Justiça Gratuita e Pessoa Jurídica

 

O benefício da justiça gratuita insculpido no art. 5º XXXV, da Constituição da República constitui instrumento garantidor do princípio do pleno acesso à justiça além de enaltecer o princípio da igualdade, buscando tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais.

Tal benesse não fica restrita às pessoas naturais, podendo ser concedida, também, às pessoas jurídicas, porém, desde que observadas certas peculiaridades:

PROPOSIÇÃO: Admissível a concessão dos benefícios da assistência judiciária gratuita às pessoas jurídicas, que, contudo, devem comprovar documentalmente a impossibilidade de arcar com as despesas processuais.

JUSTIFICATIVA: Autorizando o art. 5º, inc. LXXIV, da Constituição da República bem como a Lei n.º 1.060/50 a concessão do benefício da justiça gratuita às pessoas naturais, nada impede, também, que o seja para as pessoas jurídicas. Contudo, estas devem demonstrar claramente a impossibilidade financeira de arcar com os valores processuais, uma vez que a presunção de impossibilidade (possibilidade) de arcar com tais dispêndios é invertida entre Pessoa Física e Pessoa Jurídica.

(TJPR – Ap. Cív. 707.048-2; 664.013-3; 616.960-0; 689.609-5; 682.377-0; 671257-6. STJ: AgRg. no Ag. 1.144.057/RS; EREsp 603.137/MG. STF – AI 652.954 AgR/SP; RExt. 589.490-8/MG)

 

DECISÃO EM DESTAQUE

 

O tema foi tratado no seguinte acórdão da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, publicado em 17 de maio de 2011:

DÉCIMA SEXTA CÂMARA CÍVEL

Apelação Cível n.º 707048-2 – 9ª Vara Cível da Comarca de Londrina

Apelante: M. E. A. I.

Apelado: B. B.

Relator: DES. SHIROSHI YENDO

Revisor: DES. RENATO NAVES BARCELLOS

APELAÇÃO CÍVEL. IMPUGNAÇÃO A ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA EM EMBARGOS A EXECUÇÃO. CONCESSÃO DE ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA A PESSOA JURÍDICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA.

Encontra-se pacificado nos Tribunais que a pessoa jurídica, mesmo com fins lucrativos, pode gozar das benesses da assistência judiciária, porém, desde que comprove por meio de prova robusta a sua impossibilidade de arcar com as despesas processuais sem comprometer a sua manutenção, o que não restou demonstrado no presente caso.

APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

Vistos e examinados estes autos de Apelação Cível n. 707048-2 – 9ª Vara Cível da Comarca de Londrina, em que é apelante MAP – EQUIPAMENTOS AGROPECUÁRIOS E INDUSTRIAIS LTDA e apelado BANCO BRADESCO S/A.

ACORDAM os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento à apelação cível, nos termos do voto do Sr. Relator.

RELATÓRIO

B. B. apresentou Impugnação a Assistência Judiciária requerida por M. E. A. I. nos autos de Embargos a Execução em apenso, afirmando que não há a necessária prova da “impossibilidade de arcar com os encargos processuais sem comprometer a existência da entidade” (fls. 03).

A impugnada apresentou defesa às fls. 10/13.

Às fls. 28/29, o Magistrado a quo julgou acolheu a impugnação, para o fim de indeferir “a benesse pleiteada pelo impugnado nos autos principais” (fls. 29).

Irresignada com os termos da sentença, M. E. A. I. apresentou apelação cível (fls. 31/37), na qual sustenta que a decisão merece ser reformada, pois é empresa de pequeno porte que passa por sérias dificuldades financeiras.

Sem preparo.

Contrarrazões às fls. 40/42.

É, em síntese, o relatório.

VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO

O recurso deve ser conhecido, pois presentes os requisitos extrinsecos de exigibilidade, como a tempestividade e a adequação.

Quanto ao mérito, porém, não comporta acolhimento o recurso, conquanto as razões da decisão recorrida mantém-se hígidas e não abaladas pelas razões do recurso:

Com efeito, a questão se restringe a verificação da possibilidade da pessoa jurídica com fins lucrativos usufruir dos benefícios da justiça gratuita.

Há muito se encontra pacificado nos Tribunais que a pessoa jurídica, mesmo com fins lucrativos, pode gozar das benesses da assistência judiciária, porém, desde que comprove, por meio de prova robusta, a sua impossibilidade de arcar com as despesas processuais sem comprometer a sua manutenção.

Nesse sentido é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

“RECURSO ESPECIAL – PESSOA JURÍDICA COM FINS LUCRATIVOS – JUSTIÇA GRATUITA – CONCESSÃO – IMPOSSIBILIDADE DE ARCAR COM OS ENCARGOS PROCESSUAIS SEM COMPROMETER A EXISTÊNCIA DA PRÓPRIA SOCIEDADE – COMPROVAÇÃO RECONHECIDA PELA CORTE A QUO – ENTENDER DE MANEIRA DIVERSA IMPLICA REEXAME DE PROVA – MATÉRIA PACIFICADA – SÚMULA 83 DESTA CORTE. 1 – Para a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas com fins lucrativos é imprescindível a comprovação minuciosa e exaustiva da impossibilidade de arcar com os encargos processuais, sem comprometer a existência da própria sociedade. Estando o v. acórdão recorrido no mesmo sentido de entendimento pacificado nesta Corte, aplica-se a Súmula 83 deste Tribunal Superior. 2 – Precedentes (REsp nº 431.239/MG, EDcl no REsp nº 205.835/SP, EREsp nºs 321.997/MG e 388.045/RS). 3 – Se o Colegiado a quo, analisando as provas contidas nos autos, concede aludido benefício, não há como entender de maneira diversa, sob pena do reexame do material fático-probatório apresentado, o que encontra óbice na Súmula 07 desta Corte. 4 – Precedente (REsp nº 556.081/SP). 5 – Recurso não conhecido.” (STJ, REsp 715.048/RS, Rel. Min. Jorge Scartezzini, Quarta Turma, julgado em 26.04.2005, DJ: 16.05.2005, p. 365).

Tais decisões refletem o entendimento pacificado pela Corte Especial do referido Tribunal Superior:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL.JUSTIÇA GRATUITA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. PESSOAJURÍDICA. ALEGAÇÃO DE SITUAÇÃO ECONÔMICAFINANCEIRAPRECÁRIA. NECESSIDADE DE COMPROVAÇÃOMEDIANTE APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS. INVERSÃO DO ONUS PROBANDI. I- A teor da reiterada jurisprudência deste Tribunal, a pessoa jurídica também pode gozar das benesses alusivas à assistência judiciária gratuita, Lei 1.060/50. Todavia, a concessão deste benefício impõe distinções entre as pessoas física e jurídica, quais sejam: a) para a pessoa física, basta o requerimento formulado junto à exordial, ocasião em que a negativa do benefício fica condicionada à comprovação da assertiva não corresponder à verdade, mediante provocação do réu. Nesta hipótese, o ônus é da parte contrária provar que a pessoa física não se encontra em estado de miserabilidade jurídica. Pode, também, o juiz, na qualidade de Presidente do processo, requerer maiores esclarecimentos ou até provas, antes da concessão, na hipótese de encontrar-se em ‘estado de perplexidade’;

b) já a pessoa jurídica, requer uma bipartição, ou seja, se a mesma não objetivar o lucro (entidades filantrópicas, de assistência social, etc.), o procedimento se equipara ao da pessoa física, conforme anteriormente salientado. II- Com relação às pessoas jurídicas com fins lucrativos, a sistemática é diversa, pois o onus probandi é da autora. Em suma, admite-se a concessão da justiça gratuita às pessoas jurídicas, com fins lucrativos, desde que as mesmas comprovem, de modo satisfatório, a impossibilidade de arcarem com os encargos processuais, sem comprometer a existência da entidade. III- A comprovação da miserabilidade jurídica pode ser feita por documentos públicos ou particulares, desde que os mesmos retratem a precária saúde financeira da entidade, de maneira contextualizada. Exemplificativamente: a) declaração de imposto de renda; b) livros contábeis registrados na junta comercial; c) balanços aprovados pela Assembléia, ou subscritos pelos Diretores, etc. IV- No caso em particular, o recurso não merece acolhimento, pois o embargante requereu a concessão da justiça gratuita ancorada em meras ilações, sem apresentar qualquer prova de que encontra-se impossibilitado de arcar com os ônus processuais. V- Embargos de divergência rejeitados.” (EREsp 388.045/RS, Rel. Min. Gilson Dipp, Corte Especial, julgado em 01.08.2003, DJ: 22.09.2003, p. 252 – grifo nosso)

Dos autos, constata-se que a apelante deduziu, nos embargos executivos em apenso, pretensão no sentido de que fosse concedida assistência judiciária gratuita, posto que passa por dificuldades financeiras, tendo, inclusive, sido despejados do imóvel locado, pelo que não tem condições de arcar com as despesas processuais.

Contudo, sequer juntou documentação apta a comprovar a higidez de suas alegações. Ademais, a prova de tal impossibilidade pode ser feita através de “a) declaração de imposto de renda; b) livros contábeis registrados na junta comercial; c) balanços aprovados pela Assembléia, ou subscritos pelos Diretores, etc.”, como decidiu a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça.

Porém, a apelante limitou-se a postular a assistência judiciária sem nenhuma prova produziu no sentido de demonstrar a impossibilidade de pagar as despesas processuais, sendo correta, pois, a decisão recorrida, ao indeferir referido benefício.

Ainda, o fato de a pessoa jurídica ter sido despejada por falta de pagamento dos alugueres, por si só não é suficiente a ensejar a o benefício de assistência judiciária, concedido às pessoas jurídicas só excepcionalmente.

Confira-se, também: TJPR, 15ª CC, Despacho em AI nº 566224-2, Rel. Luiz Carlos Gabardo, j. 12/03/2009, DJ 17/03/2009 de nº 99.

Isto posto, conclui-se que é indispensável a demonstração documental da situação alegada ou de outras condições que caracterizem a impossibilidade de arcar com os encargos processuais.

Diante disso, ante orientação doutrinária e jurisprudencial reproduzida, respeitada a manifestação da recorrente, não há como acolher a pretensão apresentada nestes autos.

CONCLUSÃO

Em face do exposto, propõe-se que seja conhecido o recurso e, no seu mérito, não seja provido, mantendo-se a decisão recorrida, consoante a fundamentação anteriormente apresentada.

DECISÃO

Posto isso, acordam os Desembargadores integrantes da Décima Sexta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, por unanimidade de votos, em conhecer e negar provimento ao recurso de apelação.

Participaram do julgamento os Desembargadores PAULO CEZAR BELLIO (Presidente sem voto), RENATO NAVES BARCELLOS (Revisor) e JOATAN MARCOS DE CARVALHO.

Curitiba, 20 de abril de 2011.

SHIROSHI YENDO

Relator

 

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