O segredo da professora Elisa

A professora Elisa é um mistério. Vive fechada em copas e não partilha nada da sua vida com ninguém. O estranho de tudo isso é que não se trata de uma personagem soturna, que fica se esgueirando nas sombras, nada disso. É uma pessoa que aparenta ser alegre e de bem com a vida, com a diferença que não fala da vida pessoal.

Elisa é uma senhora de meia idade, que se veste como as senhoras de meia idade. Quando digo isso estou me referindo às mais recatadas, porque às vezes a gente vê umas vovós ousadas por aí que são de assustar. Deixam as mocinhas funkeiras no chinelo.

Mas a professora Elisa não se encaixa nesta categoria. É daquelas que passa invisível numa multidão. Tem dias que coloca calça cargo bege, com tênis branco e camiseta branca e está pronta a camuflagem eficiente para driblar qualquer radar.

Soube da professora Elisa por intermédio das minhas amigas, que são suas colegas de profissão e trabalham com ela. Silvana, a mais falante entregou o jogo em um dia que voltavam de carona comigo de um seminário na PUC, junto com Lucimara e a Denise. Elas conversavam sem parar no carro, quando Silvana falou: “É num destes espigões que a professora Elisa mora”, disse, quando passávamos pela Visconde Guarapuava. Como se fosse combinado, Lucimara e Denise perguntaram ao mesmo tempo: “Qual?”

Todos riram, e a Silvana respondeu mais do que depressa: “Não faça pergunta difícil”. Não resisti e tive que perguntar de quem se tratava. Começaram a contar um a um os mistérios da professora. O primeiro deles me deixou um pouco cabreiro. Era sabido que Elisa morava com a mãe, uma senhora já de idade avançada, mas como nunca comentava, teve um tempo que ninguém sabia se a mãe estava viva ou morta.

Eu sou um pouco reservado até para pessoas mais próximas, mas achei esse caso da professora Elisa um exagero para não dizer tétrico. A associação com o clássico Psicose, de Alfred Hitchcock foi automática. Mas felizmente, no caso da mãe de Elisa não havia nada de errado. Ela estava viva e gozava de boa saúde. E Elisa não tinha o perfil doentio do personagem de Antony Perkins. Longe disso! Era alegre e divertida, principalmente quando dava suas gargalhadas estridentes. O problema era a aura de mistério que pairava ao redor dela, o comportamento de ostra.

Alguns colegas cogitavam até em segui-la para tentar desvendar algumas questões básicas, não diferentes daquelas que são a linha mestra de um famoso documentário da televisão brasileira: Quem é? Onde vive? O que faz? Como se reproduz? Mas os abelhudos sempre desistiam. Medo de levar um processo por invasão de privacidade.

E assim o mistério continuava. Segundo as minhas colegas professoras, o RH da escola não tinha o endereço da professora Elisa. Além disso, era sabido que Elisa lecionava em outra escola, isso porque um dia ela mesma deu com a língua nos dentes, certamente um deslize. Mas ninguém sabia que escola era essa. Havia a certeza de que era escola pública, porque Elisa sempre se referia ao “colégio estadual” (não aquele do Passeio Público), quando queria contar histórias a respeito do local. Se alguém tentava entrar no mundo de Elisa, especulando uma coisa ou outra ela desconversava, dava uma desculpa educada e permanecia no seu casulo inexpugnável. Não faltavam especulações sobre o que a teria feito se trancar em seu mundo e jogar a chave fora. Uns achavam que era trauma, algum amor não correspondido. Quando as pessoas não conseguem descobrir algo que as intriga a mente trata de inventar uma besteira qualquer só para preencher a lacuna.

Sabe-se lá as razões que levaram Elisa a se encolher tanto assim. Fiquei imaginando que poderia ser uma forma de proteção de quem tem que se virar sozinho sem contar com a ajuda de ninguém, afinal não constava que tivesse parentes vivos, exceto a mãe que já estava velhinha. Ser discreta pode ter sido uma arma que Elisa encontrou para viver. Pelo jeito, ela e a mãe descobriram a fórmula para atravessar as vicissitudes da vida. Mas iss,o elas não revelam de jeito nenhum porque é segredo.

 

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