A importação e utilização de pneus usados e a proteção dos consumidores

Prolonga-se uma polêmica em torno da questão de permitir-se ou não a importação de pneus usados e/ou reformados (observação: pode haver remoldagem que é revestir toda a parte externa do pneu, recauchutagem que consiste apenas na substituição da banda de rodagem e dos ombros do pneu e recapagem que se restringe à substituição da borracha da banda de rodagem do pneu).

Desde 1991, quando o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, através da Portaria n.º 08, proibiu a entrada desses produtos usados, o assunto foi parar no Judiciário e várias liminares têm permitido que essas mercadorias de segunda mão acabem ingressando no país pela via da importação.

Sem ignorar a falta de uma lei mais específica e aproveitando o que noticiou a Revista do IDEC (n.ºs 101 e 103), temos que a tentativa de favorecer os interesses dos importadores foi o motivo de dois Projetos de Lei (no Senado, o PL n.º 216/03 e na Câmara dos Deputados, o PL n.º 203/91) que, se aprovados, irão permitir expressamente a importação de pneus usados.

Não há dúvida de que o preço destes produtos é atrativo e mesmo sabendo-se que eles não mais poderão ser reformados, ainda assim existe clientela (mal-informada) que se interessa em sua aquisição, razão pela qual não faltam importadores interessados em trazer para o Brasil, sucessivos lotes de pneus usados que são considerados quase-lixo nos países mais desenvolvidos. Inclusive, este interesse em exportar pneus velhos cresceu muito desde que na União Européia passou a ser proibido desovar este tipo de produto em aterros sanitários.

Considerando-se o número de veículos rodando pelo país, esta é uma questão importante, tanto para a atual, como para as próximas gerações brasileiras. Trata-se de problemática que vai além de aspectos ideológicos de ser contra ou a favor da globalização ou a esse tipo de comércio internacional. Ela também não se restringe à questão da proteção dos interesses da indústria nacional contra a entrada de produtos importados no país ou ao equilíbrio de nossa balança comercial. Da mesma forma, a maximização do interesse econômico dos importadores nacionais e dos exportadores estrangeiros e até o interesse individual de alguns consumidores de menor poder aquisitivo, não se constituem nos únicos fatores que precisam ser considerados na tomada desta decisão. Na verdade, existem elementos mais relevantes a serem observados e eles estão centrados substancialmente na seara do Direito do Consumidor. Dois são os que mais se destacam:

a) o primeiro deles, se refere à segurança oferecida aos consumidores pelos pneus usados que acabam reformados e reaproveitados. Como reiteradamente tem afirmado o professor Mário Frota (diretor do Centro de Estudos de Consumo de Coimbra, Portugal), a segurança é nuclear em qualquer atividade, especialmente quando ligada ao ato de consumo. Portanto, considerando que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor coíbe que os fornecedores coloquem no mercado produtos que ofereçam risco ao consumidor (que dirá, danos!), é imprescindível que a qualidade dos pneus seja impecável no que refere ao quesito segurança e nem sempre isto pode ser assegurado, pois eles são importados em lotes e o controle de qualidade da reforma não pode ser considerado seguro. Portanto, mais do que os interesses econômicos dos adquirentes, deve haver detida preocupação com o fator segurança dos usuários (consumidores natos) destes pneus. Inclusive, não se pode ignorar a realidade vigente nas regiões mais pobres de nosso território, onde pneus usados são simplesmente reaproveitados através do método rudimentar de simplesmente fazer novos sulcos em um produto já desgastado. Outro detalhe: nesta questão é importante também atentar para a proteção dos bystanders, ou seja, dos terceiros que possam ser atingidos como vítimas de eventuais acidentes causados por conta da falta de qualidade de algum destes pneus.

b) o segundo aspecto se relaciona com dever que as empresas têm de acompanhar a trajetória de seus produtos no mercado e garantir o respeito aos preceitos destinados ao consumo sustentável. Ou seja, a proteção coletiva dos consumidores (todos somos consumidores!) no que refere a produtos poluidores que depois de abandonados, naturalmente degradam o meio ambiente (caso das baterias de celulares, pneus, etc.). Todo produto tem três fases: conservação, utilização e degradação. Pneus usados estão na segunda parte do período de utilização e muito próximos da degradação que tenderá a transformá-los em lixo ambiental. Considerando que pneus usados só podem ser reformados uma vez, a vida útil destes produtos quando importados, já está muito próxima do final no momento em que chegam aos consumidores. As empresas, em convênio com Prefeituras criaram pontos de coleta de pneus inservíveis, mas eles são insuficientes (segundo se noticia, seriam 167, espalhados em 20 Estados). Também existem métodos de reaproveitamento deste material para asfaltamento de vias públicas (restrito apenas a algumas localidades) e até pequenas iniciativas de artesanato (queimar pneus nem pensar, pois é muito pior), mas nada disso é suficiente para reutilizar a enorme quantidade de pneus que são jogados fora/abandonados todos os dias em nosso país. E mais, são raras as empresas que se preocupam em retirar da natureza estes restos da produção que colocam no mercado.

Para a proteção do meio ambiente, após o 1.º período de vida útil é recomendável que os pneus sempre sejam reformados. O consumo deve ser sustentável e contribuir com a qualidade de vida de nossa população, razão pela qual impende-se que não se permita a importação desse tipo de quase-lixo, seja por lei, seja por decisão judicial. Pneus são necessários, mas não tanto quanto um meio ambiente saudável, este sim indispensável.

Oscar Ivan Prux é advogado, economista, professor, especialista em Teoria Econômica, mestre e doutor em Direito. Diretor do Brasilcon para o Paraná.

Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor – BRASILCON