O foco da publicidade e a proteção dos consumidores vulneráveis ou hipossuficientes

A regra é constatarmos que os consumidores são realmente vulneráveis no mercado de consumo. Entretanto, alguns em especial, possuem um grau de vulnerabilidade que é notoriamente agravada, condição a que chamamos hipossuficiência. Isto pode ocorrer, dentre outros fatores, por conta da idade da pessoa. Ser muito jovem (criança ou adolescente) ou ser idoso pode ser uma característica capaz de colocar o consumidor em inferioridade frente ao fornecedor, em verdade, diante das técnicas de marketing que os fornecedores costumam utilizar para vender no mercado de consumo. Entre os mais jovens, a falta de experiência e ingenuidade característica de uma personalidade ainda em formação e entre os mais velhos, a desatualização quanto às novas tecnologias e práticas de mercado, a dificuldade de lidar com a linguagem atual, além das limitações físicas e até a própria senilidade quando ela ocorre. Esta conjuntura demanda proteções especiais para cada tipo de consumidor, e várias delas se entrelaçam em relação à regulamentação da publicidade, modalidade de oferta destinada a despertar interesse do consumidor e impeli-lo ao consumo de determinado produto ou serviço.

Inicialmente, é importante observar que o respeito à criatividade e o princípio da livre iniciativa, acrescidos da tão alegada liberdade de manifestação protegida pela Constituição Federal, não significam um salvo-conduto para os fornecedores poderem veicular qualquer espécie de mensagem publicitária, independente de seu teor. Importante notar que a utilização de mensagens criadas por psicólogas para se instalarem no subconsciente das pessoas, induzindo-as a consumir compulsivamente determinado produto ou serviço, embora sendo reconhecidamente uma técnica imoral e deplorável (por isso ilegal) ainda continua a ser praticada com muita freqüência. Inclusive, a falta de ética na publicidade é abordada por norma de auto-regulamentação editada pelo Conar. Neste caso, embora se possa louvar que os agentes econômicos por si mesmos tentem desestimular esse tipo de procedimento, na verdade é preciso reconhecer as evidentes limitações da auto-regulamentação quanto a proteção do consumidor. Sua força é muito restrita. Deste modo, cabe efetivamente à Lei 8.078/90 (CDC) a tarefa maior de bem reger esta área. E nesse sentido, é fundamental considerar que o teor do artigo 37 contém termos gerais que devem servir como paradigmas nos quais se necessita enquadrar as condutas práticas que ocorrem no mercado. O referido dispositivo legal, combinado com os artigos 36 e 38 do mesmo código, mesmo tratando da publicidade apenas em termos gerais, permite que se consiga identificar as condutas desvirtuadas e assim possibilita a coibição das más práticas comuns nessa área. Importante atentar, então, para o fato de que na análise da enganosidade e/ou da abusividade da mensagem publicitária, devem ser levadas em conta às sutilizas do mercado (condições do fornecedor, características do consumidor e do produto ou serviço, linguagem e forma de veiculação, etc.).

As características das pessoas de determinadas faixas etárias (muito jovem ou idoso) podem ser suficientes para transmutar uma publicidade aparentemente inofensiva para alguns consumidores não dotados de hipossuficiência, em uma veiculação que ilude/engana ou é abusiva e por isso causa dano e lesa àqueles que busca alcançar para induzir ao consumo.

O mercado está permeado de dezenas de exemplos de publicidades que infringem direitos básicos dos consumidores. É o caso daquela publicidade de cerveja, que explorando a imaturidade dos adolescentes veiculava insistentemente a marcante expressão ?experimenta?, maliciosa forma de provocar um hábito (de beber) que pode se tornar um vício. Também o de publicidades que induzem maus comportamentos como as são destinadas para crianças e se utilizam das expressões ?compre? ou ?peça para seus pais?, quando não, até propugnando que a criança minta ou engane seus responsáveis legais (ao estilo da que aconselhava ?faça qualquer coisa para obrigar seu pai a lhe dar o produto tal). É voz corrente na Europa, que sequer se deve permitir que se ligue o produto a animais de estimação ou que sejam mostradas crianças (pior ainda quando são mostradas utilizando produtos completamente impertinentes para sua faixa etária). E isto se justifica pelo fato de que nestes casos a publicidade concentra-se em evocar apenas sentimentos e lembranças boas das pessoas e não, como deveria, as qualidades de seu produto. Irregularidades também são comuns em relação às publicidades destinadas para idosos, sempre que veiculam mensagens que se valem de informações incompletas e/ou maliciosas que este tipo consumidor tem dificuldade de detectar e entender. Por exemplo: quando propõem empréstimos para aposentados como se tal fosse um novo direito que só aquele fornecedor estaria lhe concedendo por conta do consumidor ser ?especial? (quando empréstimos para aposentados sempre existiram mesmo que com outras regras e as publicidades são sempre gerais e não veiculadas para uma única pessoa ?especial?).

Portanto, neste final de ano quando se aproximam datas em que a publicidade costuma ser mais ativa para induzir ao consumo é importante que os fornecedores se informem sobre as regras específicas que foram editadas para proteger este tipo específico de consumidores. E estes que façam sua parte ao denunciar (principalmente ao Procon) os eventuais abusos, tudo sem esquecer-se que os demais concorrentes do fornecedor faltoso podem também fazer valer o que prevê o Código de Proteção e Defesa do Consumidor, para que a publicidade respeite a lei, seja ética e assim possa cumprir sua função social.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON