O especialista: O elogio da loucura

ms02300806.jpgMais uma vez, em recente abordagem da mídia, somos obrigados a ouvir a defesa da desassistência psiquiátrica. Os argumentos estão velhos, encanecidos, mas insistentes. Quase sempre os motes são os seguintes: a loucura nada mais é do que uma forma diversa de sentir a realidade. Não é uma doença, mas, muitas vezes, uma forma de se libertar da opressão da sociedade. É produzida pela família para se livrar de seus membros inconvenientes. A loucura não deve se enquadrar no modelo médico de diagnóstico, prognóstico e tratamento.

É claro que todos estes argumentos são apresentados com cenas, ao fundo, degradantes, similares a campos de concentração ou então com os loucos e seus terapeutas com violões e percussão fazendo um som legal. É pena que isso não seja verdade e que o real esteja bem distante da mentira antimanicomial.

A loucura é a maior das tragédias de que um ser humano pode ser vítima. O delírio é um sofrimento permanente. Alguém persegue o psicótico e ele não sabe quem é, nem o motivo, e muito menos porque ele é o alvo da perseguição. Sons distorcidos e sem sentido, repentinamente transformam-se em gritos, pancadas, assobios e então se consubstanciam em vozes. Vozes que o chamam, a seguir o ofendem com palavrões e por fim dão ordens.

A família perplexa, que depositava naquele rapaz ou moça as esperanças de um crescimento sadio, com o futuro pela frente, tudo a se realizar e ser conquistado, percebe que nada disso vai acontecer. O futuro foi barrado pela loucura. Não mais estudos, não mais trabalho, não mais profissão, não mais esperanças. As perspectivas do mundo melhor se acabam com a instalação do processo psicótico.

Acabou-se a vida do psicótico? Não, é claro que não, mas se acaba a qualidade de vida, a possibilidade de usufruir do mundo todas as suas nuances, a capacidade de expandir ao máximo suas potencialidades como indivíduo e como ser pensante e criativo. Não raro se acaba, também, a capacidade civil, de testar, de gerir. O que se encerrou, infelizmente foi a capacidade de se autodeterminar, de ser livre, de expressar de modo completo e cabal a sua vontade e de guiar os seus fatos conforme os seus desejos.

A loucura é uma tragédia. Aqueles que a elogiam e engrandecem ou são ingênuos, ou são insensíveis ou estúpidos, ou então dela querem se aproveitar de algum modo, caso do chamado movimento antomanicomial. Não sabem do que falam. E, se a arte dependesse da loucura para existir, morte à arte. Viva a sanidade mental!

Paulo Cesar Geraldes, médico psiquiatra, doutor em Saúde Mental e presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro.

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