Absolvição por ausência de provas e interesse recursal da defesa

 

             Cabe recurso da defesa quando o réu é absolvido por ausência de provas? Para o Tribunal Regional da 3ª Região, sim. Confira-se a ementa da decisão unânime de sua 2ª Turma, abaixo:

“PENAL. APELAÇÃO. ESTELIONATO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA NOS TERMOS DO ART. 386, VII, CPP. INTERESSE RECURSAL DA DEFESA. COMPROVAÇÃO DA AUSÊNCIA DE DOLO NAS CONDUTAS DESCRITAS. ATIPICIDADE. PROVA DOCUMENTAL. ALTERAÇÃO DO FUNDAMENTO LEGAL DA SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ART. 386, III, CPP.

1 – Os réus foram denunciados por atos que, em tese, caracterizariam o delito de estelionato, consistentes em patrocinar os interesses de autores falecidos em ação de matéria previdenciária, sem informar ao Juízo os óbitos de seus clientes, ocorridos no curso da ação.

2 – A r. sentença recorrida os absolveu por insuficiência de provas para a condenação, com fulcro no art. 386, VII, do CPP, motivo pelo qual interpuseram a presente apelação, pleiteando a alteração do fundamento legal do decreto absolutório.

3 – É patente o interesse recursal dos réus, pois a absolvição por comprovação da atipicidade da conduta ou da inexistência do fato lhes resulta mais benéfica tanto no aspecto da responsabilidade civil quanto no âmbito moral, conferindo a certeza quanto ao não cometimento do crime.

4 – Embora os causídicos tenham efetivamente praticado as irregularidades processuais descritas na denúncia, o que denota censurável desídia profissional, o conjunto probatório revela que agiram com lisura com relação aos réus falecidos e seus herdeiros, o que restou comprovado pela menção ao processo pendente nas últimas declarações e no auto de inventário de um dos clientes, bem como pelos recibos assinados pelos herdeiros quanto ao levantamento efetuado após a sua morte.

5 – Ante a comprovação de que os réus não agiram com dolo de alcançar o duplo resultado característico do estelionato (obtenção de vantagem ilícita e prejuízo alheio), sendo evidente a atipicidade da conduta, é de rigor que se dê provimento à apelação para alterar o fundamento legal do decreto absolutório, devendo se basear nos termos do art. 386, III, do CPP.

6 – Apelação provida.”

(TRF 3.ª R. – AP 2006.61.17.001736-1 (0001736-06.2006.4.03.6117) – 2ª T. – Rel. Des. Fed. Cotrim Guimarães – DJe de 24.2.11)

 

N o t a s

 

            Nos termos do art. 577, parágrafo único, do Código de Processo Penal, “não se admitirá recurso da parte que não tiver interesse na reforma ou modificação da decisão“. No caso acima, a defesa apelou pleiteando justamente a alteração do fundamento pelo qual o réu foi absolvido, substituindo-se a ausência de provas por estar provada a inexistência do fato (CPP, art. 386, I) ou por ser o fato atípico (CPP, art. 386, III). E a Procuradoria Regional da República, em seu parecer, manifestou-se contrariamente ao provimento do apelo.

            Porém, conforme consignou o relator, “é patente o interesse recursal dos réus, pois a absolvição por comprovação da atipicidade da conduta ou da inexistência do fato lhes resulta mais benéfica tanto no aspecto da responsabilidade civil quanto no âmbito moral, conferindo a certeza quanto ao não cometimento do crime.” Ocorre que não é sempre que o Judiciário se mostra sensível aos possíveis reflexos de ordem civil ou diversa que uma sentença criminal pode acarretar ao cidadão.

            Quando há a prescrição, por exemplo, os tribunais têm entendido, em sua maioria, que falece ao réu interesse em recorrer (STJ, RMS 26729), eis que essa condenação não configura antecedente negativo, tampouco anula sua primariedade (STJ, REsp 31440). Mas, indaga-se: como ficam os efeitos civis da condenação criminal? E se o condenado pretender concorrer a cargo eletivo, continuará ele “ficha limpa”? E para fins profissionais, um juízo de mérito da condenação criminal não poderia prejudicar a obtenção de um emprego ou a efetivação de um negócio? Nos concursos públicos, seria ele preterido em favor dos outros concorrentes?

            Em que pese seja possível sustentar que a prescrição da condenação criminal impede qualquer tipo de prejuízo ao réu – o que é, tecnicamente, correto – sabe-se que, na prática, permanecerá, nos autos, a sentença alinhavando todos os fundamentos pelos quais o magistrado se convenceu de que o cidadão praticou um crime. E isso tem evidentes consequências, não apenas jurídicas, como também sociais, ficando o conceito objetivo e subjetivo da pessoa seriamente abalados. Afinal, o juízo de reprovação é real; mas a prescrição, é abstrata.

 

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