E o fim do mundo deve ser muito pior

O tempo fechou a cara, encrespou e desabou um temporal na cidade, bem no meio da tarde. Foi rápido, certeiro e violento. Depois do destempero climático, tudo voltou ao normal. Quer dizer, sob uma perspectiva climática. Porque bastou a cara feia do clima para desarrumar a cidade, bagunçar a vida das pessoas e desnortear o comércio, que achou melhor fechar as portas e mandar os empregados para casa. Aí começou algo que parecia um toque de recolher. Todo mundo ao mesmo tempo querendo ir para casa, mas se esbarrando na lei da física: não havia espaço para escoar tanta gente, nem de carro e tampouco de ônibus.

As filas aumentavam nos pontos da Tiradentes, Carlos Gomes e Rui Barbosa. Todo mundo de guarda-chuva e sombrinha. Porque caía ainda uma chuva fina, o que é normal em Curitiba. Então a chuva fina não entra na conta do destempero climático. Semáforos não funcionavam, as árvores caídas atrapalhavam ainda mais o trânsito, sem contar que antes de cair elas nocautearam os fios da Copel, causando a suspensão do fornecimento de energia elétrica. O que, por sua vez, criava problemas adicionais e colaterais.

O motorista do ônibus Vila Suíça, na Mateus Leme, tentou ser cortês: ‘Minha gente, quem quiser chegar ao Müeller (a cinco quadras), vai chegar mais rápido se for a pé‘. Ele estava certo: o problema era que quando ele começou a falar a chuva tinha parado e quando ele terminou, a chuva voltou a cair. Entre ficar no ônibus – e ônibus tem esta vantagem, não tem goteiras – e ficar andando sob uma chuva fina que mais adiante pode engrossar, as pessoas agradeceram o conselho e ficaram onde estavam, olhando para fora, para ver um patético senhor de calção e tênis, com a enorme barriga tentando não atrapalhá-lo enquanto ele ao mesmo tempo procurava controlar o trânsito e cortar um pedaço de árvore caída da calçada para a rua.

Foi um verdadeiro show de engarrafamentos, um caos. No Shopping Estação tinha gente saindo pelo ladrão: as pessoas acharam que shopping é bom lugar para se esconder da chuva, o tempo passa rápido e elas observam as novas tendências da moda. Dentro do Vila Suíça eu começava a me irritar, porque uma viagem de dez minutos batia um recorde histórico de lentidão: cinquenta minutos. Mas se irritar não adianta. A não ser que eu seguisse o conselho do motorista, descesse e saísse correndo no meio da chuva. Seria muito ridículo, além de inútil.

Então eu pensei com meus botões: ‘Se você acha que não está bom, meu chapa, pense então como será o fim do mundo?‘. Na hora meu humor mudou. Vamos admitir o fim do mundo para fazer um paralelo. Um fim de mundo cinematográfico. Aquele negócio de ontem bagunçou a vida das pessoas. Mas o fim do mundo com certeza será um negócio muito pior, além de ter efeito colateral danoso: depois que o mundo acabar não vai ter mais nada. Nem o pobre barrigudo de calção branco molhado da Mateus Leme vai dar jeito na situação. Seja qual for o fim do mundo ele vai ser pior. O Vila Suíça estava lento, mas eu já estava quase feliz por aquela mixaria no lado de fora. Porque aquilo foi um transtorno, mas ainda não era o fim do mundo. Este, sim, não vai deixar saudade. Quando eu desci na Tiradentes, todos estavam apressados e irritados e eu estava tranqüilo. Foi apenas um temporal.