A importância do direito da concorrência para a proteção dos direitos dos consumidores

O Direito do Consumidor e o Direito da Concorrência se constituem em áreas relativamente novas na ciência jurídica. O destaque veio pela entrada em vigor, na década passada, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor (Lei 8078/90) e da lei antitruste (Lei 8884/94). O fato é que estes segmentos (avançando um pouco o conceito clássico de ramos do Direito) comungam de muitos objetivos que paralelamente se apóiam. Eles são intensamente relacionados com a atividade econômica e possuem muitos de seus objetivos bastante entrelaçados.

Sob o ponto de vista técnico jurídico, começa pelo fato de ambos terem origem constitucional, fazendo parte, com igual hierarquia, daquelas disposições denominadas de princípios da ordem econômica (na verdade, subprincípios, pois subordinados aos princípios fundamentais estabelecidos nos arts. 1.º, 3.º e 4.º da CF, tais como o Estado Democrático de Direito, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho humano e da livre iniciativa, a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, etc.). Segue pelo fato do Direito da Concorrência, ao ter a coletividade como titular dos bens jurídicos protegidos, estreitar ainda mais os pontos de contato com o Direito do Consumidor, na medida em que, a todo tempo, todos somos consumidores (portanto uma imensa coletividade de pessoas). Inclusive, esta é a razão pela qual a Lei 8078/90 (Código de Proteção e Defesa do Consumidor) que é espécie de nau capitânia do sistema, ostenta a condição de ser de ordem pública e interesse social.

Certo é que disposições da legislação que rege a concorrência servem para proteção dos consumidores, assim como, a aplicação de dispositivos do sistema de proteção destes contribuem para a boa concorrência. E esta contribuição que, direta ou indiretamente, é feita reciprocamente, tem um ponto de contato na Lei 8.137/90, destinada a coibir crimes da ordem econômica, a qual tem artigos voltados a questões relacionadas a concorrência e também a proteção do consumidor.

Conforme refere José Inácio Gonzaga Francechini (?Introdução ao Direito da Concorrência?, pág.16), para os tradicionalistas/estruturalistas, o Direito da Concorrência visa à defesa da concorrência como um valor em si mesmo, ou seja, de um ?processo? destinado a coibir condutas abusivas de mercado, e preservar a multiplicidade de opções como instrumento de proteção dos consumidores contra a prática de preços supracompetitivos. A concorrência também seria valiosa, na medida em que promoveria a redução do desperdício e tenderia a motivar inovações. Não consigo vislumbrar a proteção da concorrência em si mesma, desligada da preocupação da eficiência e da proteção não só do mercado, mas também dos interesses dos consumidores. E mais, não acredito que evitar concentrações excessivas, nas quais certas empresas acabam tendo um market share por demais elevado a ponto de dominar o mercado, possa ser um impeditivo para que se desenvolva a economia de escala. O domínio de mercado que faça com que a economia de escala seja colocada apenas para vantagem do empresário, lesando o consumidor, prestaria um desserviço para a sociedade.

Os cartéis, os dumpings, os trustes e outras formas de buscar artificialmente influenciar o mercado para obter o domínio dele e poder praticar abusos de poder econômico, são formas altamente nocivas para a sociedade. Elas são arquitetadas basicamente para possibilitar às empresas, a obtenção de alta lucratividade representada por preços de produtos e serviços maiores sem despreocupação com a qualidade, tudo em detrimento do consumidor. Mais que isto, também conferem a perigosa possibilidade da empresa desconsiderar os interesses de concorrentes e de outros partícipes do mercado, no caso os consumidores. Portanto, quando se afastam da competência honesta e da proteção dos direitos dos consumidores, estas formas espúrias de agir no mercado não podem subsistir. Desde a proibição de uma única venda casada (vedada pelo inciso I, do artigo 39, do CDC), até a repressão a ajustes de grandes cartéis, existe uma confluência nos desideratos da proteção do consumidor e da boa concorrência.

Atento a esta conjuntura, o legislador, no CDC, artigo 4.º, inciso III, ao estabelecer os princípios que regem a Política Nacional de Relações de Consumo, inseriu determinação para que exista: ?coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo, inclusive concorrência desleal, e utilização indevida de inventos e criações industriais, das marcas e nomes comerciais e signos distintivos, que possam causar prejuízos aos consumidores?. Indicou, portanto, que não se deve deixar apenas para o Direito da Concorrência e atuação prática do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), a tarefa de lutar para erradicar práticas anti-concorrenciais. Ao consumidor é dado colaborar evitando adquirir produtos e serviços de empresas que ele sabe não respeitarem a competitividade livre e honesta, forma de induzi-las a refluir nesses procedimentos incorretos. E naquilo que é mais comum no mercado, a não comprar produtos que sejam falsificados (piratas) ou que estejam sendo vendidos por preço abaixo de seu custo (dumping), para que assim colabore não só com a boa concorrência, mas com sua própria proteção no longo prazo. Quanto a isto, é preciso que o consumidor entenda, que a vantagem do preço reduzido no primeiro momento, ao levar a insolvência e erradicar do mercado as empresas concorrentes que agem dentro da lei e da ética negocial, vai possibilitar que os fornecedores desonestos passem a dominar o mercado, e desta forma possam elevar os preços de suas mercadorias. Ou seja, no futuro isto custará caro ao consumidor.

Assim, instruir e conscientizar os consumidores e as empresas fornecedoras quanto às corretas práticas de mercado (respeitadoras da correta concorrência e da proteção do consumidor), será sempre o melhor caminho para todos os envolvidos.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON