O papo muito louco do louco falando ao celular imaginário

Domingo de manhã, como faço com alguma frequência, fui à Feirinha do Largo. Passo na barraca do Edson e compro uma empanada argentina. No último domingo, a feira estava com frequência bem maior que nas semanas anteriores. Depois eu fui descendo lentamente a Rua Dr. Claudino dos Santos, entrei num sebo e comprei um livro de um romancista chinês que foi grande sucesso na primeira metade do século 20 e hoje é meio desconhecido.

O nome do cara é Lin Yutang e o nome do livro é “Momento em Pequim”, tradução de Monteiro Lobato. Eu me interessei pelo livro porque é um passeio pela história da China na primeira metade do século passado, até princípio da Segunda Guerra Mundial, o que significa que estamos falando da Revolução dos Boxers até a invasão japonesa. Depois eu fui para o ponto de ônibus esperar o Abranches. Havia apenas uma moça morena bonita no ponto.

Manhã tranquila e parecia que nada de mais aconteceria quando um sujeito com aparência andrajosa se aproximou. Não era preciso ser psiquiatra para saber que se tratava de alguém perturbado, destes que perambulam sem destino pelo centro da cidade. Ele andava meio sem rumo quando parou e disse: “Alô, pode falar. Estou ouvindo. Agora estou dando um passeio perto da Catedral. O que você quer?”. Eu olhei para ele e vi que ele olhava para o chão, como se prestasse atenção em alguém que conversava com ele.

Num primeiro momento achei que ele estivesse com um fone de ouvido e falava ao celular. Mas ele não tinha nada no ouvido e não segurava nenhum celular, mas falava como se estivesse. “Eu não sei se vou poder fazer isto pra você não, porque estou muito ocupado”. As frases iam surgindo como respostas ao interlocutor invisível: “Você pode falar com o meu sócio. Eu orientei ele. Fale com ele. Tudo que ele fizer, eu estou de acordo”. Após cada frase ele fazia uma expressão de profunda concentração.

O mais espantoso era que a conversa tinha sentido. Eu queria saber até onde iria. Mas não foi longe porque o louco encerrou o papo muito louco com censura ao interlocutor imaginário: “Olha, você já sabe o que eu penso. Vou pedir pra não ligar mais pra mim hoje porque é domingo e eu estou passeando pela cidade”. Ele se endireitou e voltou a andar meio vacilante e sem rumo outra vez. A moça morena ao meu lado ouviu aquilo e disse: “Era só o que faltava!”.