Até quando persistirá a existência da indústria do cigarro?

A edição de O Estado do Paraná do dia 10 de setembro passado, nas seções de economia e rural, foi repleta de assuntos de interesse dos consumidores. Um deles, porém, me chamou a atenção e pela indignação que provoca, opto por abordá-lo neste espaço tradicionalmente reservado para tratar de questões jurídicas relativas ao Direito do Consumidor. Trata-se da matéria intitulada ?Importância da integridade na fumicultura?, na qual foi mencionado o ?Programa Fumo Limpo?, patrocinado pelo Sindicato da Indústria do Fumo (Sindifumo). Na referida reportagem, fez-se menção a uma ?campanha de esclarecimento? e foram transcritas declarações do presidente da referida entidade sindical, surgindo então, dentre outras, expressões despropositadas como ?fumo limpo?, ?qualidade química do fumo? e ?qualidade do produto?, como se isto fosse possível existir. Fumo só pode ser pior (mais lesivo) e nunca apresentar qualidade ou ser ligado a características como limpeza e outros atributos de produtos que são benéficos aos consumidores.

Em momento algum sequer se imagine que o jornal não devesse noticiar esta campanha que deverá distribuir 192 mil folders às famílias de produtores de fumo integrados da região Sul do Brasil. Isto é notícia e como tal tem que ser dada aos leitores, até porque o órgão de imprensa apenas reproduziu informações e não emitiu juízo de valor em favor da prática de fumar. Considere-se, ainda, que o fumo (cigarro, charuto, fumo em cachimbo, etc.) tem sido aceito socialmente como uma das chamadas ?drogas lícitas?, não se desconhecendo, inclusive, que várias ações de indenização promovidas por fumantes que tiveram câncer e acidentes vasculares ou cerebrais em razão do hábito de fumar, foram julgadas improcedentes e amplamente favoráveis a indústria do cigarro. Outro detalhe: mesmo órgãos oficiais, incluindo bancos de fomento, sempre destinaram verbas e ações no sentido de amparar e incentivar o cultivo do fumo, às vezes, sendo até mais fácil obter ajuda oficial para plantar fumo do que outras culturas como feijão, milho, arroz, trigo, etc. Da construção de barracões para secagem da folha até financiamento para plantio, trato e colheita, este apoio existe de longa data e sempre foi maior do que o esforço no sentido de apoiar agricultores a encontrar outra atividade, podendo assim desligar-se dessa cultura perniciosa. Também é notório o poder que as multinacionais do tabaco exercem em nosso país, inclusive patrocinando defensores de sua causa, a ponto desse ser um dos motivos para a imensa dificuldade na aprovação de projetos contrários a manutenção da atividade.

Cabe considerar a simples existência do hábito de fumar, como uma daquelas coisas ilógicas que persistem no cotidiano de uma civilização que se diz evoluída (verdadeiro circo romano da nossa era, tamanha a falta de justificativa para a existência). E mais, é importante ter em mente que o fumo, embora tolerado, não pode ser considerado droga lícita, e explico as razões.

Diz o Código de Proteção e Defesa do Consumidor (art. 8.º), norma de ordem pública e interesse social, que os produtos colocados no mercado não acarretarão riscos à saúde ou segurança do consumidor, ou mais precisamente, que não pode ser fabricado e colocado no mercado produto que ofereça riscos à saúde do consumidor, exceto os que sejam considerados normais e previsíveis em decorrência de sua natureza e fruição. Pois bem, considerando que o risco ocasionado pelo fumo não é normal no sentido de apresentar uma vantagem que compense o dano que causa e que não há maneira do consumidor se prevenir contra os males do hábito de fumar, por evidente, este tipo de indústria já deveria ter sido erradicada/banida do cenário econômico nacional. Igualmente o inciso I, do art. 6.º, do CDC, preconiza a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos. Ora, o simples fato das estatísticas comprovarem a maior incidência de determinadas doenças entre os fumantes (e os prejuízos ao SUS e a economia nacional são incalculáveis), bem como, ser inquestionável a existência de fumantes passivos, tem-se motivo suficiente para demonstrar a incidência exata do risco que a legislação abomina. Até poluição o fumo provoca. Então, não se trata de ?droga lícita?, mas sim de ?droga tolerada? pelas autoridades em desrespeito ao contido na legislação. Nesse sentido, inclusive, observe-se que o CDC fala em risco e não em dano, e risco nenhuma decisão judicial pode negar existir no hábito de fumar. Ou seja, a alegada falta de certeza do nexo causal entre o dano à saúde e o ato de fumar daqueles que requereram as indenizações, proporcionou interpretações judiciais equivocadas que ignoraram o fato de que o CDC não se volta apenas contra o dano, mas coíbe igualmente o risco, de modo que a indústria do fumo não poderia e não pode passar impune.

Portanto, de conformidade com a lei, não existe justificativa para que este tipo de indústria continue existindo e, ainda mais, apregoando qualidade em produto que só pode fazer mal. Frise-se que a autorização dada pelos órgãos competentes para funcionamento da indústria e prática de comercialização do produto, não é suficiente para eliminar ou suprimir a força proibitiva das disposições de ordem pública insertas no CDC. Basta que as autoridades não mais priorizem a arrecadação direta de impostos, em detrimento dos gastos indiretos com a saúde dos que tem o hábito de fumar e que a hipocrisia seja eliminada deste contexto, para que passe a ser priorizada a proteção da saúde dos consumidores. Uma ação (coletiva e não individual) patrocinada por associação ou órgão instituído em prol da proteção coletiva dos consumidores, representará uma ótima solução para que a indústria do tabaco seja obrigada a deixar de colocar no mercado, produtos que oferecem risco a saúde dos consumidores com hábito de fumar e para os fumantes passivos, muitas vezes forçados a consumir este produto nocivo. Foi através de uma ação deste tipo que acabou eliminado o fumo durante os vôos comerciais que transitam em território nacional, proibição que representou a correta aplicação da lei e um bom exemplo que merece ser seguido.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.