E se Adamastor papar o Janjão?

As pessoas têm problemas e cada problema tem natureza particular – alguns chegam a ser cômicos, embora não deixem de ser grande problema para quem está envolvido nele. Foi a conclusão a que cheguei depois de ouvir no Mercado Municipal a história de Gertrudes. Vamos começar pelo início: ela mora na serra, perto de Garuva, e está de mudança para o Boqueirão, para a casa de uma irmã mais nova. Aconteceu um incidente de ordem conjugal: ela está se separando de Adamastor, com quem foi casada por mais de vinte anos e com quem teve dois filhos, ambos casados.

Não vamos nos aprofundar na causa do divórcio. Eu diria que foi tédio de ambos os lados. Tanto que a separação foi a princípio consensual, pacífica, até nas questões patrimoniais, que costumam causar batalhas sem fim, para a euforia dos advogados. O casamento foi estável, amistoso, com amor e carinho, até chegar a indiferença. Gerda, irmã de Gertrudes, resolveu ajudar e ofereceu dois cômodos no fundo de casa. A irmã acabaria sendo companhia. Tudo resolvido. Tudo se encaminhando para um fim harmônico num processo de natureza caótica.

Gertrudes, no entanto, alertou: “Eu só moro com você se levar Janjão e Patilene”. Gerda franziu o cenho. Quem eram os dois? Seriam crianças adotivas? “Eu não sabia que você tinha adotado duas crianças”. Gertrudes disse que não eram crianças, que eram um casal de galináceos – galo e galinha, para ser mais exato, xodó da vida dela. Gerda ficou aliviada. Quanto aos galináceos, em qualquer eventualidade podiam ser transformados em componentes de uma canja no inverno. Mas o caso era grave. Gertrudes amava os bichos. “Lá na serra, aonde eu vou, eles vão atrás. Quando eu chego em casa, eles fazem festa. Eles são como filhos para mim”, disse.

O projeto de canja no inverno não ia contar com a adesão de Janjão e Patilene. Gerda pensou: “Fazer o quê?”. Que os dois galináceos aprendessem a conviver na cidade – no quintal, claro. Foi aí que Adamastor entrou na história. Quando soube que Gertrudes planejava levar os dois bichos para a cidade, ele bateu o pé e disse que ele dava divórcio, não brigava, mas ninguém tirava Janjão e Patilene da serra. E a crise se estabeleceu. O que caminhava na trilha do bom senso e do racionalismo, virou uma celeuma dos diabos. Adamastor proibiu Gertrudes de entrar na propriedade e ela contratou advogado em São José dos Pinhais para tratar da tutela de Janjão e Patilene. E foi para a casa da irmã antes do previsto.

Agora Gerda procura psicólogo para a irmã que está deprimida ou maluca, talvez as duas coisas. Adamastor é trabalhador, foi bom pai, foi bom marido, porém grosso e ignorante. Isto não chega a ser defeito – mas na hora da briga pode fazer diferença. Gertrudes está com medo de o juiz dar a guarda dos galinácios para ela e Adamastor se antecipar e comer primeiro a Patilene e depois papar o Janjão. Só de vingança. Ele gosta dos bichos, mas é capaz de coisas malvadas. Todas as noites Gertrudes chora meia bacia de lágrimas. Um típico problema conjugal. Gertrudes e Adamastor, cada um se apegou ao casal de galináceos e agora não sabem viver sem eles. Um não se importava com o outro e os dois bichos se tornaram abrigo de seus afetos e de suas carências. Janjão e Patilene correm risco de morte precoce.