Como era boa aquela sessão de cinema

O ator italiano Giuliano Gemma morreu na noite de terça-feira aos 75 anos, em acidente de automóvel na Itália. A morte dele soou como mais um derradeiro capítulo de uma era: a das salas de cinema, que começaram a funcionar na cidade na primeira década do século 20, ainda sem saber se era teatro, casa de diversões ou novo tipo de circo no qual os animais não ameçavam ninguém, mas as moças bonitas eram intocáveis. Na segunda década, já se sabia que era cinema, dava lucro e as fitas eram anunciadas com destaque nos principais jornais da cidade. Dependendo da fita, formavam-se longas filas para ver o espetáculo. Quase sempre, vindo de Hollywood.

Sessenta anos depois o cinema começou a perder embalo com a televisão. Mas ainda nos anos 60, os italianos botaram mostarda no faroeste e produziram o western spaghetti. Estilo em que o mocinho apanha o filme inteiro, mas no final mata todo mundo. Uma trindade se destacou: Giuliano Gemma, Clint Eastwood e Franco Nero. Tudo começou quando o diretor Sérgio Leone fez em 1964 remake de Yojimbo, de Akira Kurosawa, que levou o nome de ‘Por um punhado de dólares‘. Deu certo e o mesmo Leone emplacou em 1965 ‘Por alguns dólares a mais‘ com o mesmo Eastwood.

Então em 1965 apareceu Montgomery Wood com ‘O Dolar Furado‘. Wood era Gemma, que usou nome verdadeiro em ‘Uma Pistola para Ringo‘. No ano seguinte Leone fez ‘Três homens em conflito‘ e Sérgio Corbucci o gótico ‘Django‘, com Franco Nero arrastando caixão de defunto. Os italianos nocautearam Hollywood e quem hoje tem mais de 60 anos sabe que aqueles foram os primeiros anos do fim do cinema como foi conhecido por décadas. Ao saber da morte de Giuliano, passei pelo centro da cidade e procurei identificar algumas salas de cinema, salas que frequentei desde 1970, até que um dia sumiram. Fiquei com saudade.

As gerações de hoje conhecem o período através de fotos. Mas posso garantir que os cinemas antigos eram uma coisa bacana. Eu me lembro de assistir um filme em 1971 no Cine Vitória, na Barão do Rio Branco: ‘O enigma de Andrômeda‘. Fiquei tão impressionado que não voltei mais àquele cinema. O contrário aconteceu com o Cine Condor, meu preferido, na esquina das ruas Cruz Machado com Ébano Pereira. Além de filmes bons, minha namorada gostava de ir lá. Ali perto eu pegava o ônibus para levá-la para casa, atrás do cemitério municipal, onde aprendi a técnica de namorar atrás do muro do cemitério. Não tinha coisa melhor. Era escurinho, os inquilinos do bairro eram tranquilos e não reclamavam. Eu era jovem e a cidade menor.

Se os grandes atores sobreviveram, os anos não foram generosos com as salas de cinema da cidade. Elas foram sumindo aos poucos. Não houve lamento, porque as novas gerações se acostumaram a outros tipos de entrenimento e mesmo formas de ver os filmes preferidos, incluindo cinemas de shoppings. Não sei qual o último filme que vi num cinema da cidade. Mas me recordo de uma fita no Cine Plaza em julho de 1986. ‘Inimigo meu‘. Com Dennis Quaid. O nome do alienígêna era Jeriba. Que era hermafrodita. Filmaço. Remake de ‘Inferno no Pacífico‘. Outro filmaço. Tudo sumiu. Que nem o Giuliano Gemma. E para piorar, hoje em dia nem dá mais para namorar atrás do cemitério. Uma lástima.