Palavras da Mãe do Piá: precisamos falar de perdas gestacionais e abortos

É doído, mas precisamos falar de perdas gestacionais e abortos. Foto: Arquivo Pessoal

Hoje, dia 15 de outubro, é o Dia da Internacional da Conscientização e Sensibilização pelas perdas gestacionais, neonatais e infantis. Num dia tão importante para quem quer/tenta ter um filho (e que até esses dias eu sequer sabia que existia) publico o relato da minha bela Beatriz, a mãe do Bernardo, a mãe do nosso piá.

Já falei um pouco sobre as duas perdas gestacionais que tivemos antes do Bernardo, mas ninguém melhor que a mãe para mandar a real sobre essa experiência triste, que pode ser até traumática para muita gente. Percebemos, no entanto, que falar sobre estas perdas ajuda muito a entender e enfrentar essa barra.

Com vocês, Beatriz de Oliveira Klisiewicz

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A ideia de criar o Pai de Piá foi para trazer discussões e assuntos que nem todo mundo fala por aí. Então precisamos falar mais sobre abortos. Sim, esse nome assustador mesmo. 

Sempre foi muito claro pra mim e pro Eduardo que ter um filho era, além de um sonho individual, um objetivo que compartilhávamos. A gente só não tinha a mínima ideia do que encontraria nesse caminho. Então, deixa eu te contar um pouquinho sobre ele. 

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Em Janeiro deste ano (2022) nós não estávamos evitando uma gravidez, mas também não estávamos esperando por ela, pelo menos pelos próximos meses. De repente eu comecei a suspeitar que eu poderia ter engravidado e… batata! Dizem que mãe sabe, né? Foi assim que descobrimos o nosso primeiro resultado POSITIVO, bem no comecinho do ano (e da gestação)! Que alegria… e que susto!! 

Buscamos por um obstetra para nos acompanhar e iniciamos o pré natal. Tínhamos acabado de chegar ao clubinho dos novos pais, mas mesmo assim, com o passar dos dias, dava pra perceber que “algo de errado não estava certo”. Ouvimos muitas vezes que o resultado do Beta (que é o hormônio que sinaliza a gestação) tinha que praticamente dobrar a cada 48 horas. Mas com a gente isso não estava acontecendo. Ele estava subindo devagarzinho, mas estava subindo e pra gente era o que importava. A alegria era tamanha, que a gente foi ignorando a informação – e também os pequenos sangramentos e dores durante as próximas semanas.

A primeira perda

No final de fevereiro/2022, mais especificamente no dia do aniversário do Eduardo (sinto muito por isso, amor), eu comecei a sentir muita dor. No outro dia, quando saiu o resultado de mais um Beta, nossa obstetra nos deu a notícia de que a gravidez não tinha evoluído. 

Eu acho que não saberia traduzir em palavras como me senti. Não chegamos a ouvir o coração do nosso bebezinho, mas fizemos tantos planos, estávamos tão felizes… foi como perder o nosso maior sonho. Eu, que nem sabia que poderia perder algo que eu nem conhecia, que eu nem tinha visto, perdi… e vou te contar que doeu muito mais do que todas as outras perdas que eu já havia tido.

Eu escolhi só ficar quietinha, procurar a médica e fazer todos os exames do mundo pra entender se tinha algo errado, além de uma fatalidade naquela perda. Depois de exames de imagem, laboratoriais, genéticos… não achamos nada e tivemos que aceitar que provavelmente ele era incompatível com a vida: palavras bonitas com as quais me apeguei na época.

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Não existem palavras que consolem uma mãe nesse momento, mas ouvimos que é muito comum e geralmente isso vem acompanhado de muitas histórias sobre perdas gestacionais. Algumas vezes até de pessoas que são próximas a nós, mas que nunca se sentiram confortáveis pra falar a respeito. 

Engraçado sabermos que as chances de perder um bebê é tão alta e que acontece tanto, mas quando infelizmente acontece com a gente, não sabemos como falar sobre isso e onde podemos encontrar colo e aconchego. 

Precisamos falar sobre isso

Várias vezes me peguei contando isso para as pessoas e consigo notar o olhar de estranheza que recebo, como se eu não pudesse falar sobre isso. Parece que tem alguma regra que eu não estou seguindo. É como se fosse um tabu tão grande, que não estou me comportando como deveria. Mas eu não acho que seja essa a melhor opção. Respeitando os limites de cada um, precisamos acolher essas mães e famílias. E falar sobre isso! 

Quando perdemos um bebê, todo o processo é muito doloroso, envolve muito sangramento e dor. E essa dor é uma dor bandida. Não é aquela dor que antecede a chegada do nosso neném. É uma dor maldosa, que está levando embora alguém que já amamos tanto. 

Isso sem falar na curetagem, sobre a qual não posso falar a respeito, porque não precisei fazer, mas que deve ser tão doloroso ou até mais. Eu passei uma semana com sangramento e dor enquanto meu corpo expelia o embrião. Outras palavras difíceis que eu tive que ouvir tantas vezes. 

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As pessoas não conseguem entender que o “expelir o embrião” é o mesmo que abortar, perder o meu filho, o filho do Eduardo, o sonho das nossas vidas, o tão esperado neto do vovô e da vovó, o sobrinho amado dos nossos irmãos. Meus amigos, quando me perguntam sobre o bebê, sempre falam “como está nosso bebezinho?”. Sim, os nossos amigos tem esse sentimento de que é deles também – e eu acho isso uma graça! Logo, quando os médicos dizem que meu corpo deve “expelir o embrião”, estão falando do bebê que nossos amigos também amam e esperam, o embrião que já tinha nome: Laís. A nossa Laís

Segundo tombo

No nosso caso, nos apegamos ao fato de que poderíamos tentar de novo logo logo, e como um milagre, 15 dias depois que perdemos nosso bebê, eu engravidei novamente (sim, minha próxima menstruação já atrasou e era outro bebêzinho). Que curioso, né?! Eu nem sabia que isso era possível. Achei que demoraria meses. 

Dessa vez não estávamos nada confiantes, afinal como poderíamos estar?! Os dias foram passando e dessa vez não contamos pra ninguém, que se revelou uma ótima decisão, afinal poucas semanas depois – precisamente no dia da nossa festa de casamento (nitidamente nossos bebês não gostavam de datas comemorativas) – eu passei mal e novamente nosso bebê se foi. 

Paciência e resiliência

Olhando pra trás, agora, eu acho que a primeira perda estava doendo tanto que eu nem senti a segunda pancada. Era começo de Abril/2022 e eu tinha engravidado e “desengravidado” duas vezes. Decidi que: “Não, chega!”. Eu queria tanto esse bebê, mas não queria correr o risco de passar por toda a dor física e emocional que um aborto traz.

Mas como somos um casal de pessoas teimosas, nosso filho não poderia ser muito diferente, já que o “fruto não cai muito longe do pé”, não é mesmo?! Inacreditavelmente quinze dias depois, engravidamos novamente. Dessa vez foi tudo diferente. O piazinho é teimoso e quer mesmo fazer parte da nossa família. Como um pequeno milagre, ele é perfeito e tudo está correndo bem desde os primeiros momentos. 

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Nós sentamos em cima de todos os nossos medos, todas as nossas dores, e passamos a enxergar essa nova vida sem ficar pensando nas vidas que perdemos anteriormente. Acho que essa foi a nossa primeira lição como pais: lidar com as nossas dores sem deixar que elas afetem nossa cria. 

E foi assim que engravidamos, “desengravidamos”, engravidamos novamente, “desengravidamos” mais uma vez e estamos aqui hoje com uma pancinha enorme e linda, que chuta e tem um bebê perfeito dentro.

É nosso final feliz, cheio de pequenos desvios e nem sempre tão agradável assim. Sinto medo todos os dias, e todas as pequenas dores e sintomas novos me assustam um pouco. Nossa obstetra um dia ainda vai me bloquear no WhatsApp. Sempre fico ansiosa antes dos exames, mas quero fazer o melhor em tudo para garantir que esse bebê venha pra casa com a gente daqui alguns meses.

Na prática eu posso me esforçar pra ser o mais saudável possível e seguir as recomendações da nossa médica. Mas é só. A parte mais difícil é deixar que a natureza cuide de algo tão importante e por um período de tempo que parece não acabar, quando se tem medo. Mas escolhi acreditar que nosso bebê é perfeito, que cada célula do corpo dele, cada tecido que forma os pequenos órgãos dele… é perfeita! Nosso filho é perfeito. 

E o que fazer com todo esse medo? Substitui por fé e não exatamente em Deus, se você não acredita. Mas fé na vida. Tenho fé de que o que acontece é sempre pro melhor. Da mesma forma que a natureza perfeita levou nossos bebêzinhos, tenho fé de que a mesma natureza perfeita nos trará com muito amor o nosso filho lindo e saudável.

Eu sou Beatriz de Oliveira Klisiewicz, esposa do Eduardo e mãe do Bernardo.

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