As desculpas da tortura

Ariel Dorfman

Há algo que justifique a tortura? Esta é questão suja e secreta que ninguém se atreveu a colocar em meio à repulsa e à vergonha com que tantos líderes reagiram às fotos de soldados britânicos e norte-americanos humilhando prisioneiros indefesos no Iraque.

A mesma pergunta foi formulada de maneira inesquecível e temerária há mais de 130 anos por Fiodor Dostoiévski em Os Irmãos Karamazov. Nessa obra, o seminarista Aliocha Karamazov se vê tentado por seu irmão Ivan e confrontado com um dilema intolerável. Suponhamos, diz Ivan, que para fazer os homens eternamente felizes fosse inevitável e essencial torturar durante uma infinidade de tempo uma pequena criatura, um menino que fosse, apenas um único. Você o consentiria? (…)

A pergunta de Ivan Karamazov – você o consentiria? – é tão monstruosamente relevante ontem como hoje, num mundo onde se pratica habitualmente esse tipo de humilhação e violação em 132 países, porque nos introduz no terrível coração escondido da tortura. Obriga-nos a verificar o dilema real e inexorável que endossa a persistência da tortura entre nós, particularmente após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001. As palavras de Ivan Karamazov nos recordam que aqueles que empregam a tortura não têm dificuldade de justificá-la; este é o preço, o que implica que uns poucos coitados devam pagar para garantir a felicidade do resto da sociedade, a enorme maioria que recebe a paz e a segurança às custas do que ocorre em algum sótão escuro, algum túnel remoto, alguma abominável delegacia de polícia.

Não sejamos ingênuos: todo regime que tortura ou que permite que seus aliados torturem o faz em nome da salvação, de algum objetivo superior, da promessa de um paraíso vindouro. Chame-se comunismo, chame-se livre mercado, chame-se mundo livre, chame-se fascismo, chame-se líder venerável, chame-se serviço prestado a Deus, chame-se necessidade de obter informações, chame-se o que quiser, o custo do paraíso, a oferta de alguma variante deste paraíso. O que Ivan Karamazov continua nos sussurrando será sempre simultaneamente o inferno para alguma pessoa próxima em algum lugar vizinho. (…)

Não sei se seríamos capazes de aceitar conscientemente que nossos sonhos de bem-aventurança se realizem às custas da eterna perdição de um menino inocente, ou se responderíamos serenamente com Aliocha: "Não, não consinto". No entanto, ainda existe uma questão mais persistente, quem sabe mais obscura, que Ivan não chega a expressar: o que acontece se aquela pessoa que está sendo torturada para que sejamos felizes for culpada? O que aconteceria se pudéssemos construir um futuro de harmonia e de amor sobre a dor perpétua de alguém pessoalmente responsável por um genocídio, culpado por humilhar os meninos de que falava Dostoiévski? O que aconteceria se fôssemos convidados a usufruir mais uma vez do Éden, enquanto um ser humano desprezível estivesse sofrendo incansavelmente os horrores que tenha causado a tantos outros? (…) Responderíamos que não? Responderíamos que a tortura, seja qual for a ameaça e seja qual for o nosso medo, é sempre definitiva e absolutamente inaceitável?

Esta é a verdadeira questão para a humanidade responder, ao se confrontar com as fotos daqueles corpos sofredores nas celas do Iraque, uma agonia que – não devemos nos esquecer – está se repetindo hoje e voltará a se repetir amanhã em tantas outras prisões do nosso triste e anônimo planeta.

(De: La tentación de Iván Karamazov, El País).