Recurso especial e relativização dos pressupostos para seu conhecimento

 

            O recurso extraordinário e o recurso especial são as vias de acesso do jurisdicionado às últimas instâncias do Judiciário – cada qual em seu âmbito específico de cabimento. Existem condições formais e materiais bastante rígidas a serem observadas pelo advogado que deseja ter seu caso conhecido pelas cortes superiores. No entanto, o acórdão cuja ementa consta a seguir vislumbra hipóteses de suavização de tais exigências:

“PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 207⁄STJ. QUESTÃO INSUSCETÍVEL DE ANÁLISE NA VIA ELEITA. INEXISTÊNCIA DE DIREITO EM TESE A SER DIRIMIDO. EMBARGOS DEDECLARAÇÃO ACOLHIDOS, COM EFEITO MODIFICATIVO.

I – É possível a discussão dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial, em sede de embargos de divergência, quando tal prescindir do reexame de fatos e provas, constituindo-se em questão puramente de direito.

II – In casu, a eg. Quarta Turma chegou ao veredicto de que admissível o recurso especial posto que, no caso concreto, dada a peculiaridade do julgamento proferido nos embargos de declaração, na origem, não seriam cabíveis embargos infringentes. Longe está a questão de se constituir em direito em tese, portanto.

III – Não se pode deixar de considerar que, tecnicamente, o processo é apenas um instrumento para a realização da justiça, não tendo um fim em si mesmo. Ainda que fosse admissível o rejulgamento dos pressupostos de admissibilidade do recurso especial em sede de embargos de divergência – o que não é, em princípio – ainda assim, no caso vertente, dada a dificuldade de se concluir pela aplicação ou não do enunciado n. 207 da Súmula deste Superior Tribunal de Justiça, não se haveria de penalizar o recorrente, com formalismo processual, quando o que importa ao bom andamento do processo é a observância das formalidades legais e não do seu excesso. Noutras palavras, não há de se obstaculizar o seguimento do recurso especial, quando não for de clareza meridiana a aplicação de certo enunciado, o qual poderia prejudicar a sua admissibilidade.

IV- Embargos de declaração acolhidos para sanar a omissão quanto à admissibilidade dos embargos de divergência, atribuindo àqueles efeito modificativo, para manter intacto o julgado proferido pela eg. Quarta Turma.” (destacamos)

(STJ – ED nos EDV no REsp 512399/PE – CE – Rel. Min. Eliana Calmon – DJe de 7.6.11)

 

N o t a s

 

            No âmbito criminal parece mais comum a flexibilização dos pressupostos dos recursos extremos em casos excepcionais – o que é compreensível diante do grave risco à liberdade do cidadão gerado pelo não conhecimento de um pleito recursal que, por razões estritamente formais, não pode ser conhecido. Assim, os tribunais, em que pese não conheçam do recurso, valem-se da concessão de habeas corpus de ofício para fazer sanar o constrangimento ilegal. Confiram-se alguns exemplos:

“Não conhecimento do recurso extraordinário. Concessão, porém, de habeas corpus de ofício. É nula a decisão que recebe denúncia sem fundamentação suficiente sobre a admissibilidade da ação penal.” (STF – RE 456673 – 2ª T. – Rel. Min. Cezar Peluso – J. em 31.3.09)

“1. Não merece prosperar o presente recurso, porquanto intempestivo. 2. O Recurso Extraordinário impugna decisão do Tribunal de Justiça que considerou deserta a apelação interposta porque o apelante, ora agravante, evadiu-se do distrito da culpa. 3. Habeas corpus concedido de ofício, para determinar ao Tribunal de Justiça que reexamine a admissibilidade do recurso de apelação. Precedente.” (STF – AI 548272 – 2ª T. – Rel. Min. joaquim barbosa – J. em 15.4.08)

“Recurso extraordinário, prequestionamento e habeas-corpus de ofício. Em recurso extraordinário criminal, perde relevo a discussão em torno de requisitos específicos, qual o do prequestionamento, sempre que – evidenciando-se a lesão ou a ameaça à liberdade de locomoção – seja possível a concessão de habeas-corpus de ofício.” (STF – RE 485383 – 1ª T. – Rel. Min. Sepúlveda Pertence – 1ª T. – J. em 12.12.06)

“Recurso especial a que se nega provimento. Habeas corpus concedido de ofício para, de um lado, afastando da condenação a circunstância judicial indevidamente valorada, reduzir a pena recaída sobre o paciente, de 1 (um) ano e 2 (meses) de reclusão e 20 (vinte) dias-multa para 10 (dez) meses de reclusão e 3 (três) dias-multa.” (STJ – RESP1158274 – 6ª T. – Rel. Min. Og Fernandes – DJ de 6.12.10)

            O processo civil não conta com a garantia da ação constitucional do habeas corpus. Porém, isso não significa que na seara privada não existam verdadeiros constrangimentos ilegais que acabam prevalecendo às custas de obstáculos recursais atinentes à forma de pedir. Como solucionar o problema? Ainda não se sabe. O certo é que, como frisou a Ministra Eliana Calmon, em seu voto no precedente ora comentado, “penso não ser correta a super valorização dos procedimentos, em detrimento da sua própria razão de ser, qual seja, a realização da justiça.”

            Ou seja, vê-se delinear, no âmbito civil, uma regra de cuidado: o recorrente não pode ser prejudicado pelo formalismo processual quando o que importa é a obediência a regras necessárias e não ao excesso de regras. O processo não é um fim em si mesmo. Afinal, apesar de assoberbado, o Judiciário ainda é o último refúgio de quem pretende denunciar, legitimamente, todo tipo de injustiças e de abusos.

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