Curitiba

Professores voluntários ajudam jovens de Curitiba a entrar na faculdade

Escrito por Giselle Ulbrich

Professores se uniram, montaram ONG e dão aulas preparatórias pra alunos que não podem pagar cursinho

Foi por acreditar que alunos de escolas públicas tinham um enorme potencial que cinco professores voluntários se uniram para ajudar um grupo pequeno de jovens a passar no Enem. Era para ser só aquela turma, lá em 2015. Mas os professores sentiram-se tão realizados de ver alguns passando no vestibular, que decidiram tornar aquilo um projeto de vida.

Assim criaram a ONG Vai Cair na Prova, que dá aulas de cursinho quase gratuitas a alunos que não podem pagar um curso particular. O projeto é um dos cinco finalistas do prêmio Bom Exemplo, uma iniciativa da RPC e da Tribuna.

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Augusto Mozart Antonichen Pinheiro Cruz é um dos professores que está no projeto desde o início. Lá em 2015, seu colega, o professor de matemática Victor Bueno, dava aulas numa escola pública de Campo Magro, quando percebeu que um grupo de alunos queria fazer o Enem, mas não tinha quem apoiasse, organizasse e conduzisse os estudos. Foi assim que Victor chamou alguns amigos, que estudaram com ele no Colégio Estadual Professor Francisco Zardo, em Santa Felicidade, e que também eram professores, para propor de darem aulas gratuitas aos alunos. Todos toparam.

Foram três semanas intensas. Orgulhosos do trabalho, os professores decidiram organizar melhor aquilo num projeto. Abriram a ONG, que hoje atende 220 estudantes, tem 60 professores (e mais alguns voluntários) e tem aulas noturnas em cinco salas de aulas, em duas escolas de Curitiba: no Colégio Zardo, e no Colégio Estadual Paulo Leminski, no bairro Tarumã.

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Do próprio bolso

Augusto conta que o primeiro ano da ONG foi trabalhoso. Os professores tiraram dinheiro do próprio bolso para custear xerox e alguns materiais e conseguiram um ônibus para levar os alunos para a Feira de Cursos da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Mas com o crescimento do projeto, que ficou dois anos em Campo Magro, foram aprendendo e crescendo. Passaram a cobrar uma taxa pela prova seletiva, de R$ 50. O valor ajuda a custear giz, jalecos, a compra de aparelhos de data show e uma camiseta do curso.

Também passaram a cobrar uma taxa anual de R$ 400, que pode ser parcelada em 10 vezes e custeia todo o material didático (uma apostila por trimestre, mais uma apostila de literatura e outra de idiomas). As apostilas são próprias, elaboradas pelos professores do cursinho. As aprovações dos alunos no vestibular foram crescendo, o projeto chamou a atenção e eles conseguiram salas no Zardo, em 2017, para ampliar o atendimento. Este ano, também foram para o Paulo Leminski.

Ano passado, dos 150 alunos, metade passou na segunda fase da UFPR. E 50 deles foram aprovados em faculdades diversas.

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Como surgiu o nome?

Augusto conta que um dia se reuniram numa padaria de Santa Felicidade para discutirem como iam formalizar a ONG, que tinha um nome prévio de “Enem Solidário Campo Magro”. Mas como já imaginavam o projeto se expandindo, precisariam de outro nome. Então brincaram: quais são as frases que os alunos mais falam em sala de aula? E as frases foram surgindo: “Posso ir ao banheiro?”, “É pra copiar?” e o “Vai cair na prova?”, que caiu no gosto de todos.

Psicologia

O Vai Cair na Prova tem um serviço que muitos cursinhos particulares não têm: o atendimento psicológico. Os professores perceberam que muitos alunos sabem o conteúdo, mas o nervosismo atrapalhava na hora da prova. Através de uma parceria com uma universidade, conseguiram acompanhamento psicológico para os alunos, serviço que está fazendo a diferença nas aprovações.

Augusto exemplifica um ótimo aluno que teve, mas que não passou por causa do nervosismo na prova. Ele voltou ao cursinho no ano seguinte, teve o acompanhamento psicológico e foi aprovado.

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Formatura

A primeira leva de alunos, aqueles de Campo Magro, está chegando ao final da faculdade. Augusto está ansioso para saber quem será o primeiro a se formar e, claro, poder assistir a formatura.

“No começo, nós acreditamos que alunos de escolas públicas tinham potencial. Afinal, nós cinco (professores) viemos de escola pública. Mas a comunidade abraçou nosso projeto de uma forma que nós nunca pensamos em chegar onde estamos hoje. Ano que vem queremos disponibilizar uma turma no Centro de Curitiba”, disse Augusto.

Dinheiro não paga

Alunos que estão na ONG realmente querem estudar e passar no vestibular. Foto: Lineu Filho/Tribuna do Paraná

Uma das coisas que a maioria dos professores da ONG Vai Cair na Prova se orgulham é que os alunos que estão lá é porque realmente querem estudar e passar no vestibular. “É muito gratificante e facilita as coisas, porque a gente consegue dar uma aula de qualidade, consegue passar a ideia e eles fazem os exercícios”, explica o professor de história Augusto Pinheiro Cruz, um dos coordenadores da ONG.

Este é o caso da Ana Laura dos Santos, 16 anos, que sonha em fazer faculdade de psicologia. Um dos motivos que a fez procurar o Vai Cair na Prova foi a falta de recursos para pagar um cursinho particular. Como ela sabe o quanto é difícil conseguir uma bolsa de estudos, não pensou duas vezes ao ouvir a indicação de uma amiga, que estudou no cursinho solidário.

“Aqui os professores estão porque querem, o que os torna muito dedicados. Isso traz mais confiança aos alunos. Além das aulas, eles conversam muito conosco. Sem contar o apoio psicológico, que faz toda a diferença, porque quando vai chegando perto da prova, a gente fica nervoso e atrapalha”, diz a aluna, que teve toda a sua educação em escolas públicas.

Por mais cansativo que seja estudar à noite, além das aulas normais na escola durante o dia, Ana Laura não quer nem pensar em parar o cursinho. E sabe que, se não conseguir passar no vestibular este ano, terá as portas abertas de volta na ONG, ano que vem.

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Aprovação

Mas o mais gostoso deste trabalho, diz o professor Augusto, é o momento de ver o nome dos alunos na lista de aprovados. A sensação, descreve, é de euforia e vitória. “Porque quando a gente coloca um aluno dentro de uma universidade, não é só a vida dele que a gente transforma. É da família toda, da comunidade ao redor dele. E é essa transformação da sociedade que me motiva”, diz Augusto.

Quem também vibra com a vitória dos alunos é a professora de redação Mariana Pamplona. Aluna de escola pública, dar aulas voluntariamente no cursinho é uma forma de devolver à sociedade aquilo que investiram nela. “Eu acho que fico mais feliz que eles, saber que fiz parte disso. É muito gratificante”, diz Mariana.

E Augusto diz que os relatos dos professores são bem variados. Uns dizem que sentem paz de espírito, por fazerem a sua parte no mundo. Outros sentem como se fossem eles mesmos passando no vestibular, de tanta alegria. Apesar de nenhum professor ser pago, a maioria não abandona as aulas voluntárias por causa da realização pessoal que sente ao abraçar um projeto como este.

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E não é só de aulas que vive a ONG. Muitos alunos, contou o coordenador, chegam sem CPF, ou vem de um contexto de desestrutura familiar. A ONG abraça estes alunos, os ajuda a tirar os documentos e os orienta. Vários deles já estão na faculdade.

Retribuição

E para retribuir o esforço, os coordenadores tentam fazer o que podem para manter o estímulo e a vontade dos professores. A primeira delas é a rede de apoio profissional, com um indicando o outro para vagas de trabalho, já que a maioria trabalha durante o dia em escolas públicas e particulares. Além disto, os coordenadores vão atrás de brindes, presentes e conseguiram até um jantar, este ano, para presentear os docentes pelo Dia dos Professores.

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Aliás, foi bem no dia do jantar que eles souberam da indicação ao Prêmio Bom Exemplo, o que tornou a confraternização ainda mais especial e significativa. “É um profissional que vem dar aula de graça, à noite, sem receber nada. Às vezes vem pra dar só aquela última aula de sexta, às 21h45, bem longe de casa. A gente faz de tudo pra valorizar e reconhecer esse trabalho”, diz Augusto.

Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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