Um esculacho no expresso vermelho

Estava ontem, por volta das 15h30, no terminal Campo Comprido quando peguei o expresso em direção ao centro da cidade. Na estação tubo do Mossunguê entrou uma daquelas figuras que o usuário de ônibus, principalmente das linhas do expresso, conhece: o cara da Instituição Manasses. Ele fez o de sempre, distribuiu produtos, pediu colaboração para a organização que recupera dependentes de produtos químicos, coisa e tal, todo mundo pegou os produtos dele com indisfarçável desagrado e cara de quem ia devolver em seguida. As estações passaram e ninguém enfiou a mão no bolso. Ele passou recolhendo e constatou que não faturou um centavo.

Normalmente acontece. Claro que muitas vezes vi pessoas enfiar a mão no bolso e tirar dinheiro para o sujeito. Mas desta vez nada. E o sujeito não gostou. O ônibus não estava cheio. Nós estávamos no último terço do ônibus. O cara parou no corredor, encarou todo mundo e pregou o maior esculacho nos impassíveis passageiros. Coisa impressionante! Aquilo me desagradou. Mas, por outro lado, me fascinou como técnica de vendas. Eu pensei com meus botões: esse cara deveria se apresentar numa convenção nacional de departamentos de vendas para as pessoas perceberem como é que se enfia um produto goela abaixo do pobre cidadão.

Ele começou assim: “Eu percebi o desdém na cara de vocês. Vocês não são obrigados a comprar ou dar incentivo em dinheiro, mas o desdém é ruim”. Pensei: começou bem. Ele explora a parte mais sensível das pessoas que é o complexo de culpa. E o cara era o Mike Tyson neste gênero: “Droga é um problema espiritual minha gente. De quem não acredita em Deus. E ajudar a tirar as pessoas da droga é uma tarefa da sociedade. Eu faço a minha parte, mas vocês estão se omitindo. Omitindo por mesquinharia”. A coisa funcionava. Ele não queria unanimidade: ele queria acertar em cheio uma parte daquele grupo de pessoas que ouviam. Enquanto alguns se escandalizavam, duas pessoas apressadas enfiaram a mão na bolsa. O cara não ia sair de mãos abanando.

Mas ele não estava satisfeito: “Eu fui drogado e me recuperei. Porque uma pessoa um dia deu incentivo para eu me recuperar. A droga, no começo, parece que não é um problema, parece que é gostoso. E é. Depois vem a depressão e os problemas. E a pessoa precisa de tratamento”. Mais duas pessoas resolveram pegar dinheiro. E o cara ainda não tinha terminado: “Nós precisamos de incentivo. Manasses fica firme aí, que Jesus te ama”. A coisa estava terminando e a ofensiva aumentava: “Eu estou fazendo a minha parte. E acho que ser indiferente não é um bom negócio para vocês. Eu estou avisando. Pense bem!”.

Nesta altura do campeonato, quase metade das pessoas do fundão do ônibus estava, vamos dizer assim, sensibilizada. Aí o sujeito deu o golpe final: “Aqueles que não quiserem colaborar, não tem problema. Não tem problema não! Quando um drogado morrer, Deus vai cobrar vocês”. Com esse argumento final, até quem era ateu deu um jeito de sacar algumas moedas. O sujeito pegou e desceu na estação tubo do Bigorrilho, altivo e furibundo, silencioso como um pistoleiro. E quem ficou cabisbaixo, humilhado e ofendido, sentia-se o maior mesquinho da terra. Eu fiquei pensando que o mundo não é dos produtores, ou dos compradores, pobres coitados que dilapidam seu pobre capital.
O mundo é dos vendedores.