Glúten é o inimigo dos celíacos

Embora não haja números oficiais, estima-se que há cerca de 300 mil celíacos no Brasil, de acordo com informações da Acelbra – Associação dos Celíacos do Brasil.

Um estudo realizado recentemente pela Unifesp -Universidade Federal de São Paulo, com doadores de sangue, indicou a existência de um portador para cada grupo de 214 habitantes.

A doença celíaca é auto-imune e caracteriza-se pela intolerância ao glúten, proteína presente na semente de muitos cereais, que provoca irritação na parede do intestino delgado e lesões intestinais, prejudicando a absorção de nutrientes provenientes da alimentação.

Se não identificada e tratada, as lesões aumentam em extensão, levando ao emagrecimento. Devido aos graus variados de desnutrição, surgem sintomas como fraqueza, cansaço, fadiga e distensão abdominal.

“Não é comum, mas o paciente pode, muitas vezes, sofrer náuseas e vômitos. Inclusive, apresentar distúrbios psicogênicos, como depressão, ansiedade e uma tendência ao suicídio, principalmente nas mulheres”, explica o cirurgião do aparelho digestivo Evandro Pinheiro.

Além disso, o paciente acaba desenvolvendo também intolerância à lactose, apresentando diarréia, que pode evoluir para a prisão de ventre. No Brasil, a lei 10.674, de 2003, obriga os fabricantes de alimentos a informar na embalagem os produtos que contem ou não o glúten, evitando que os celíacos consumam a substância sem saber.

No entanto, ainda existem muitas falhas na fiscalização dessa lei, de modo que alguns alimentos não trazem essa especificação e outros são contaminados por glúten no processo de fabricação, prejudicando a vida dos milhares de portadores da doença.

Diagnóstico complexo

De acordo com Pinheiro, apesar de estar relacionada ao intestino delgado, os sintomas da doença celíaca muitas vezes não aparecem nesse órgão, sendo comumente identificada como outras patologias.

“O paciente, por desconhecer, acaba procurando especialistas de diversas áreas, em uma verdadeira peregrinação por consultórios médicos, até obter o diagnóstico definitivo”, ressalta.

Por outro lado, os especialistas também encontram dificuldades no diagnóstico da doença, pois ela apresenta quadro clínico variado, podendo se manifestar em sua forma clássica, não clássica, latente e assintomática.

Além disso, muitos sintomas podem ser comuns de outras doenças, por vezes sem qualquer relação com o intestino, como dermatite, prurido e dor articular, entre outros.

O diagnóstico é feito por meio da história clínica detalhada e exames para comprovar ou não a existência da doença, entre eles, exame de sangue com perfil bioquímico completo e testes sorológicos específicos para anticorpos antigliadina.

Conforme o especialista, também são utilizadas provas de absorção intestinal, da dexilodase, determinação de gordura fecal, teste de tolerância e absorção da lactose – a proteína presente no leite -, e o exame de trânsito intestinal, que pode identificar alterações das vilosidades intestinais sugestivas da doença.

O exame “padrão ouro” – considerado o mais importante – para o diagnóstico da doença celíaca é a biopsia feita por meio da endoscopia. “Vários fragmentos das áreas suspeitas de lesão são retirados do intestino para o estudo fisiopatológico dos tecidos”, explica o médico.

Dieta restritiva

O tratamento requer dieta com vários níveis de restrição -Há três fases de tratamento. A primeira impõe ao paciente uma restrição alimentar ampla, já que, dependendo do desenvolvimento e estágio da doença, e conforme a lesão no órgão, ele começa a ter dificuldade de absorver uma série de substâncias.

O objetivo é recuperar a saúde do intestino de modo que a absorção dos nutrientes volte, aos poucos, ao normal. Esse in&ia,cute;cio é totalmente isento de glúten, com utilização alimentos, como fubá, amido de milho, creme de arroz, fécula de batata, araruta, polvilho, farinha de mandioca, de milho e trigo sarraceno em substituição à proteína.

Paralelamente, deve ser realizada uma dieta isenta de lactose, mas que pode utilizar o leite de soja, caseinatos, entre outros. Também deve ser pobre em sacarose, substituída pela maltose e pela dextrina.

É aconselhada a ingestão de gorduras vegetais (óleo de soja, milho, canola, girassol e oliva), proteínas animais, legumes e frutas com pouco resíduo (caroços ou bagaços).

O tempo de transição para a segunda fase varia, dependendo da resposta do organismo do paciente. A dieta vai sendo liberada aos poucos, permanecendo somente a isenção total de glúten, por isso é importante saber se o alimento industrializado contém ou não a substância. Na terceira fase, é feita a manutenção da dieta, sem o uso de glúten para o resto da vida.

Os medicamentos podem ser utilizados somente para repor as carências vitamínicas, na fase de descontrole da doença em que o organismo necessita de nutrição.

Por exemplo, em caso de diarréia forte, é feita uma aplicação intravenosa. Já quando a pessoa precisa repor os nutrientes que perdeu, pode ser alimentada por uma sonda. Os corticóides só são utilizados em casos extremos. A cirurgia é indicada apenas se houver sangramento e perfuração, considerados eventos raros.

Contaminação

A contaminação de alimentos por glúten é possível e pode causar os sintomas da doença. O cirurgião do aparelho digestivo Evandro Pinheiro explica que não é o caso de uma faca utilizada para cortar um alimento com glúten e sim o uso de uma panela com resíduos, por exemplo.

O que ocorre com mais frequência é a contaminação durante o processo de industrialização em que produtos sem glúten entram em contato com a proteína, pois a empresa, por exemplo, utilizou o mesmo recipiente para preparo.

Nesses casos, geralmente o paciente apresenta alguma reação. “É indicado o exame de análise de anticorpos para saber se está sendo seguida a dieta ou a contaminação é devida a fatores externos”, explica o médico.

Todo o organismo

Além dos sintomas gastro-intestinais, há manifestação de outros órgãos e sistemas, como por exemplo, músculo esquelético, dor óssea, artralgias e miopatias, entre outros.

* Sistema endócrino: baixa estatura e atraso no desenvolvimento sexual
* Sistema gineco-obstétrico: amenorréia, aborto e diminuição da fertilidade
* Sistema tegumentar (pelos, pele e unhas): prurido, edema e bolhas
* Sistema hematogênico: anemia e deficiência de vitamina K