A moça de costas quentes

Ela tem as costas quentes, não é possível! Um novo condomínio é construído em localização privilegiada, objeto do desejo de muitos e adivinhem quem é a mais nova moradora do local? Ticiana Magal. Não há dúvida, é ela mesma. Sempre muito bem posta, cabelo arrumado, um sorriso sedutor no rosto, quase não usa maquiagem. Tem grana para isso, mas é que não precisa mesmo. A natureza lhe foi generosa. É altiva, cabelos pretos, pele branca, tem um jeito suave, encantador. Não abusa de decotes ou roupas curtas. Isso é para piriguetes, não para Ticiana Magal.

Mas que estrela tem essa moça! É só pintar um lance legal e ela emplaca fácil. Tinha um cobiçado cargo numa multinacional, mas saiu por desentendimento. Não ficou desempregada por muito tempo. Um grande grupo de comunicação abriu uma sucursal naquela cidadezinha do interior e quem foi gerenciar o escritório? É pule de dez, como se diz em corridas de cavalo. No dia da inauguração Ticiana Magal é apresentada como a chefe da sucursal, estava toda prosa com seu tailler muito bem cortado, sorriso aberto. Os críticos e invejosos questionavam a sua competência para esta empreitada, afinal é um ramo que precisa ter pele fina: vender bem e fazer jornalismo. Às vezes o cliente vira foco de matéria e aí a coisa complica. Mas os padrinhos da moça garantiam que ela tiraria de letra.

O magnetismo que ela exercia na ala masculina da província incomodava as esposas, mas era um sentimento velado. Isso porque Ticiana Magal – Tici para os íntimos -, não resvalava. Mantinha uma barreira invisível que a protegia dos mais avançadinhos. Mas era intrigante como uma moça bonita e bem sucedida continuava solteira. Pretendentes não lhe faltam, mas ela insistia em ficar sozinha.

Boatos gravitavam em torno dela e um dos mais fortes era de que Ticiana havia se tornado a favorita do juiz Bartolomeu, um poderoso magistrado, que adorava ser bajulado. Suas sentenças costumavam ser de acordo com o tratamento que recebia dos contendores. Quem tinha juízo e rabo preso tratava logo oferecer jantares e recepções ao juiz. Nunca se sabe, seguro morreu de velho.

A ligação de Ticiana com o juiz fazia todo sentido: o temor de sofrer uma canetada poderia abrir muitas portas. Tudo na surdina: Bartolomeu era casado, tinha família e queria manter as aparências.

Mas quem disse que a vida é assim, retilínea, previsível! Durante uma escapada com a jovem amante, o juiz Bartolomeu pifou no motel. Não foi só o instrumento, mas o dono dele também. Infarto fulminante, sem aviso prévio. A dupla jornada com duas mulheres, a esposa e Ticiana, tinha sido demais para o corpo cansado do velho magistrado. Ticiana não sabia o que fazer. Seria escorraçada se fosse encontrada pelada com um cadáver, logo o do juiz Bartolomeu. Ligou para o prefeito, a conversa foi entrecortada por choro convulsivo, mas o recado estava dado e o político logo vislumbrou a possibilidade: o terreno estava livre.

Chamou o chefe de gabinete, deu instruções precisas para resgatar Ticiana e fazer o corpo do juiz miraculosamente “aparecer” no fórum, devidamente trajado, obviamente, e assim foi feito. Bartolomeu foi enterrado com todas honras e nos bastidores Ticiana Magal foi considerada uma heroína, afinal tinha livrado a cidade de um pentelho achacador. Agora, Ticiana Magal está trabalhando no staff do prefeito. Quis mudar de ares, descobriu que a área de comunicação não era a sua praia. Que estrela tem essa moça!

*Miguel Ângelo de Andrade publica a coluna ‘Pelas ruas da cidade’ durante as férias de Edilson Pereira.