Esporte vai ganhar legislação rigorosa em 2004

Rio – Vai entrar em vigor no primeiro dia de 2004 a mais rigorosa legislação esportiva de toda história do País: o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), elaborado por uma comissão de 11 advogados e magistrados e avalizado pelo ministro do Esporte, Agnelo Queiroz, aplicará punições severas a clubes, entidades, árbitros, atletas e demais pessoas envolvidas diretamente em eventos esportivos. As mudanças são expressivas. Desde a ampliação do prazo de punições por infração disciplinar a multas vultosas, de até R$ 500 mil.

O presidente do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), Luiz Zveiter, apresentou ontem, em entrevista coletiva em Niterói, o novo texto do código, fruto de dois meses de sucessivas reuniões da comissão. “Estamos fechando o cerco à violência no futebol e no esporte como um todo. E avançando bastante em outras áreas”, disse. Entre os itens que mais chamam a atenção está o que impede um técnico, suspenso, de passar orientação ao auxiliar de algum lugar privado do estádio.

Flagrado na irregularidade, será multado de R$ 50 mil a R$ 500 mil. “Se ele quiser, que compre um ingresso de arquibancada ou de cadeira. Mas acabou o privilégio de ficar em cabine, reservada ou não, para dar instruções à equipe”, afirmou Zveiter. Outra novidade será a visita-surpresa de integrantes do STJD e da Comissão de Doping da CBF em treinos de clubes. Eles vão poder escolher um ou dois atletas em atividade, obrigando-os ao exame antidoping. Se o jogador se negar a atendê-los, será considerado punido por doping e automaticamente suspenso. Neste caso, ficará sem jogar de 120 a 360 dias.

As agressões em outros jogadores – pontapés, socos, cabeçadas fora de disputa de bola – resultarão agora em suspensão de 120 a 540 dias. Antes, o afastamento máximo era de 180 dias. Se o ato causar lesão grave no adversário (ou em árbitro ou bandeirinha), o infrator poderá ficar 720 dias sem atuar ou mais ainda, até a recuperação total da vítima.

O tópico mais polêmico em 2003, o de perda de pontos de um clube que escalara atleta sem condição legal – e cujos pontos eram transferidos para o adversário – também, sofreu alterações. A partir de 2004, quem incorrer no erro vai perder seis pontos (por jogo). Mas a outra equipe não será beneficiada.

Para impedir distúrbios e desrespeito às normas estabelecidas, o treinador que ultrapassar a área delimitada, à beira do campo, ficará sujeito a suspensão de 30 a 120 dias. Ele também será punido mesmo se movido por boas intenções: a de entrar em campo, por exemplo, para afastar seus jogadores de um confronto generalizado. “Não pode sair daquele local, em nenhuma situação, a não ser que se sente no banco ou vá para o vestiário”, afirmou Zveiter.

O CBJD também atinge em cheio os árbitros. Aqueles que não relatarem fato grave na súmula ou omitir informação que impeça punição a algum infrator poderão ser afastados de 120 a 720 dias. A lista de novidades é extensa. Abrange ainda os clubes que tentem se beneficiar de ações de “laranjas” na Justiça comum. “Eles vão ter de ignorar eventual decisão da Justiça comum a seu respeito. Se não o fizerem, estarão automaticamente expulsos da competição e vão pagar multa de até R$ 500 mil”, disse Zveiter. Ele acrescentou que o dinheiro das penalidades pecuniárias será destinado às entidades administrativas do esporte.

Novo Código já causa polêmica

AE

São Paulo – As mudanças na legislação esportiva com a aprovação do Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD), mal foram conhecidas e já causam indignação, além de deixar alguns dirigentes confusos ou irritados. Vários itens do documento são contestados. Marcos Paquetá, técnico campeão mundial pelas seleções brasileiras sub-17 e sub-20, defende seus companheiros de profissão. “A área técnica foi um avanço para os treinadores poderem falar com os jogadores. Mas tem de haver organização, caso contrário, vira bagunça”, afirmou. “Mas impedir o técnico de ficar nas dependências dos estádios quando estiver suspenso só vai dificultar a comunicação. Posso pegar o celular e telefonar. Achei uma mudança muito rigorosa”, ponderou.

Joel Santana, atualmente sem clube, concorda com Paquetá. “É muito rigor, já somos tão sacrificados. No Brasil, os técnicos não conseguem se conter porque sabem que em poucos jogos podem ser demitidos”, analisou. “Na Europa, é diferente, pois assina por três anos e cumpre o contrato. Tem tranqüilidade. Aqui não”, afirmou. “Já fui expulso porque pus o pé fora da área técnica. Achei a medida agressiva com os treinadores.”

A bronca do superintendente de futebol do São Paulo, Marco Aurélio Cunha, é mais contundente. “Nenhum legislador é dono da verdade, ele pode agir erradamente ao punir alguém”, reclamou. “Fazer é fácil, ridículo é executar. Só a prática dirá se há ou não bom senso nas mudanças. Acredito que não será possível de realizar de 30 a 40% dos itens.”

Marco Aurélio não acha justo o jogador ficar parado o mesmo tempo de algum colega que tenha contundido por falta mais dura. “Um absurdo absoluto. Se o contundido tiver problemas em uma anestesia?”, questiona. “É culpa de quem fez a falta? Se ele voltou a jogar antes do tempo, se pisou antes da hora?”

Outro ponto de discórdia do dirigente é o fato de o atleta pego no doping – mais precisamente por uso de maconha ou cocaína -, ser obrigado a cumprir suspensão de 6 meses. “Ninguém usa estas drogas para melhorar o rendimento”, observou. “Ao jogar o atleta às traças, não vai ajudar em nada”, insistiu. “Só trabalhando a pessoa se livra do vício. O certo é o jogador continuar em atividade, mas realizando controle antidoping sempre e pagando pelos exames.”

Hélio Ferraz, presidente do Flamengo também pede revisão de alguns pontos. “Acho que há artigos que podem ser reavaliados. Os clubes passam por dificuldades financeiras e temos multas muito altas. É preciso ver a realidade dos clubes” ponderou. “A intenção é boa e só o tempo vai mostrar o que está certo e o que está errado.”

Em nome do futebol

Hamilton Bernard, representante de muitos atletas do País, entre eles, o atacante Ricardo Oliveira, atualmente no Valencia, e o zagueiro Anderson, do Corinthians, achou boas as mudanças. “Tudo feito para diminuir a violência e melhorar o espetáculo é válido”, ressaltou. O empresário aguarda cópia do documento para reunir-se com seus atletas e alertá-los, de preferência antes do início do Paulista. “Pedirei a meus zagueiros que tomem cuidado ao fazer faltas”, disse. “Mas até hoje nenhum deles cometeu infrações graves, que machucassem um companheiro, por isso estou tranqüilo.” Sua preocupação está no item que obriga o atleta a ficar fora dos campos enquanto um companheiro, incapacitado de atuar por sua causa, ficar parado.

Antônio Roque Citadini, vice-presidente de futebol do Corinthians, não quis comentar as mudanças. Prefere estudar os itens para depois se pronunciar. “É difícil opinar. Tenho dificuldade de falar sobre texto que não conheço bem,” disse.

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