A validade dos créditos de celular pré-pago

Decisão liminar do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região havia proibido as operadoras de telefonia celular, definir um prazo de validade para uso dos créditos pré-pagos, tornando-os utilizáveis no longo prazo. Porém, no já tradicional pêndulo jurisprudencial pelo qual as liminares são deferidas e, em seguida, acabam derrubadas em outra Corte, recente decisão da 1a Turma do STJ devolveu para as companhias que operam telefonia celular, o direito de, após o prazo que elas tenham fixado, bloquear os créditos não utilizados de celulares pré-pagos. Em síntese: no momento, o usuário que comprar os créditos, se não fizer uso deles dentro do prazo que operadora escolheu (que normalmente restringe-se ao mínimo que é 90 dias), perderá o direito à utilização.

Parecer da Associação Nacional de Operadoras de Celulares menciona que, desde 2001 a telefonia móvel superou no Brasil a telefonia fixa em número de terminais. E dentro do segmento de telefonia móvel, com base em dados de novembro de 2005, em nosso país um total de 80,85% seriam pré-pagos (apenas 19,15% pós-pagos). Segundo as operadoras, entretanto, os brasileiros, principalmente os das classes D e E (que ganham até 06 salários mínimos), na qual situam-se 72,50% dos usuários de celulares pré-pagos, não fazem uso da linha em níveis que as empresas gostariam para seus interesses empresariais. As operadoras insistem que o custo de operação para manter uma linha, mesmo quando não utilizada, equivale a R$ 0,23 (vinte e três centavos) por dia (número não auditado, para saber-se de sua veracidade), tendo em vista a manutenção da rede de operação, dos serviços de atendimento (call centers) e os custos tributários. E completam sua argumentação alegando haver, segundo seus cálculos, uma média de linhas sem utilização que chega a 29%, gerando-lhes um prejuízo diário que precisa ser racionalizado segundo a lógica econômica de pressionar para usar sob a guilhotina do ?ou o consumidor usa ou perde, ficando a receita para a operadora?.

Independente desses argumentos, os fundamentos que foram aceitos pelo Tribunal para a reforma da decisão liminar, centraram-se basicamente na alegação de que retirar o prazo de validade dos cartões pré-pagos provocaria uma necessidade de adaptação das operadoras que desde logo lhes traria vultosos prejuízos (da ordem de R$ 16 milhões segundo se noticiou como versão delas). Assim, ainda longe do julgamento definitivo da causa, por enquanto (a menos que outra liminar venha amparar os direitos dos consumidores), as companhias operadoras de telefonia móvel que vendem créditos para celulares pré-pagos seguem desfrutando de seu direito de impor procedimentos no mercado segundo seus estratagemas de marketing e a sua mais absoluta conveniência de rentabilidade. É oportuno lembrar que a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), como órgão regulador do setor sempre muito preocupado com a saúde financeira das operadoras, deixou livre para elas estabelecerem suas estratégias de mercado (podem oferecer cartões de validade eterna, se quiserem), tendo apenas fixado a regra de manter-se o prazo mínimo de 90 dias para validade desses cartões pré-pagos.

Uma análise criteriosa dessa conjuntura mostra que os argumentos das operadoras não se sustentam, nem fática, nem juridicamente.

Em primeiro lugar, não acredito que as operadoras viriam a sofrer prejuízos para se adaptar a prazo mais longo dos créditos pré-pagos. Nada superaria a uma campanha publicitária dessas que elas realizam mensalmente e servem para promover essa modalidade questionada. A escolha do prazo de 90 dias para validade dos cartões pré-pagos foi decisão unilateral das operadoras e o mesmo procedimento poderia ser feito para ampliar esse prazo. Os custos disso seriam conseqüência natural de terem adotado uma prática não conforme com a proteção dos direitos dos consumidores de seus serviços. Note-se que devido ao grande número de telefones nunca a maioria deles estará sem uso (a telefonia fixa tem aparelhos ociosos e nunca apelou para esse tipo de prática abusiva). Aliás, nem é lógico que todos comprem créditos de celular para fazer poupança, mas sim para utilização, de modo que ao longo do tempo o fluxo vai se manter constante. Outro detalhe: o custo do sistema não parece ser problema diante dos poucos serviços que as operadoras oferecem. Encontrar um escritório para atendimento pessoal é impossível e ligar para um call center impõe ao consumidor munir-se de toneladas de paciência para esperar por um atendimento nem sempre condizente, o que mostra que elas não investem em bem atender o consumidor. Acrescente-se ainda, que a Agência Nacional de Telecomunicações jamais deixou que as operadoras tivessem prejuízos sem lhes dar a oportunidade de repassar para o consumidor todas as despesas. Pelo fenômeno econômico denominado de internalização, os usuários do serviço sempre vêm pagando por esses custos e até por isso as tarifas subiram tanto nos últimos anos. Portanto, não há lógica econômica razoável/justificável para esse tipo de prática de mercado, ainda mais, considerando-se que com o auxílio da informática, as operadoras de telefonia podem manter absoluto controle dos créditos ainda não utilizados (elas, por exemplo, não esquecem quando um consumidor lhes deve e essas dívidas não prescrevem em 90 dias).

Já sob o ponto de vista jurídico, tem-se uma situação pela qual, quando não utilizados os créditos dentro do exíguo prazo de 90 dias, o consumidor terá pago ou seja, terá cumprido sua prestação e a operadora não terá fornecido o serviço e não se disporá a devolver a quantia recebida, eximindo-se de sua contraprestação. Esse enriquecimento sem causa jamais recebeu amparo em nosso sistema jurídico. Trata-se, em verdade, de evidente exemplo de prática abusiva a colocação no mercado de serviço com essas características (cominadas pelo art. 39, incisos II e V, do CDC), sendo que, após a compra dos créditos tem-se notória cláusula contratual abusiva (recriminada segundo o art. 51, incisos II, IV e § 1.º, incisos I, II, e III, todos do mesmo código consumerista).

Portanto, por esse tipo de conduta desvirtuada (prática e cláusula abusiva), as operadoras estão injustamente tendo o pretenso direito de se apropriar indevidamente dos valores despendidos pelos consumidores para a compra de créditos pré-pagos, valores estes de montante vultoso e que vêm principalmente das classes mais pobres de nossa população. Muito se justificam as ações para reprimir esse procedimento de mercado e diante desse contexto, importante a consideração destes aspectos jurídicos e econômicos que induzem um clamor não mais por liminares, mas pela celeridade no julgamento do mérito da causa em favor dos consumidores.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista e professor.
Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON