Cuidado com este monstro!

Um brasileiro septuagenário já passou por dez trocas de moedas. A confusão é tanta, que se perguntar para eles quando ocorreram as mudanças e em que elas consistiam dificilmente alguém saberá explicar.

Em 2014, a implantação do Plano Real que pôs fim a toda esta muvuca, vai completar 20 anos. É fácil defender a manutenção da atual ordem econômica. Basta olhar para um passado não tão remoto para ver que estávamos sendo assados pela baforadas generosas do dragão da inflação. No século 20, a inflação no Brasil atingiu a incrível marca de um quintilhão por cento, segundo dados do IBGE. Como fica isso em números: 1.113.694.017.650.000%.

Para tentar domar o ímpeto da fera, os governos fizeram muitas gambiarras ao longo da história. Tomando como base o período a partir de 1942, o governo implantou o cruzeiro com centavos como moeda. Isso durou até 1964, ano em que os militares tomaram o poder e cortaram os centavos do cruzeiro. Em 1970, a década do milagre econômico, do “prá frente Brasil”, os militares devolveram os centavos do cruzeiro.

Em 1984, já na chamada “década perdida”, quando o país mergulhou em um período de inflação alta, associada a estagnação econômica, novamente foram cortados os zeros do cruzeiro. Isso durou até 1986, quando o governo José Sarney tirou da manga o Plano Cruzado, com direito a tablitas, confisco de boi no pasto e estelionato eleitoral. O Plano Cruzado pode não ter estabilizado a economia, mas o partido do presidente, o PMDB, elegeu em 1988 a maior parte dos governadores e parlamentares que escreveram a Constituição.

Em 1989 a coisa começou a desmoronar e o governo tentou remendar o plano com o Cruzado Novo, mas era tarde demais para um barco que já estava afundando. Foi assim que em 1990 o cruzeiro voltou à cena brasileira, permanecendo em circulação até 1993, dando lugar ao cruzeiro real, implantado em 1994. Uma viagem tenebrosa!

Antes de instituir o real, o governo da época tomou o cuidado de criar a (URV) Unidade Real de Valor. Isso porque as pessoas tinham perdido a noção de valor das coisas. Ninguém sabia quanto era justo pagar por uma caixa de fósforos. Pouco antes da implantação do real, os trabalhadores conseguiam reajustes salariais na base do gatilho. Mas só recebiam 40% do valor por causa da corrosão inflacionária. Ou seja, a indexação se retroalimentava e seus efeitos nocivos eram ainda mais devastadores na economia, ao estimular a ciranda financeira, a especulação e praticamente extinguir os investimentos de risco, que são uma característica clara de um sistema econômico sadio.

Eram os sinais evidentes de que hiperinflação chegava para ficar. No primeiro semestre de 1994 o índice acumulado da inflação batia em 757% e em 12 meses já alcançava 4.900%. Se acha pouco basta comparar com a previsão de inflação deste ano, que deve fechar em 5,85%, segundo previsão de economistas. Este número bem comportado, se compararmos com a montanha russa do nosso passado econômico, é motivo de preocupação. Estamos longe do centro da meta (4,5%), estabelecido pelo Banco Central. É culpa governo? É, sim senhor! Os economistas cobram que o atual governo abandonou o tripé econômico que manteve o dragão hibernando nos governos FHC e Lula: geração de superávits primários nas contas públicas, regime de câmbio flutuante e o de metas para a inflação. O próximo governo deve pensar no crescimento econômico, sem desleixar do controle firme da inflação. Ou os nosso velhinhos terão que marcar mais uma troca de moeda no currículo. São Jorge que nos proteja!

*Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.