Curitiba

Moda curitibana se reinventa e transforma a cidade num polo de design autoral

Escrito por Giselle Ulbrich

Curitiba não é (talvez nunca tenha sido) um forte polo da moda, em relação ao cenário nacional e internacional. Apesar disto, a capital paranaense tem se tornado conhecida por sua “slow fashion” e há várias grifes locais se destacando. A designer de moda Heloisa Strobel é uma destas profissionais. O sucesso foi tão grande que ela já andou exportando suas coleções.Mas antes de compreender esse novo cenário da moda em Curitiba, você deve estar se perguntado: o que é slow fashion?

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Talvez seja mais fácil explicar primeiro o contrário disto, a fast fashion, que muitos já ouviram falar. Geralmente são as lojas de departamentos, que vendem moda a um custo menor (C&A, Renner, Riachuelo, Marisa, etc.), porém também com durabilidade menor, o que faz o consumidor descartar mais rapidamente estas peças. Na fast fashion, as lojas costumam adquirir matéria prima e mão de obra muito baratos. Chegaram a ser acusadas mundo afora de exploração comercial e trabalho escravo, o que gerou polêmica e fez muita gente deixar de comprar nestas lojas.

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Outra característica das fast fashion é que a moda é global. Produz-se uma quantidade enorme de peças, todas iguais, que são enviadas para todas as lojas daquela rede no mundo. A mesma peça que você encontra em Curitiba, encontrará na Inglaterra, China ou Argentina.

Desglobalizando

Quem explica a slow fashion é a professora do curso de Design de Moda da Universidade Positivo, Najla Hishmeh. A slow fashion busca regionalização, ou seja, produzir roupas adaptadas ao público local, conforme os gostos e necessidades da região. Valoriza-se também o trabalhador e a matéria prima locais. Produz-se em pequena quantidade, peças mais exclusivas e com maior durabilidade, para evitar o descarte com pouco uso. Também valoriza-se o trabalho honesto, sem exploração.

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A Heloisa Strobel é dona da loja Reptilia, que fica ali na Rua Prudente de Moraes, no Centro de Curitiba. Ela abriu sua grife própria para trazer roupas autorais, com preços para todos os bolsos e coleções totalmente voltadas à mulher curitibana (que tem no casacão de inverno uma peça chave no guarda-roupas, além de gostar muito de capuz e bolso, por exemplo). Porém mesmo sendo “local” e pequena, Heloisa não deixou de exportar. Apenas personalizou a roupa às necessidades do local de destino. Para o Kuwait, por exemplo, fez saias um pouco mais longas e blusas mais largas e compridas. A jovem estilista só usa matéria prima brasileira, com certificação sócio ambiental e afirma que utiliza 100% do material (ao contrário da indústria, que descarta 15%).

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“Quando a gente começa a fazer peça, não faz pensando no preço. Preocupa-se com a qualidade, a costura, o material usado. Nosso grande trunfo é a durabilidade, a boa qualidade, o design diferenciado. É uma experiência de moda para quem compra, pois além de conhecer a marca, também pode chegar no nosso ateliê atrás da loja, ver como cada peça é feita. Isso gera um envolvimento, afeto pela roupa, fazendo com que a pessoa cuide mais daquela peça e não a descarte de qualquer forma. Não vai ser mais um lixo no mundo, como acontece com a fast fashion. Antigamente a moda ditava o que as pessoas iam vestir. Hoje o processo é inverso. As grifes estão olhando mais para o usuário, vendo o que precisam. É mais um serviço de design e atender o público do que ditar o que é moda ”, analisa Heloísa.

Público fragmentado

Outra coisa que mudou muito no cenário da moda em Curitiba é que, antigamente, apenas algumas grandes grifes determinavam o que todo mundo ia vestir. Hoje, a moda se fragmentou, se dividiu por nichos. Cada um tem um gosto particular de moda e procura marcas que tenham o seu estilo. Quem viveu toda essa mudança foi o empresário Júnior Gabardo, que por 18 anos teve uma das grifes mais badaladas da terra dos pinheirais, a Sexxes.

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“A moda deixou de ter aquele glamour de antigamente, com modelos e superproduções. Na época que começamos a Sexxes, a primeira coleção tinha 10 itens e durou seis meses. De repente isso foi mudando. Fechamos a Sexxes com coleções de 800 itens. Era uma loucura manter tudo isso, uma pressão grande do mercado não ser repetitivo. Como a gente trabalhava no varejo, o cliente queria coisas novas. Eu chegava a virar o ano com seis coleções. Desgasta demais o estilista”, diz Júnior, que foi o criador de todas as coleções da Sexxes.

Minha roupa, meu estilo

Já percebeu como o público dos cursos de corte e costura mudou bastante nos últimos anos, tanto em idade, quanto em perfil? Há uma década, diz Hamilton Sitoni, coordenador de cursos da Escola Ruth Junqueira, 70% das mulheres que frequentavam eram senhoras, que queriam aprender a costurar para passar o tempo ou fazer roupas para os filhos e netos. 30% estudavam por motivos profissionais. Hoje, diz ele, a porcentagem se inverteu. 70% dos alunos (homens e mulheres) são jovens e a maioria deseja criar roupas para manter o seu próprio estilo ou ter o próprio ateliê e ganhar a vida com isso. Alguns já estão no mercado de trabalho ou em faculdades de Moda e desejam se especializar.

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E não são somente jovens adultos que procuram os cursos. A Ana Beatriz Kampmann ainda é adolescente, mas já foi aprender a costurar para vestir-se com as suas próprias criações. Ainda criança a jovem demonstrava talento fazendo moldes e roupas para as bonecas com a irmã, desenhando modelos e costurando à mão. A mãe, Mariana Kampmann, vendo o talento da filha, a levou para o curso no Sesc.

E a adolescente é “ambiciosa”. Quer cursar Design de Moda na faculdade e abrir a própria grife, a “Ana Kampmann”, com lojas no Brasil e na Europa. Ela tem um estilo todo próprio e gosta de dois opostos: as peças básicas e as roupas sociais. Tanto é que, no final do curso, pretende costurar um vestido para usar numa festa de casamento que irá ano que vem.

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“Diferente dos adultos, que se frustram e desistem do curso, as ‘crianças’ não têm medo de errar. Se ficou feio ou torto, cortam e fazem de novo. E são proativas. Tentam fazer em casa, procuram tutoriais na internet, aparecem com muita coisa pronta na aula pra me mostrar. Aí vou mostrando a técnica e a teoria”, analisa Neliana Zaplana Braga, orientadora da Ana no Sesc.

Neliana ainda mostra que os jovens de hoje estão colocando muito mais valor nas peças que vestem. “Muita gente começou a comprar de monte de outros países, mas viram que não dura nada. Então querem um produto de mais qualidade, que dure mais. Por isso tem muita gente saindo da fast fashion e indo criar uma moda autoral, mais devagar. Os jovens também não querem mais trabalhos onde há somente cobrança, metas a bater. Quando isso acontece, às vezes você nem percebe mais porque está criando. Hoje as pessoas buscam fazer coisas que tenham significado. Por isso muitos jovens estão indo costurar as próprias roupas”, analisa a professora de Moda.

Guinada de carreira

Já a Sandra Sartori, 42 anos, é formada em Administração e passou 23 anos no mundo corporativo, até ser demitida em 2017. Estava exausta e decidiu que, ao invés de focar na busca de um novo emprego, tiraria um ano sabático para descansar e organizar a casa e a vida.

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Sandra sempre gostou artesanato. Nas folgas do trabalho, sempre criava alguma coisa em casa, como tapetes e outros objetos, costurados à mão. Em seu período sabático, decidiu aprender corte e costura. E foi o curso industrial, que ensina a usar máquinas “pesadas” como overlock e galoneira, que fez Sandra enxergar a sua grande paixão e mudar completamente de profissão.

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Ela está decidida a ter o próprio ateliê e costurar roupas de moletom com cortes diferenciados, que fogem do tradicional. Já comprou cinco máquinas e quer abrir sua própria marca.
“Percebi que a área de costura tem campo a ser explorado. Estou muito feliz com essa mudança de carreira, pois é muito gostoso você desenhar, criar as suas próprias coisas e ganhar dinheiro com o que gosta”, analisa.

Eu conserto!

Na era do faça você mesmo, vale a pena consertar roupa em casa? Hamilton Sitoni, da Escola Ruth Junqueira, afirma que sim. “Mandei fazer uma simples barra de calça, gastei R$ 25. E as costureiras estão abarrotadas de trabalho, demoram alguns dias para devolver a peça. Veja uma camisa social, de marca razoável, custa quase R$ 100 nas lojas. Aqui no curso os alunos produzem uma peça por R$ 40, personalizada com o estilo deles. Porque se você vai numa loja, é tudo igual”, analisa o coordenador de cursos, que está sempre com as salas de corte e costura lotadas.

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Sobre o autor

Giselle Ulbrich

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