Fogos de artifício: a proteção do consumidor e os produtos perigosos

É enorme o número de brasileiros que têm o costume de usar e abusar da utilização de fogos de artifício. Não precisa haver motivo importante para surgir um foguetório. Esse panorama fica mais evidente em época de Copa do Mundo de futebol (ou em dias de jogos importantes) e, principalmente, nos meses de junho e julho que são marcados por festas em homenagem a santos como São João e Santo Antônio, momentos em que a venda de fogos de artifício aumenta substancialmente. Acrescente-se, inclusive, situações em que esses produtos são associados a atividades ilícitas, como por exemplo, quando traficantes soltam fogos de artifício como forma de se comunicar em atividades delituosas ou quando pessoas colocam fogos de artifício em balões, associando esse produto a uma atividade (soltar balões) que é caracterizada como crime contra o meio-ambiente.

Nesse contexto, consoante o que estabelecem as normas de proteção ao consumidor, é de se questionar se deve ou não ser permitida a fabricação, venda e utilização de fogos de artifício?

A resposta principia pela análise da periculosidade do produto em questão e alcança o questionamento sobre sua utilidade social.

No que tange a periculosidade, ao examinar a legislação, vemos que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei n.º 8078/90) afirma em diversas oportunidades que os produtos ou serviços não devem oferecer riscos à saúde ou segurança dos consumidores (exemplo: art. 8.º). Entretanto, constata-se na realidade dos fatos que todos os produtos e serviços são de alguma forma perigosos (efetiva ou potencialmente). Um simples lápis, por exemplo, torna-se muito perigoso quando nas mãos de uma criança de um ou dois anos, pois brincando com esse objeto aparentemente inofensivo ela pode se ferir gravemente. O essencial é compreender, portanto, que o CDC considera a existência de três espécies de periculosidade, no caso:

a) a periculosidade exagerada, pela qual os benefícios do produto não compensam os riscos que ele apresenta para os consumidores. É o caso do cigarro, cuja fabricação e comercialização já deveria estar proibida, pois os pretensos benefícios que os viciados em fumo alegam (puramente fictícios) não compensam de forma alguma os danos que esse produto causa aos consumidores que fazem uso dele. Esse tipo de produto deve ser banido, responsabilizando-se o fornecedor dele;

b) a periculosidade adquirida, caracterizada pelo fato do produto ter sido bem projetado, mas ter se tornado perigoso por conta de alguma falha no processo de fabricação ou comercialização. Trata-se de um produto útil, mas que foi mal fabricado (exemplo: foi esquecido de colocar algum dispositivo de segurança indispensável) ou apresentou falha na comercialização (o vendedor esqueceu de dar as informações completas para uma utilização segura por parte do consumidor), circunstâncias que geram responsabilização do fornecedor, mas não implicam que o produto tenha de deixar de existir no mercado;

c) e, por derradeiro, a periculosidade inerente, ou seja, aquela que faz parte das características do produto, sendo que a ciência ainda não se desenvolveu a ponto de conseguir suprimi-la. Essa periculosidade necessita ser tolerada para que o consumidor possa usufruir a utilidade do bem. Retirar essa característica perigosa implica em retirar a utilidade do produto. Assim, por exemplo, a faca de churrasco tem de cortar (o que a torna perigosa), sob pena de se tornar inútil. O direito não coíbe esse tipo de periculosidade e não responsabiliza o fornecedor que colocar no mercado produto com essa condição, desde que a periculosidade seja normal e previsível. Normal no sentido de que os benefícios trazidos pelo produto compensem os riscos que ele oferece, e previsível, para que o consumidor possa se prevenir e minorar os riscos (exemplo: colocando uma bainha ou capa protetora no objeto cortante ou guardando o produto dentro de estojo).

Pois bem, considerada essa técnica voltemos à questão dos fogos de artifício. É de se reconhecer que muitas pessoas sentem prazer em comemorar explodindo as chamadas bombas de São João, soltando foguetes e mesmo fazendo espetáculos pirotécnicos. Todavia, os acidentes são inúmeros, como informam os hospitais que cuidam de queimados. Deste modo, considerando que os riscos são praticamente inevitáveis e que os benefícios desse tipo de demonstração de alegria podem ser manifestados e obtidos de outras formas menos perigosas, temos que a periculosidade desses produtos deve ser classificada como exagerada. Em outras palavras: por se tratar de produtos cuja utilidade, na forma atual, não compensam os riscos a que eles submetem os consumidores e terceiros, enquanto não surgirem técnicas que permitam que eles sejam mais seguros, conforme o previsto no CDC, temos que são produtos cuja existência não é recomendada. Dessa forma, por evidente, deve ser coibida à sua fabricação e comercialização. Trata-se de uma questão legal e não de um ataque ao direito a livre iniciativa das empresas que se dedicam ao fabrico e/ou venda desse tipo de produto.

Já sob o ponto de vista coletivo ou social, mais ainda se acentua essa concepção. Considerados os usos ilícitos dos fogos de artifício por parte dos envolvidos em tráfico de drogas e pelos chamados soltadores de balões, a freqüente perturbação do sossego alheio causado pelas explosões cujo ruído/barulho agride principalmente ouvidos de doentes, idosos e crianças e, ainda, o número de acidentes que esses produtos têm causado, provocando danos pessoais a consumidores e prejuízos a saúde pública (o deficitário Sistema Único de Saúde – SUS tem tido de suportar a maioria dos atendimentos), é de se concluir que a fabricação e comercialização deles merece sofrer restrições severas. Por sua notória relevância, o interesse social deve superar o interesse individual do agente econômico.

Para concluir, é fundamental frisar que assim diz a lei, mas que a questão envolve também um forte componente cultural. Tal como no caso das festas com corridas de touros bravios nas ruas de certas cidades espanholas, de nada adiantará a legislação prescrever o melhor para a proteção dos consumidores, se os costumes praticados pela população forem em sentido contrário.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.