O permanente do Bugre

Bugre queria dar um tapa no visual, mas não tinha coragem. O que incomodava era o cabelo escorrido, queimado do sol. Parecia que tinha sido jogado na sua cabeça. Era o resultado de anos a fio vendendo pipoca nas portas dos colégios para complementar a aposentadoria. Agora os negócios iam bem e Bugre, que era viúvo há muitos anos, estava bem inclinado a se dar este presente.

Era incentivado pelos rapazes do colégio Regente, que ficavam atiçando o velho Bugre. Quando passava uma moça bonita, diziam logo que a beldade tinha olhado para o Bugre. Ele mostrava aquele riso de dentadura. Era raro vê-lo sorrir. Falava pouco e tinha que fazer esforço enorme para entendê-lo, o que mais parecia ser um rosnado. A expressão do rosto era triste, de quem não teve moleza na vida. Nunca se queixava. Apesar da cara fechada, mostrava bom humor com os folgados alunos, mesmo quando ele era objeto de brincadeiras.

Um dia o Bugre decidiu: avisou que tinha marcado cabelereiro na sexta. Ia fazer o ‘permanente‘, como se dizia na época. Nada mais, nada menos do que encrespar os cabelos. A meta era arrumar uma namorada. Quando o ingênuo Bugre deu a notícia, o colégio noturno entrou em polvorosa. A piazada torrou a paciência, dando ideias de penteado. Chamavam as moças ao carrinho de pipoca para que elas dessem opinião, tremenda muvuca.

Chegado o dia, o Bugre foi dar aquele trato no telhado e ficou a expectativa do resultado. Numa noite de segunda-feira de inverno congelante, o homem apareceu renovado. Lá estava ele com o indefectível sobretudo marrom vendendo suas pipocas. E não é que capricharam na cabeleira do Bugre! O queimado de sol resolveram com uma pintura e o liso excessivo deu lugar a um enrolado miudinho, tipo macarrão miojo. O visual remoçou o velho Bugre, até que ele encarasse o interlocutor de frente. Aí a coisa destoava completamente. Surgia uma máscara tristonha imprimida no rosto, o olhar transtornado, os vincos que marcavam duramente a face não combinavam com o arrojo do novo penteado.

Ali o permanente perdia o efeito e não havia plástica que desse jeito, porque a doença do Bugre era na alma. As vicissitudes, as marcas que a vida deixa, Bugre guardava-as todas e os efeitos estavam vivos no seu semblante. Mas diz o ditado que Deus dá o frio conforme o cobertor. Bugre parecia satisfeito com o ‘up grade‘ que o novo cabelo lhe trouxe. A piazada do colégio tirava sarro, com falsos elogios, mas moças e rapazes passaram a vir comprar mais pipoca do Bugre, até por curiosidade.

O objetivo tinha sido alcançado: Bugre ainda não tinha arrumado namorada, mas conseguiu atrair a atenção dos jovens. Inconscientemente, era o que ele buscava. Curtia os arroubos juvenis, os xistes e até um suave bullying que faziam com ele, mas o mais interessante é que recebia atenção. Bugre não era um velho invisível como os outros idosos que ficam jogados nos asilos na esperança de receber uma visita de um parente ou de qualquer um disposto a ‘perder‘ alguns minutos com eles. O pipoqueiro era festejado pela galera todas as noites e era aquilo que o fazia retornar com o carrinho de pipoca iluminado por um ‘liquinho‘. Quando a rapaziada via o homem se instalando, colocando pipoca na panela para estourar, alguém logo decretava: – Vamos lá encher o saco do Bugre!

E começava a festa.

*Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.