Foi pelas redes sociais da Universidade Federal do Paraná (UFPR) que o engenheiro florestal Giuliano Ferreira Pereira, de 29 anos, comemorou a aprovação da tese de doutorado, defendida no dia 5 de junho, em plena pandemia de coronavírus. Nem ele acreditou que terminaria os estudos sem atrasos.

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Na postagem, replicada no Instagram da instituição, ele apenas lamentou a ausência da mãe, que não pode participar da conquista por causa dos protocolos de prevenção do coronavírus que exige distanciamento social. Giuliano Ferreira é filho da empregada doméstica Maria de Fátima Ferreira, 62 anos, que fez de tudo tudo para que o filho tivesse o que ela não teve: oportunidades na vida.

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O agora doutor e futuro professor universitário (se os planos dele derem certo), Giuliano veio morar em Curitiba em 2016, com 25 anos, depois de ser aprovado na entrevista do doutorado. Ele é natural da cidade de Curitibanos, no interior de Santa Catarina, e, desde a infância, sempre estudou em escola pública. A mãe Maria de Fátima começou a trabalhar como doméstica na adolescência, depois de ficar órfã e ser acolhida por uma irmã. Até hoje, ela ainda trabalha para a mesma família. “Eles sempre me deram muito incentivo para que o Giuliano estudasse”, conta.

Giuliano e a mãe, Maria de Fátima, na comemoração do título de doutor pela UFPR. Foto: Arquivo Pessoal.
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Maria de Fátima cursou até o 3.º ano do agora Ensino Fundamental. Mesmo acompanhando a trajetória do filho na faculdade e mestrado, ainda não compreende muito bem o que significa o título de doutor que está incorporado no currículo do filho. Mas orgulho é o que não falta.

“Me senti bem feliz da vida. A história do filho da empregada [suspira]. Espero que ele continue sendo um bom rapaz. O Giuliano nunca incomodou, sempre foi muito querido”, emociona-se a mãe.

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Como boa parte das crianças menos favorecidas, Giuliano frequentou creches, por vezes ia com a mãe para a casa da patroa, mas, segundo ele, não havia preconceito. “Minha mãe trabalhava o dia todo, se esforçava para cuidar de mim, do meu irmão e da minha irmã que são mais velhos. Eu era incentivado”, conta ele.

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O irmão faleceu há três anos de doença renal. A irmã segue aplaudindo as conquistas de Giuliano e também tem curso superior. “Minha mãe nunca casou. Meu pai não foi presente, mas ele ajudou e ajuda quando pode. Tinha tudo para ser mais uma história triste, mas eu abri o espaço para a família. Minha irmã e minha prima também se formaram depois de mim”, ressalta.

Giuliano começou o curso de Ciências Rurais da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) com 19 anos, em Curitibanos, quando a universidade instalou um câmpus na cidade, em 2009. “Eu pensava em Matemática. Queria ser professor. Cheguei a fazer vestibular na única faculdade particular que tinha aqui, mas a turma não abriu”, contou.

Familiares e os patrões da mãe sugeriram a UFSC em Florianópolis, mas Giuliano não tinha condições de se sustentar na capital catarinense. “Eu pensei que teria que esperar mais um ano para tentar entrar numa faculdade. Nesse meio tempo, a UFSC se instalou aqui, com Ciências Rurais. Eu resolvi tentar”, lembrou.

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Do início com Ciências Rurais veio a opção da universidade para direcionar a linha de formação para Engenharia Florestal. Giuliano se graduou nos dois cursos. Ciências Rurais, em 2013, e Florestal, em 2014, até que, neste mesmo ano, se engatou no programa de pós-graduação em Engenharia Florestal da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Aos 24 anos, ele se mudou para Lages (SC) e lá fez a primeira fase do mestrado. Depois, voltou para Curitibanos para finalizar a dissertação, defendida em 2016, ano em que também entrou no doutorado da UFPR.

Sonho realizado

O material estudado por Giuliano é o OSB (do inglês Oriented Strand Board), que são painéis de tiras de madeira orientadas bastante versáteis e com boa resistência físico-mecânica. Foto: Arquivo Pessoal.

A linha de pesquisa de Giuliano no doutorado trata do potencial da madeira de Eucalyptus badjensis para a produção de painéis de madeira aglomerada. Durante o doutorado, concluído este ano, o tema se aprofundou para entender os efeitos de diferentes composições de camadas, tipos de partículas e da modificação térmica em painéis mistos Aglo/OSB.

O material estudado por Giuliano é o OSB (do inglês Oriented Strand Board), que são painéis de tiras de madeira orientadas bastante versáteis e com boa resistência físico-mecânica. “Meu orientador do doutorado é uma referência no assunto. Eu tinha o sonho de estudar com ele. Pesquisei o que pude sobre os artigos deles, para ver se ele me aceitava. Nem sei como ele me aceitou”, comemorou.

Na postagem que foi replicada nas redes sociais da UFPR, Giuliano orgulha-se de ser filho da empregada doméstica Maria de Fátima e da universidade pública. “Além de ser filho da empregada, sou filho da Universidade pública, realizei minha graduação (UFSC), mestrado (UDESC) e agora doutorado (UFPR), em instituições públicas de ensino. […] A educação pública transformou minha vida e de diversas outras pessoas que não teriam oportunidade de realizar seus estudos de outros modos”, escreveu.

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O aluno batalhador e humilde ainda agradece seus orientadores. “A dedicação de vocês com a educação pública e a ciência foi uma das minhas principais inspirações para escolher e persistir nessa área. […] Nesses tempos difíceis em que vivemos, a educação é ainda mais importante”, destaca o filho da empregada que agora busca uma oportunidade como professor. “Será a realização de um sonho”, conclui.


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