fim de semana. Vou acompanhar os jogos pela TV e pela Internet. Estou otimista, apesar de reconhecer as dificuldades. O São Paulo pode ser, sim, o campeão.

AE – Depois de uma temporada muito boa, você foi finalmente ?descoberto? pelos europeus e agora tem sofrido marcação mais cerrada. Como lida com isso?

Kaká – A responsabilidade aumentou. Tenho de ficar mais atento, procurar me deslocar com mais rapidez.

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