Driblar virou pecado no futebol do Brasil

São Paulo – As enterradas fazem parte do espetáculo do basquete. As jogadas de efeito no tênis são aplaudidas até pelos jogadores que perdem o ponto. Uma bola cravada no peito do adversário não faz o jogo de vôlei ser paralisado por causa de uma briga generalizada. Mas no futebol, cheio de seus melindres, cada vez mais surgem profissionais limitados que se irritam com a qualidade técnica – em escassez nos gramados -, criticam e muitas vezes ameaçam aqueles que por alguns instantes engrandecem o esporte da bola. Driblar virou pecado no futebol.

?Só dribla quem sabe. O drible é um recurso que serve para deixar a sua equipe mais ofensiva. O drible objetivo, em direção ao gol, é a essência do futebol. Até isso querem tirar do futebol??, perguntou Jonas Eduardo Américo, o Edu, ponta-esquerda do Santos de 1965 a 1976, que, para muitos, possuía maior domínio de bola que Pelé. ?O problema é que no futebol atual existem poucos jogadores capazes de driblar. Quando surge um, logo todo mundo cai em cima. Em toda minha carreira nunca ouvi comentários de quem quer que seja reclamando dos meus dribles.? E Edu pode falar de ?cadeira?, porque mesmo depois de parar de jogar profissionalmente seus dribles faziam sucesso, no tempo da seleção brasileira de masters – que tinha na ponta-direita o folclórico driblador Cafuringa.

Outro ponta-esquerda que marcou época com sua habilidade foi Nei, jogador do Palmeiras de 1972 a 1981. ?Travei grandes duelos com o Zé Maria (lateral-direito do Corinthians) e ele nunca veio me falar ou falou para a imprensa que eu o estava desrespeitando com a minha série de dribles?, lembrou.

Até mesmo Rondinelli, viril zagueiro do Flamengo entre os anos de 1974 e 1981, mostra-se indignado com as reclamações atuais contra os dribles. ?Futebol é uma arte. É preciso ser criativo e ter habilidade para saber driblar. No futebol de hoje é muito raro se ver uma jogada de efeito. Se o Pelé jogasse agora, iam querer quebrar a perna dele todo jogo?, afirmou o ex-jogador, que fez questão de citar dribladores que foram seus contemporâneos. ?Joãozinho, do Cruzeiro, e Reinaldo, do Atlético-MG, deixavam a bola pequenininha?. Rondinelli, o ?Deus da Raça? do Flamengo no final dos anos 70s, era conhecido por não aceitar nenhuma provocação de atacantes, muito menos dribles desconcertantes. Por conta disso, envolveu-se em várias confusões, principalmente em partidas contra o Vasco da Gama.

Rondinelli ensina como os zagueiros devem se comportar diante de adversários habilidosos. ?Não se pára um jogador deste na pancada. É preciso se antecipar na jogada, não dar espaço para que ele tente o drible. O cara quando escolhe ser zagueiro sabe que uma hora ou outra vai passar vergonha. Vai tomar o drible e cair no chão?, avisou.

Por isso, as declarações do técnico Emerson Leão, do Corinthians sobre o meia Valdivia, do Palmeiras, não foram bem recebidas pelos três lendários jogadores. Depois do clássico de domingo, Leão afirmou que ?o chileno teve um grande desempenho, até excedeu?. ?Seguiu a rotina daquele que tem técnica, mas abusou. Até preocupou para o futuro?, disse o treinador do Corinthians.

?Gostaria de saber se o Leão também reclamou do Robinho na final do brasileiro de 2002, quando ele entortou o Rogério?, afirmou Rondinelli, falando do time do Santos, comandado pelo treinador, na época, que eliminou o Corinthians.

?O Valdivia jogou com inteligência. Foi importante para o Palmeiras fazer os gols. Segurou a bola quando o seu time tinha a vantagem. Sofreu faltas que resultaram em cartões para os jogadores do Corinthians?, comentou Edu. ?Não tem cabimento reclamar do drible. Ele faz parte do futebol.?

Apesar das críticas, muitos jovens estão surgindo para o futebol brasileiro com o espírito ?moleque? que sempre o diferenciou. Kerlon, do Cruzeiro, com o ?drible da foca?, e Alexandre Pato, com o equilíbrio da bola no ombro durante o Mundial de Clubes em dezembro, se juntam a outros artistas históricos da bola como Robinho, Denilson, Zidane, Garrincha… para o bem do futebol. Como diria o ex-jogador Afonsinho, que fez história no Santos e Botafogo. ?Quem sabe, joga. Quem não sabe, bate palma.?

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