O triste olhar de um povo cego

Eduardo Valente do Couto

Recentemente, no Fórum Social em Porto Alegre publicaram palavras de Saramago (Nobel de Literatura), que a democracia atual permite apenas ao povo tentar mudar um governo que está ruim por um que pode ser melhor, e que o pobre não sabe o que é utopia. É verdade, nossos representantes parlamentares nas negociações de projetos importantes para nossa nação são obrigados a atrelar seus votos às decisões dos líderes de suas bancadas e os votos negociados não são novidade. É utopia imaginar o nobre princípio do interesse nacional a nortear votos de nossos representantes.

Se alguém pensa que ao filiar-se a algum partido poderá livremente sair candidato a alguma coisa, também se engana, pois a decisão sobre quem serão os candidatos a representar determinado partido será da comissão executiva do partido, obedecidas as demais normas de filiação em um estatuto.

No filme de Jaime Monjardim, o protegido Luiz Carlos Prestes, apaixonado por sua guarda-costas e mulher, a brilhante Olga, queria a todo o custo contestar a ação dos governantes da época, sem desabonar também o então regime e sistema de governo brasileiro. Não o vi dar pessoalmente sequer um soco, e sua tentativa de dizer que ele, Prestes, faria coisa melhor, conseguiu muitos adeptos, mas ele foi derrotado e abafado.

Collor de Mello, jovem liderança, infelizmente apunhalado pelo deslize de sua Zélia, e o inconformismo dos velhos caciques ao verem um jovem brilhante e pujante despontar, derrubaram-no, ele também disse poder fazer melhor. Jânio Quadros ou Tancredo, forças ocultas, obscuras, ou não tão claras forçaram ambos em situações distintas a não realizarem os seus discursos de promessas de melhoras. Ainda bem que o Lula não está fazendo o que prometeu, senão não deixariam ele nem comprar o avião, pois por um Jardim da Dinda fizeram um escândalo com o jovem e revolucionário Collor a desafiar os velhos caciques enferrujados.

Por favor, não me falem que só o sistema político deixa a desejar. Há até os que sintam nostalgia e boas lembranças da época do progresso econômico, que a ditadura militar proporcionava ao povo. Dizem, até, que se calcular o salário mínimo da época, hoje equivaleria a R$ 800,00, seria um bom salário mínimo.

Bom, aí já passamos a falar no sistema econômico e então falaremos da pasta da economia. Por favor, macroeconomia não! Dizer que estamos com superávit na balança comercial, que surpreendentemente a arrecadação federal superou as metas, as reservas cambiais estão positivas e a inflação está controlada é história para um falso desempenho nacional, metas macros. Vale dizer que os números da microeconomia é que realmente deveriam estar em alta consideração, os valores do salário mínimo, do salário-família, do bolsa-escola, do bolsa-alimentação são miseráveis, medíocres e indignos para uma campanha que ecoa "Brasileiro é nunca desistir".

Hoje pode se falar o que quiser, a ditadura foi embora, e o cidadão consciente pode botar a boca no trombone, a tal liberdade de expressão, a tal democracia que permite ao povo espernear à vontade, que não vai apanhar por desrespeitar quem lhe paga um bom salário, hoje não mais. Até podemos sentir que além de escancarar as verdades, CPIs pelo Brasil inteiro mostram a cara dos nossos representantes e suas infrações, seus desvios, suas desobediências, inclusive quanto à responsabilidade fiscal, mas na maioria dos casos pizza é a solução, um ou outro é punido para servir de bode expiatório.

Insisto que a democracia é falha e está amputada, e o povo pode espernear ou até trocar de governo pelo voto, mas é só isso. Pessoalmente preferiria não ter conhecido o sistema de seguridade social do Canadá, nem tampouco conhecido a maneira de dividir a prosperidade entre os americanos, nem mesmo ter conhecido a precisão, o rigor e a fleuma dos grandes planejadores da Inglaterra. Preferiria ter ido à África, pois assim diria o Brasil está indo muito bem.

Sem dúvida, há muito o que melhorar. Os sistemas tributários, econômicos, de seguridade social, distribuição de renda, educação têm primeiramente de ser revisados e realmente analisados por técnicos, pelo ITA, por consultores de gestão, talvez se ouvíssemos mais o Aécio Neves, diríamos que a administração dos sistemas e dos relacionamentos podem chegar sim à mão dos políticos, mas só depois de uma boa trabalhada pelos técnicos e mestres da gestão corporativa pública e privada.

Não sou só brasileiro, sou transgênico. Nem ufanista, nem xenófobo, tampouco ultranacionalista. Sou um técnico, sou um pobre brasileiro quase a desistir.

Eduardo Valente do Couto é advogado e consultor de projetos, formado pela Universidade Mackenzie (SP).
E-mail: eduvalente@itelefonica.com.br