Síndrome da perfeição

Em uma das datas agendadas para a aplicação de botox em uma paciente, ela me disse que estava grávida. De imediato falei que então não seria possível realizar a aplicação, primeiro porque aquela, como várias outras terapêuticas, não é recomendada na gravidez. A segunda razão é aquela para a qual procuro chamar a atenção dos pacientes, a ?síndrome da perfeição?, comportamento que parece estar se alastrando descontroladamente, típico das pessoas que ficam escravizadas pelas conquistas da ciência e pelo mercado da beleza.

Desde a década de 1990, novas terapêuticas, substâncias e técnicas cirúrgicas tornaram possível a pele perfeita, as formas esculpidas, o retardo do envelhecimento cutâneo. Isso faz com que as pessoas fiquem perdidas, querendo experimentar tudo o que aparece, muitas vezes, sem real necessidade. Começam até a ver defeitos que não têm, perdem a noção de proporção de um sinal, de uma mancha, de uma marca de expressão. Querem fazer peeling, laser, lipoaspiração, aplicar toxina botulínica e o que mais surgir. Se pudessem, acho que fariam tudo ao mesmo tempo. É um comportamento que envolve problemas de autodistorção de imagem e precisa ser visto do ângulo psicológico. Por isso procuro orientar esses pacientes para que também busquem ajuda emocional. Foi exatamente o que aconteceu com essa paciente grávida. Tudo indicava que o desespero pela beleza estaria encobrindo uma não-aceitação da gravidez. Conversamos muito, e, aos poucos, fui ressaltando a beleza da gestação e sobre a maneira que os hormônios nos ajudam nessa fase. A fiz entender que aquele era um momento de ela também se olhar para dentro, se redescobrir. Somente depois de um ano ela voltou, trazendo estrias ?reais? que ganhou nos seios devido à gravidez. Elas foram facilmente atenuadas com as maravilhosas conquistas da cosmiatria. Aproveitar esse momento para crescer, se redescobrir, é fantástico.

Shirlei Borelli, dermatologista.

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