Como era gostoso o rango da minha mãe

Eu passava dia destes por uma rua do centro, rapidamente e distraído, não tanto que não percebesse uma mulher de silhueta insinuante à minha frente, quando, súbito, tive o meu braço agarrado por um estranho que me sussurrou alcoviteiro: “Já comeu???”. Eu levei um susto, porque como sabe o leitor matreiro, esta expressão suscita várias interpretações. A mulher se afastou insinuante e eu respondi: “Claro que não! Nem a conheço”. Ele bateu na barriga e disse: “Estou falando disto aqui”.

Por um minuto não entendi o que a barriga do cara tinha de tão atraente, mas então notei que ele trajava sobre a sua camisa xadrez, uma espécie de jaleco amarelo em que estava escrita a frase mágica: “Restaurante da Dona Georgina”. O nome é fictício, para não ser indiscreto com o verdadeiro estabelecimento comercial, cujo funcionário estava exercendo o seu honesto labor diário. Ele acrescentou sedutor: “Apenas cinco cruzeiros, meu camarada! Você sai satisfeito”. Eu já estava satisfeito, declinei da oferta e fui em frente.

Fui em frente, mas com um problema na cachola e sem uma dona de primeira ao meu lado. Eu fui pensando: existe uma profusão de restaurantes na cidade. Dos mais variados preços. E a maioria concorridos, caso contrário fecha. Com uma política agressiva, como o do sujeito que me interpelou no meio da rua no centro da cidade, num dia de semana. Alguns nos fins de semana têm filas demoradas. Até as praças de alimentação dos shoppings, alternativa para a classe média, não tem mais lugar aos domingos para dar conta de tanta clientela. Não está fácil matar um sanduba no Müller num domingo à tarde.   

Este processo se aprofundou nos últimos quinze anos, de maneira avassaladora. Ninguém mais come em casa. Chega a ser um milagre que as fábricas de fogão doméstico não tenham falido. Sem contar que se o sujeito está em casa tem delivery ao alcance do telefone para todo tipo de iguarias feitas no capricho, da esfirra aberta, passando pela pizza, até o China in Box e todos os tipos de sanduíche. Quem tem mais de cinqüenta é do tempo da comida da mamãe. Como era gostoso comer na casa da velha.

Se o sujeito era solteiro, porque era solteiro e não tinha outro lugar para comer: se era casado, porque aos sábados e domingos, rever a velha era belo pretexto para filar uma bóia de primeira. E a velha sabia e caprichava ainda mais. Ela dava de dez a zero nos chefes – eles que me desculpem. Até a norinha que preferia o fim de semana na casa da mãe dela acabava cooptada para um novo ambiente familiar que era saudável para todos – apesar das confusões e fuxicos que existem em família.

O reinado d as mães, baseado no poder da culinária doméstica, de receitas infalíveis, é coisa do passado. Existem aqui e ali as que resistem à avalanche avassaladora dos novos tempos. Mas as velhas mães sabem, os dias atuais são outros, de comidas rápidas a todos os preços, sem o charme da velha mãe por perto. E para quem teve – ou ainda tem – assento numa mesa materna, sabe que não há coisa melhor no mundo. E quem perdeu esta época áurea, resta apenas enxugar uma lágrima e murmurar: “Como era gostoso o rango da minha mãe”.