Informações processuais na página dos tribunais e confiabilidade

A decisão abaixo transcrita discorre sobre assunto tão atual quanto relevante:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. INFORMAÇÕES PROCESSUAIS DISPONIBILIZADAS NA PÁGINA OFICIAL DOS TRIBUNAIS. CONFIABILIDADE. JUSTA CAUSA. ART. 183, § 2º, DO CPC. PRESERVAÇÃO DA BOA-FÉ E DA CONFIANÇA DO ADVOGADO. PRINCÍPIOS DA EFICIÊNCIA E DA CELERIDADE PROCESSUAL. INFORMAÇÃOCONSIDERADA OFICIAL, APÓS O ADVENTO DA LEI N.º 11.419⁄06.

1. O equívoco ou a omissão nas informações processuais prestadas na página eletrônica dos tribunais configura justa causa, nos termos do art. 183, § 2º, do CPC, a autorizar a prática posterior do ato, sem prejuízo da parte.

2. A confiabilidade das informações prestadas por meio eletrônico é essencial à preservação da boa-fé e da confiança do advogado, bem como à observância dos princípios da eficiência da Administração e da celeridade processual.

3. Informações processuais veiculadas na página eletrônica dos tribunais que, após o advento da Lei n.º 11.419⁄06, são consideradas oficiais. Precedente específico desta Corte (REsp n.º 1.186.276⁄RS).

4. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.”

(STJ – REsp 960280/RS – 3ª T. – Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino – DJe de 14.6.11)

 

Do corpo do acórdão, extraem-se as seguintes passagens, no que importa aos presentes comentários:

“A controvérsia devolvida a esta Corte versa acerca da possibilidade de se permitir a reabertura de prazo para a prática de ato processual que não foi realizado em razão de equívoco ou omissão constante nas informações processuais veiculadas na página eletrônica do Tribunal de Justiça. (…)

Ocorre que, por omissão do cartório judicial, não foi publicada na página eletrônica do Tribunal de Justiça informação acerca da juntada aos autos do aviso de recebimento da última carta de citação, de tal modo que nenhum dos réus respondeu à ação.

Com o intuito de evitar o reconhecimento da revelia, os réus se manifestaram nos autos esclarecendo o ocorrido e requerendo a reabertura de prazo para a resposta, não tendo o Magistrado e o Tribunal de origem reconhecido a configuração de justa causa.

Inicialmente, ressalto que perfilhava o entendimento de que as informações processuais constantes do ‘site’ dos tribunais teriam caráter meramente informativo e que, por não serem oficiais, não serviriam de justa causa para a prática do ato.

Assim, compartilhava do entendimento pacificado nesta Corte Superior no sentido de que a veiculação de informações processuais por meio eletrônico não serve como parâmetro para contagem dos prazos. (…)

Voltando a refletir acerca do tema, porém, decidi rever esse entendimento, em função da importância adquirida pelo processo eletrônico e, consequentemente, das informações eletrônicas no momento atual do Poder Judiciário brasileiro. (…)

Convenci-me de que, no atual panorama jurídico e tecnológico, é imprescindível que se atribua confiabilidade às informações processuais que são prestadas pela página oficial dos tribunais.

De um lado, não parece razoável que o conteúdo de acompanhamento processual eletrônico dos tribunais não possa ser digno de plena confiabilidade por quem o consulta diariamente. Mesmo apresentando um caráter informativo, deve ter um mínimo de credibilidade.

A disponibilização eletrônica de informações acerca dos processos judiciais visa a facilitar o trabalho dos advogados e o acesso das próprias partes ao conteúdo do andamento do seu processo.

É uma facilidade que as inovações tecnológicas propiciam e que permite ao advogado acompanhar o trâmite processual sem a necessidade de se dirigir ao cartório a cada movimentação.

Todavia, se não se pode confiar nas informações veiculadas, a finalidade de tal inovação acaba por ser desvirtuada. Afinal, a informação prestada erroneamente é, à toda evidência, mais danosa do que a simples ausência de informação.

De outro lado, as informações processuais eletrônicas auxiliam consideravelmente o trabalho desempenhado dentro da própria Justiça, configurando importante questão de política judiciária.

Com efeito, na esteira da evolução que a virtualização dos processos representou, a confiança nas informações processuais fornecidas por meio eletrônico implica maior agilidade no trabalho desenvolvido pelos cartórios e pelas secretarias judiciais, ensejando maior observância ao princípio da eficiência da Administração e, por conseguinte, ao princípio da celeridade processual.

Ademais, conforme bem apontado pelo ilustre Ministro Massami Uyeda no julgado precitado, as informações veiculadas pelos tribunais em suas páginas da Internet, após o advento da Lei n.º 11.419⁄06, devem ser consideradas oficiais, de tal sorte que eventual equívoco ou omissão não pode ocorrer em prejuízo da parte.

Note-se que, no caso em tela, o simples fato de o advogado dos réus ter confiado no sistema de informação processual disponibilizado na internet pelo próprio Tribunal ensejou a drástica configuração da revelia, o que não pode ser admitido.

Imprescindível, portanto, proteger a confiança e a boa-fé das partes frente a erro ou a omissão de serventuários da Justiça na disponibilização de informações processuais, com o reconhecimento da configuração da justa causa a que alude o § 2º do art. 183 do Código de Processo Civil.

Ante o exposto, dou provimento ao recurso especial, reconhecendo a configuração de justa causa e determinando a reabertura do prazo para apresentação de resposta.

É o voto.” (destacamos)

 

N o t a s

 

            O tema debatido na decisão acima é típico do atual período de transição pelo qual passa o Poder Judiciário, relativamente à informatização dos processos. Faz quase 5 (cinco) anos que foi promulgada a Lei nº 11.419/2006, segundo a qual “o uso de meio eletrônico na tramitação de processos judiciais, comunicação de atos e transmissão de peças processuais será admitido” em todo o país, “aos processos civil, penal e trabalhista, bem como aos juizados especiais, em qualquer grau de jurisdição” (arts. 1º e 2º). Foi um passo determinante na alteração do modo como o jurisdicionado passou a se relacionar com a jurisdição.

            Da mesma forma como os estacionamentos frequentemente penduram placas dizendo que “não nos responsabilizamos pelos pertences deixados no interior de seu veículo” e os hotéis advertem os hóspedes de que “bens deixados no interior do quarto são de sua responsabilidade”, era (e ainda é) comum encontrar a seguinte ressalva nas movimentações dos processos nas páginas oficiais do Judiciário: “essa informação não vale como certidão e não tem valor oficial”. Mas, indaga-se: se uma informação – dada pelo próprio serviço público – não tem valor oficial e tampouco pode ser utilizada como comprovação de situação alguma, qual é a sua serventia? Ou, como ponderou o Min. relator Paulo de Tarso Sanseverino: “a informação prestada erroneamente é, à toda evidência, mais danosa do que a simples ausência de informação“. De fato.

            Até então, o Estado (Judiciário) vinha sustentando um entendimento segundo o qual todos os gastos públicos com o material eletrônico, com os servidores responsáveis pela organização das informações processuais, com os softwares adequados, com os técnicos de informática, enfim, todo o investimento dos recursos advindos dos tributos pagos pelo cidadão eram empregados no fornecimento de informações que, além de não serem consideradas confiáveis pelo próprio Estado, ainda poderiam prejudicar o cidadão que, delas, por boa-fé, resolvesse depender. Como depender de um administrador que não confia nele mesmo?

            A decisão do Superior Tribunal de Justiça, portanto, lembra da existência da Lei nº 11.419/2006, leva-a a sério e, ao mesmo tempo em que força um reposicionamento do Estado com relação às técnicas que ele mesmo produz e emprega, inicia, com maior segurança, um relacionamento mais saudável do Brasil com a era do processo eletrônico. Uma era na qual, se tudo der certo, o Brasil ingressará sem que precise retroceder.

 

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