O velho trem se arrastando pela cidade

Hoje pagamos por uma grande irresponsabilidade cometida a partir do governo Juscelino Kubistchek – o abandono das ferrovias para privilegiar a nascente indústria automobilística. Investir na indústria não foi criminoso, pois serviu de locomotiva (que ironia!) para industralizar o país. Mas jogar as ferrovias às traças foi covarde, golpe que hoje se reflete nas estradas e nas ruas com congestionamentos monstros, no primeiro caso nos feriados e no segundo em dias de rush. O mais absurdo é que não existe precedente para esta iniciativa míope da classe dominante brasileira.

Nenhum outro país com dimensões territoriais do Brasil sucateou, abandonou ou deixou de lado o sistema ferroviário. Hoje este monte de carros serve para dar lucro a donos de postos de pedágio, a fabricantes, sem contar o governo que se farta em todos os tipos de impostos e com a famigerada e escandalosa indústria das multas. Até os policiais desonestos faturam caraminguás nas estradas, ameaçando e não multando, mas levando algum por conta da ‘generosidade‘. A mobilidade está cada vez mais comprometida.  

Alguns setores da sociedade brasileira já se tocaram para a mancada histórica e tentam trazer o trem de volta para o nosso cenário – mas não sabem como. A vertente subterrânea, o metrô, é cara demais. Na versão terrestre, para implantar malha ferroviária nas metrópoles se esbarra na falta de espaço. Ficaria impraticável derrubar prédios para rasgar nova trajetória na cidade. Ou seja, a jogada mal feita de Juscelino no começo da partida levou o país hoje a uma sinuca de bico. Parodiando, Carlos Drummond de Andrade: o trem acabou, o carro apagou, o povo esfriou e o impasse chegou. E agora José?

Os homens públicos no Brasil, com raras exceções, são estúpidos. Sem contar o número assustador de desonestos. Até os bem intenciosados, são imediatistas. Não se constroi futuro melhor com pessoas deste nível tomando decisões temerárias. O que aconteceu foi um pouco de cada um destes defeitos. O pior é que em vez de uma correção de rota, eles ensebam ou enrolam o fumo. Fumo que tem direção: a sociedade. Nos anos 80, o arquiteto curitibano Lolô Cornelsen, hoje com mais de 90 anos, sugeriu que Curitiba aproveitasse de forma inteligente a malha viária. Ele alegava que haveria grande contribuição para a mobilidade urbana. Não deram bola.

Hoje o resultado está nas ruas – congestionadas – e nos ônibus urbanos, cada vez mais lotados e incapazes de atender a demanda por transporte. São nessas coisas que eu penso quando ouço o apito do trem ou vejo as velhas composições da ALL sacolejando preguiçosamente dos bairros para o centro da cidade, e vice-versa, trens antigos, barulhentos, lentos, preguiçosos, resultado da falta de investimento em novas tecnologias e melhorias. Nada. Nada disso. Basta ligar qualquer canal de televisão para ver em outros países trens modernos enquanto os nossos parecem ter saído direto de um museu ferroviário. Todo trem que apita perto de Vila Oficinas, mais parece um moribundo pedindo socorro, mais parece o último trem da cidade. Isso é literalmente uma coisa de louco.

Errata: A coluna de ontem, embora com texto sobre uma casa de campo na cidade, trouxe, por engano, o título da coluna do dia anterior.