O Advogado e o direito ao uso da palavra

 

              O Supremo Tribunal Federal prolatou decisão da maior relevância para a cultura democrática que se vê construir no Brasil. Leia-se a ementa:

“COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. SUBMISSÃO INCONDICIONAL DA CPI À AUTORIDADE DA CONSTITUIÇÃO E DAS LEIS DA REPÚBLICA. EXIGÊNCIA INERENTE AO ESTADO DE DIREITO FUNDADO EM BASES DEMOCRÁTICAS. DIREITOS DAS PESSOAS (FÍSICAS E JURÍDICAS) E PRERROGATIVAS PROFISSIONAIS DO ADVOGADO. DIREITO DO ADVOGADO AO USO DA PALAVRA, MESMO NO ÂMBITO DE COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUÉRITO. PRERROGATIVA DE PROTOCOLIZAR E DE VER APRECIADAS, PELA CPI, PETIÇÕES FORMULADAS EM NOME DA PESSOA OU DA ENTIDADE SOB INVESTIGAÇÃO. DIREITO DE ACESSO A DOCUMENTOS SOB CLÁUSULA DE SIGILO, DESDE QUE JÁ INCORPORADOS AOS AUTOS DO INQUÉRITO PARLAMENTAR. POSTULADO DA COMUNHÃO DA PROVA. DOUTRINA CONSAGRADA NA SÚMULA VINCULANTE Nº 14/STF. PRECEDENTES. MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA.

– A investigação parlamentar, por mais graves que sejam os fatos pesquisados pela Comissão legislativa, não pode desviar-se dos limites traçados pela Constituição nem transgredir as garantias, que, decorrentes do sistema normativo, foram atribuídas à generalidade das pessoas, físicas e/ou jurídicas.

– A unilateralidade do procedimento de investigação parlamentar não confere, à CPI, o poder de agir arbitrariamente em relação ao indiciado e às testemunhas, negando-lhes, abusivamente, determinados direitos e certas garantias que derivam do texto constitucional ou de preceitos inscritos em diplomas legais. No contexto do sistema constitucional brasileiro, a unilateralidade da investigação parlamentar – à semelhança do que ocorre com o próprio inquérito policial – não tem o condão de abolir os direitos, de derrogar as garantias, de suprimir as liberdades ou de conferir, à autoridade pública (investida, ou não, de mandato eletivo), poderes absolutos na produção da prova e na pesquisa dos fatos.

O Advogado – ao cumprir o dever de prestar assistência técnica àquele que o constituiu, dispensando-lhe orientação jurídica perante qualquer órgão do Estado – converte, a sua atividade profissional, quando exercida com independência e sem indevidas restrições, em prática inestimável de liberdade. Qualquer que seja o espaço institucional de sua atuação, ao Advogado incumbe neutralizar os abusos, fazer cessar o arbítrio, exigir respeito ao ordenamento jurídico e velar pela integridade das garantias jurídicas – legais ou constitucionais – outorgadas àquele que lhe confiou a proteção de sua liberdade e de seus direitos. O Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão.

– A exigência de respeito aos princípios consagrados em nosso sistema constitucional não frustra nem impede o exercício pleno, por qualquer CPI, dos poderes investigatórios de que se acha investida. O ordenamento positivo brasileiro garante, às pessoas em geral, qualquer que seja a instância de Poder, o direito de fazer-se assistir, tecnicamente, por Advogado, a quem incumbe, com apoio no Estatuto da Advocacia, comparecer às reuniões da CPI, sendo-lhe lícito reclamar, verbalmente ou por escrito, contra a inobservância de preceitos constitucionais, legais ou regimentais, notadamente nos casos em que o comportamento arbitrário do órgão de investigação parlamentar vulnere as garantias básicas daquele – indiciado ou testemunha – que constituiu, para a sua defesa, esse profissional do Direito.

– A função de investigar não pode resumir-se a uma sucessão de abusos nem deve reduzir-se a atos que importem em violação de direitos ou que impliquem desrespeito a garantias estabelecidas na Constituição e nas leis. O inquérito parlamentar, por isso mesmo, não pode transformar-se em instrumento de prepotência nem converter-se em meio de transgressão ao regime da lei. Os fins não justificam os meios. Há parâmetros ético-jurídicos que não podem nem devem ser transpostos pelos órgãos, pelos agentes ou pelas instituições do Estado. Os órgãos do Poder Público, quando investigam, processam ou julgam, não estão exonerados do dever de respeitar os estritos limites da lei e da Constituição, por mais graves que sejam os fatos cuja prática tenha motivado a instauração do procedimento estatal.

O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso ao inquérito (parlamentar, policial ou administrativo), mesmo que sujeito a regime de sigilo (sempre excepcional), desde que se trate de provas já produzidas e formalmente incorporadas ao procedimento investigatório, excluídas, conseqüentemente, as informações e providências investigatórias ainda em curso de execução e, por isso mesmo, não documentadas no próprio inquérito ou processo judicial. Precedentes. Doutrina.”

(STF – MS 30906/DF – Rel. Min. Celso de Mello – DJe de 7.10.11. Destacamos)

 

De lavra do eminente relator, Min. Celso de Mello, a decisão liminar contém os seguintes fundamentos, em resumo:

“DECISÃO: Trata-se de mandado de segurança, com pedido de medida liminar, impetrado com a finalidade de obter ordem judicial que determine, à Presidência da CPI do ECAD, efetivo respeito à prerrogativa – que se reconhece à entidade sob investigação parlamentar – de ser assistida, sem indevidas restrições, por Advogados por ela regularmente constituídos. Busca-se, na presente sede mandamental, proteção judicial efetiva que garanta, ao ECAD, parte ora impetrante, o direito ao uso da palavra, a ser exercido por intermédio de seus Advogados, sempre que tal se fizer necessário ao longo das sessões de referida Comissão Parlamentar de Inquérito, inclusive para efeito de protestar, por escrito ou oralmente, contra eventuais abusos perpetrados por esse órgão de investigação parlamentar contra o autor deste “writ” constitucional, de oferecer contradita a testemunhas a serem inquiridas ou de requerer quaisquer medidas destinadas a preservar direitos e garantias que o ordenamento jurídico confere a qualquer pessoa submetida a procedimentos estatais de investigação. Pretende-se, ainda, que petições formuladas pelo ECAD sejam protocolizadas e apreciadas pela CPI em questão, cuja Presidência deverá abster-se de coibir manifestações, pela ordem, formuladas, pública e oralmente, pelos Advogados constituídos, pelo próprio ECAD, para proteção de seus direitos.

(…)

Sendo esse o contexto, passo a apreciar a postulação de ordem cautelar. (…)

(…) Tenho afirmado, a propósito da competência investigatória das Comissões Parlamentares de Inquérito, que estas não dispõem de poderes absolutos, devendo exercê-los com estrita observância dos limites formais e materiais fixados pelo ordenamento positivo e com plena submissão à autoridade hierárquico-normativa da Constituição da República.

A presente causa – motivada por grave denúncia resultante de alegados abusos que teriam sido praticados pela CPI/ECAD contra o exercício, por Advogados constituídos pelo próprio ECAD, de seus direitos e prerrogativas profissionais – suscita reflexões a propósito de matéria já assentada, há muitos anos, em jurisprudência constitucional prevalecente nesta Suprema Corte.

O regime democrático, analisado na perspectiva das delicadas relações entre o Poder e o Direito, não tem condições de subsistir, quando as instituições políticas do Estado falharem em seu dever de respeitar a Constituição e as leis, pois, sob esse sistema de governo, não poderá jamais prevalecer a vontade de uma só pessoa, de um só estamento, de um só grupo ou, ainda, de uma só instituição.

Na realidade, o respeito incondicional aos valores e aos princípios sobre os quais se estrutura, constitucionalmente, a organização do Estado, longe de comprometer a eficácia das investigações parlamentares, configura fator de irrecusável legitimação de todas as ações lícitas desenvolvidas pelas comissões legislativas.

Cabe assinalar, antes de mais nada, que a unilateralidade da investigação parlamentar – à semelhança do que ocorre com o próprio inquérito policial – não tem o condão de abolir os direitos, de derrogar as garantias, de suprimir as liberdades ou de conferir, à autoridade pública (investida, ou não, de mandato legislativo), poderes absolutos na produção da prova e na pesquisa dos fatos.

(…)

As Comissões Parlamentares de Inquérito, à semelhança do que ocorre com qualquer outro órgão do Estado ou com qualquer dos demais Poderes da República, submetem-se, no exercício de suas prerrogativas institucionais, às limitações impostas pela autoridade suprema da Constituição. Desse modo, não se revela lícito supor, na hipótese de eventuais desvios jurídico-constitucionais de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que o exercício da atividade de controle jurisdicional possa traduzir situação de ilegítima interferência na esfera de outro Poder da República. Nem se diga, desse modo, na perspectiva do caso em exame, que a atuação do Poder Judiciário, nas hipóteses de lesão, atual ou iminente, a direitos subjetivos amparados pelo ordenamento jurídico do Estado, configuraria intervenção ilegítima dos juízes e Tribunais no âmbito de atuação do Poder Legislativo.

(…)

Cabe reconhecer, por tal razão, que a presença do Advogado em qualquer procedimento estatal, independentemente do domínio institucional em que esse mesmo procedimento tenha sido instaurado, constitui fator inequívoco de certeza de que os órgãos do Poder Público (Legislativo, Judiciário e Executivo) não transgredirão os limites delineados pelo ordenamento positivo da República, respeitando-se, em conseqüência, como se impõe aos membros e aos agentes do aparelho estatal, o regime das liberdades públicas e os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados às pessoas em geral, inclusive àquelas eventualmente sujeitas, qualquer que seja o motivo, a investigação parlamentar, ou a inquérito policial, ou, ainda, a processo judicial.

Em decisão por mim proferida no Supremo Tribunal Federal (MS 23.576/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO), já deixei acentuado que o Poder Judiciário não pode permitir que se cale a voz do Advogado, cuja atuação, livre e independente, há de ser permanentemente assegurada pelos juízes e pelos Tribunais, sob pena de subversão das franquias democráticas e de aniquilação dos direitos do cidadão.

(…)

Cabe assinalar, por isso mesmo, que as prerrogativas legais outorgadas aos Advogados possuem finalidade específica, pois visam a assegurar, a esses profissionais do Direito – cuja indispensabilidade é proclamada pela própria Constituição da República (CF, art. 133) -, o exercício, perante qualquer instância de Poder, de direitos próprios destinados a viabilizar a defesa técnica daqueles em cujo favor atuam.

Desse modo, não se revela legítimo opor, ao Advogado, restrições, que, ao impedirem, injusta e arbitrariamente, o regular exercício de sua atividade profissional, culminem por esvaziar e nulificar a própria razão de ser de sua intervenção perante os órgãos do Estado, inclusive perante as próprias Comissões Parlamentares de Inquérito. É por isso que se torna necessário insistir no fato de que os poderes das Comissões Parlamentares de Inquérito, embora amplos, não são ilimitados nem absolutos.

(…)

Nesse contexto, assiste, ao Advogado, a prerrogativa – que lhe é dada por força e autoridade da lei – de velar pela intangibilidade dos direitos daquele que o constituiu como patrono de sua defesa técnica, competindo-lhe, por isso mesmo, para o fiel desempenho do “munus” de que se acha incumbido esse profissional do Direito, o exercício dos meios legais vocacionados à plena realização de seu legítimo mandato profissional.

Por esse motivo, nada pode justificar o desrespeito às prerrogativas que a própria Constituição e as leis da República atribuem ao Advogado, pois o gesto de afronta ao estatuto jurídico da Advocacia representa, na perspectiva de nosso sistema normativo, um ato de inaceitável ofensa ao próprio texto constitucional e ao regime das liberdades públicas nele consagrado.

(…)

O Estatuto da Advocacia – ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) – assegura-lhe, como típica prerrogativa de ordem profissional, o direito de examinar os autos, sempre em benefício de seu constituinte, em ordem a viabilizar, quanto a este, o exercício do direito de conhecer os dados probatórios já formalmente produzidos no âmbito da investigação. Impende enfatizar que o Advogado, atuando em nome de seu constituinte, possui o direito de acesso aos autos da investigação penal, policial ou parlamentar, ainda que em tramitação sob regime de sigilo, considerada a essencialidade do direito de defesa, que há de ser compreendido – enquanto prerrogativa indisponível assegurada pela Constituição da República – em perspectiva global e abrangente.

É certo, no entanto, em ocorrendo a hipótese excepcional de sigilo – e para que não se comprometa o sucesso das providências investigatórias em curso de execução (a significar, portanto, que se trata de providências ainda não formalmente incorporadas ao procedimento de investigação) -, que o Advogado tem o direito de conhecer as informações “já introduzidas nos autos do inquérito, não as relativas à decretação e às vicissitudes da execução das diligências em curso (…)” (RTJ 191/547-548, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE – grifei).

(…)

Vale assinalar, por relevante, que o postulado da comunhão da prova, cuja eficácia projeta-se e incide sobre todos os dados informativos, que compõem o acervo probatório coligido pelas autoridades e agentes estatais, assume inegável importância no plano das garantias de ordem jurídica reconhecidas ao investigado e ao réu, pois, como se sabe, o princípio da comunhão (ou da aquisição) da prova assegura, ao que sofre investigação estatal – ainda que submetida esta ao regime de sigilo -, o direito de conhecer os elementos de informação já existentes nos autos e cujo teor possa ser, eventualmente, de seu interesse, quer para efeito de exercício da auto-defesa, quer para desempenho da defesa técnica.

É que a prova (inclusive a penal), uma vez regularmente introduzida no procedimento investigatório, não pertence a ninguém, mas integra os autos do respectivo inquérito ou processo, constituindo, desse modo, acervo plenamente acessível a todos quantos sofram, em referido procedimento sigiloso, atos de investigação por parte do Estado.

(…)

Sendo assim, tendo presentes as razões expostas – e considerando, sobretudo, as graves alegações constantes desta impetração -, defiro o pedido de medida liminar, para, nos estritos termos da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia), assegurar, aos Advogados do ora impetrante, que se acham regularmente inscritos nos quadros da OAB/Seção do Rio de Janeiro, e que atuam na defesa dos direitos do ECAD, ora impetrante, a observância e o respeito, por parte do Senhor Presidente da CPI do ECAD, e dos membros que a compõem, das seguintes prerrogativas estabelecidas no diploma legislativo mencionado:

(a) direito de receber, no exercício de suas atribuições profissionais, “tratamento compatível com a dignidade da Advocacia”, além de garantidas, para esse efeito, condições adequadas ao desempenho de seu encargo profissional (Lei nº 8.906/94, art. 6º, parágrafo único);

(b) direito de exercer, sem indevidas restrições, com liberdade e independência, a atividade profissional de Advogado perante a CPI do ECAD (Lei nº 8.906/94, art. 7º, I), assegurando-se-lhes a prerrogativa de que as suas petições, formuladas em nome da parte impetrante, sejam protocolizadas e apreciadas pela CPI em questão, inclusive o pleito pelo qual se haja solicitado “cópia do documento identificado como de caráter reservado e sigiloso”, notadamente porque documentos sob sigilo, mas formalmente incorporados aos autos de investigação, mostram-se plenamente acessíveis à pessoa investigada, tendo em vista o princípio da comunhão da prova;

(c) direito de “falar, sentado ou em pé”, perante a CPI do ECAD (Lei nº 8.906/94, art. 7º, XII), quando se revelar necessário intervir, verbalmente, para esclarecer equívoco ou dúvida em relação a fatos, documentos ou afirmações que guardem pertinência com o objeto da investigação legislativa – desde que o uso da palavra se faça pela ordem, observadas as normas regimentais que disciplinam os trabalhos das Comissões Parlamentares de Inquérito -, ou, ainda, para oferecer contradita a testemunhas, aplicando-se, no que couber, o art. 214 do CPP c/c a Lei nº 1.579/52 (art. 3º), assegurado, também, o direito de o representante   do ECAD fazer-se acompanhar de seus Advogados, mesmo que a sessão da CPI se faça “em reunião secreta” (Lei nº 1.579/52, art. 3º, § 2º, acrescentado pela Lei nº 10.679/2003).

2. Requisitem-se informações à autoridade apontada como coatora (Lei nº 12.016/2009, art. 7º, I).

3. Comunique-se, com urgência, transmitindo-se cópia da presente decisão, para efeito de seu integral cumprimento, ao Senhor Presidente da CPI/ECAD.

Publique-se.

Brasília, 05 de outubro de 2011.

(23º aniversário da promulgação da Constituição democrática de 1988)

Ministro CELSO DE MELLO

Relator” (destacamos)

 

N o t a s

 

            Com essa decisão, proferida no dia do 23º aniversário da Constituição da República Democrática do Brasil, o eminente Ministro Celso de Mello prestou-lhe homenagem. A discussão a respeito da amplitude de atuação do advogado, no caso concreto, deu-se em razão de cerceamentos e arbítrios praticados por uma Comissão Parlamentar de Inquérito contra o intimorato advogado Dr. Fernando Fragoso e seus colegas. Contudo, os fundamentos da decisão são evidentemente aplicáveis em qualquer âmbito do regular exercício de seu mandato.

            É lamentável que muitas pessoas somente venham a reconhecer a existência do direito de defesa quando necessitam ver-se defendidas por um advogado. O respeito aos princípios da presunção de inocência e do devido processo legal são decorrência lógica do exercício constitucional de um dever que é confiado pelo cidadão ao representante que constitui para zelar pelos seus interesses perante órgãos públicos ou particulares. Todavia, frequentemente o cidadão brasileiro tem facilidade em diminuir a importância não apenas dessas garantias, como também do papel do próprio advogado.

            O problema é que esse costumeiro descaso tem por objeto os direitos que são deles próprios e, quando uma autoridade processante que preside, por exemplo, uma CPI ou um processo criminal, partilha da mesma compreensão limitada dessas cláusulas constitucionais, o cidadão sofre. E, nele, toda a sociedade.

            Por vezes, pode parecer difícil, ao jurisdicionado, acreditar que, quando o advogado defende, publicamente ou em autos de um processo, o seu direito de acesso a autos, de ser atendido pelos juízes, de falar (de pé ou sentado) perante o órgão julgador e de se manifestar, a qualquer tempo, em nome daquele que lhe conferiu os poderes para defendê-lo, ele não está promovendo uma espécie de reserva de mercado, de supervalorização de sua profissão ou fazendo meras queixas formais. Não. Isso porque todas essas garantias (e outras) estão previstas na Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994, e o advogado, no exercício de suas funções, não fala em nome próprio, mas de outrem – aliás, lembre-se a essência da sua função é, sempre, postular o respeito aos direitos de outra pessoa, e não os seus.

            A Constituição, quando estabeleceu que “o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão“, não foi leviana: postou-o como limite na tensa relação existente entre pessoas com interesses opostos. Um porta-voz distante o suficiente de seu constituinte para não se deixar influenciar por suas pretensões eventualmente improcedentes, mas, também, um mediador forte e independente o bastante para levar às últimas consequências o direito de seu cliente, quando for justo. Os mais experientes indicam que não é prudente defender-se a si próprio, assim como é destrutivo, a toda a sociedade, aplaudir a confusão que normalmente se faz entre exercício de defesa e impunidade: um, é direito pleno, saudável, democrático e à disposição de todos; outro, um problema político, social e cultural crônico, não somente do Brasil, mas de várias nações mundo afora.

            Portanto, nas palavras do Min. Celso de Mello: “cabe reconhecer, por tal razão, que a presença do Advogado em qualquer procedimento estatal, independentemente do domínio institucional em que esse mesmo procedimento tenha sido instaurado, constitui fator inequívoco de certeza de que os órgãos do Poder Público (Legislativo, Judiciário e Executivo) não transgredirão os limites delineados pelo ordenamento positivo da República, respeitando-se, em conseqüência, como se impõe aos membros e aos agentes do aparelho estatal, o regime das liberdades públicas e os direitos subjetivos constitucionalmente assegurados às pessoas em geral, inclusive àquelas eventualmente sujeitas, qualquer que seja o motivo, a investigação parlamentar, ou a inquérito policial, ou, ainda, a processo judicial.”

 

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