Consumo sustentável: apenas um ideal ou um dever legal?

Oscar Ivan Prux

O meio ambiente saudável é direito fundamental (de 3.ª geração) que permite a qualquer pessoa exigir do Poder Público (observe-se a existência de competência da União, dos Estados e dos Municípios nessa área) e da coletividade, o cumprimento de práticas sustentáveis (incluindo as de consumo) que coloquem em risco a função ecológica do meio ambiente natural. A questão reside em uma verdade: é fato incontestável que a defesa de interesses econômicos específicos de pessoas físicas e jurídicas (e até de posições meramente políticas) exerce fortíssima atuação junto aos organismos de poder, contigenciando distorcidamente a forma como é tratada essa problemática. Esse contexto que se manifesta não apenas em nosso país, mas mundialmente, tem feito com que nessa área, sobressaiam mais as conferências e os protocolos de intenções, do que as medidas de eficiente aplicação da legislação já existente no sistema jurídico nacional, pois não faltam normas para indicar, direta ou indiretamente, a impositividade da prática do consumo sustentável. Mencionemos alguns desses dispositivos, principiando pelo art. 225, da Constituição Federal, que prescreve: “todos tem direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, para uso comum do povo e essencial manutenção da sadia qualidade de vida”. E, nesse sentido, pode-se observar a relevância dos princípios constitucionais, relacionados à proteção da vida e dignidade humana (inc. III, do art. 1.º, da CF.) o que é impossível sem um meio ambiente saudável. E não há como falar-se nessa conquista (dignidade da pessoa humana), bem como, naquilo que a ela é diretamente relacionado, como a proteção à saúde (em sentido amplo) e a segurança (proteção quanto a intempéries da natureza, riscos do consumo ou de ordem social), prescindindo-se da manutenção ou obtenção de um meio ambiente saudável.

Inclusive, os objetivos de nossa república, notadamente o de promover o bem de todos, com a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, sem desigualdades injustificadas ou evitáveis, passa pela questão do consumo com sustentabilidade, pois nessa área quaisquer falhas ou procedimentos aquém dos ideais, afetam mais gravosamente aqueles que em nossa sociedade, notoriamente, se caracterizam pela maior vulnerabilidade (os mais pobres e os menos esclarecidos).

Reiterando a finalidade de asseguramento de uma existência digna, note-se que nos princípios da ordem econômica (tidos como sub-princípios constitucionais que, sem ordem de prevalência, incluem a defesa do consumidor e a proteção do meio ambiente), encontra-se estabelecido que se deve observar a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado, conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (CF., art. 170, inc. VI). Ainda em nível constitucional, no já mencionado art. 225, os incisos V e VI, determinam ao Poder Público e a coletividade, o dever de controlar a produção e a comercialização quanto aos riscos para o meio ambiente e a vida com qualidade e dignidade, bem como estabelece o dever de promoção da educação ambiental em todos os níveis. E nesse ponto, convém convergir para legislação mais específica.

A Lei n.º 6.938/81 que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente apresenta inúmeras prescrições que, ao disporem sobre a preservação do meio ambiente, se relacionam indiretamente com o consumo. Se observada detidamente, verifica-se que as referências diretas são principalmente para as empresas produtoras (fornecedoras de serviços e produtos), mas nem por isso se pode entender que o consumo não esteja abrangido. Mesmo que indiretamente, ela infere para o consumo quando diz, por exemplo: a) que deve haver racionalização do uso da água (art. 2.º, II); b) que o Estado deve recuperar áreas degradadas, bem como incentivar o estudo e a pesquisa de tecnologias orientadas para o uso racional e a proteção dos recursos ambientais, incluindo fornecer educação ambiental em todos os níveis (art. 2.º, incs. VI, VIII, X e art. 4.º, IV); c) à preservação dos recursos ambientais com vistas a sua utilização racional e disponibilidade permanente para manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida. Naturalmente, então, apesar de todo o atrativo econômico e a sedução que possa encantar no campo do prazer, não deve o consumo ser fonte de desrespeito a dispositivos de tamanha relevância.

A Lei n.º 8.078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor), estabelece em seu artigo 4.º que a Política Nacional de Relações de Consumo, tem por objetivo a racionalização dos serviços públicos incluindo os caracterizados como relação de consumo (inc.VII, combinado com os arts. 22 e 6.º, inc. X) e, em especial, o respeito à dignidade, saúde, segurança e qualidade de vida do consumidor (e considere-se que todos somos consumidores). E mais, não se pode descurar da importância de viabilizar a consecução dos princípios nos quais se funda a ordem econômica constitucional (art. 170), objetivos que jamais serão alcançados se os hábitos de consumo e sua interação com o meio ambiente, não forem alterados para formas mais construtivamente saudáveis. Ainda no CDC, observe-se que diversos dispositivos versam (até em nível principiológico) sobre a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados pelos fornecimentos para consumo (no art. 4.º, no art. 6.º, incs. I e II, no arts. 8.º, 9.º e 10.´). Assinale-se, inclusive, que nem mesmo a publicidade que normalmente atinge ao consumidor na esfera apenas potencial, fica alheia a esse contexto, pois é considerada abusiva toda aquela que desrespeitar valores ambientais, incluindo a que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança (art. 37, parágrafo 2.º). E no âmbito do contrato de consumo celebrado, há que se considerar que são nulas as cláusulas que infrinjam ou possibilitem a violação das normas ambientais (art. 51, inc. XIV). Por derradeiro, ainda na esfera do código consumerista, atente-se para o parágrafo 1.º, do art. 55, quando estabelece que: “A União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios fiscalizarão e controlarão a produção, industrialização, distribuição, a publicidade de produtos e serviços e o mercado de consumo, no interesse da preservação da vida, da saúde, da segurança, da informação e do bem-estar do consumidor, baixando as normas que se fizerem necessárias”.

Tão substancial é o equacionamento entre consumo, proteção ambiental e a sustentabilidade em si, que a Lei n.º 12.305/2010 prescrevendo a Política Nacional de Resíduos Sólidos, significativamente estabelece: a) em seus objetivos maiores, o estímulo à rotulagem ambiental e ao consumo sustentável (art. 7.º, inc. XV); b) a menção á padrões sustentáveis de produção e consumo de bens e serviços, como sendo aqueles de forma a atender as necessidades das atuais gerações e permitir melhores condições de vida, sem comprometer a qualidade ambiental e o atendimento das necessidades das futuras gerações (art. 3.º, inc. XIII; c) a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos, com atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares de serviços dos serviços públicos de limpeza urbana e de manejo de resíduos sólidos, para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos (art. 30). Para a consecução desses objetivos a referida lei estabelece obrigações que se relacionam ao consumo sustentável, incluindo exemplificativamente (mas não em rol taxativo e exauriente), a adoção de medidas para aumentar o ciclo dos produtos, a logística reversa, o re-uso do produto, a reciclagem, a utilização para novo tipo de produção (por exemplo, de adubo ou para geração de energia), o reaproveitamento ou, em sendo inevitável, as providências para o manejo e destinação adequados para que os restos do consumo não agridam ao meio ambiente (em especial, a sustentabilidade) como requisito em todo esse processo que vai da produção ao consumo. O bom equacionamento dessa conjuntura é capital para viabilizar as atividades econômicas e, primordialmente, constituir-se em forma de ajudar a propiciar qualidade de vida para as pessoas.

E nessa conjuntura legal, saliente-se por importante, que a Lei n.º 6.931/81, estabelece responsabilidade objetiva para quem, por suas ações, provocar poluição, não excluindo ou isentando fornecedores e consumidores.

Há imenso rol de outras normas, mas as que foram mencionadas são suficientes para demonstrar a existência de base legal sólida para determinar, como dever, a prática do consumo sustentável. Resta que a cumpramos em nome da dignidade humana e da própria preservação da vida.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em teoria econômica, mestre e doutor em direito. Coordenador do curso de Direito da Universidade Norte do Paraná Unopar.