Estresse no trânsito

Na atualidade fala-se muito em stress sem que, muitas vezes, saiba-se sobre o quê se está falando. O stress (ou estresse) é uma reação do organismo frente às ameaças do ambiente. O corpo reage tornando-se mais alerta e preparando-se para uma situação de emergência: lutar ou fugir!

Imagine um animal qualquer, ou mesmo um humano em estágio selvagem, que encontra um predador – ou seja: a ameaçadora figura de uma fera, com suas garras e dentes cortantes, faminta! Nesse momento, ocorre uma reação em cadeia da qual participam diversas estruturas nervosas e glândulas endócrinas, liberando neurotransmissores e hormônios, como por exemplo, a adrenalina. A liberação da adrenalina leva ao aumento da pressão arterial, à aceleração da freqüência cardíaca e do ritmo respiratório, entre outras reações. Essas medidas visam propiciar melhor oxigenação dos músculos, em geral, para que o organismo possa obter mais energia e assim, lutar ou fugir. Passado o susto e uma vez contornado o problema, ocorre uma reação instintiva de respirar profundamente e manter-se quieto, permitindo o restabelecimento normal das funções, ou seja: diminuição da pressão arterial e dos batimentos cardíacos.

No entanto, o homem civilizado, em sua vida sedentária, sofre uma série de ameaças diariamente e não dá vazão para a energia extra colocada a seu dispor pela reação de stress. Na maioria das vezes, sequer tem um momento de repouso para seu restabelecimento. Se a figura que o ameaça não é uma fera, mas a possibilidade de desemprego, ele não tem como lutar ou fugir! A ameaça pode não ser real, mas simplesmente gerada na mente, frente a um jogo de possibilidades. Como exemplo, não é necessário estar frente ao assaltante para estar em “alerta”: o medo da possibilidade de vir a ser assaltado é agente estressante. Assim, a maioria dos moradores das grandes cidades vive estressada em decorrência de ameaças reais e imaginárias, que preparam seu corpo para a luta ou para a fuga, porém nenhuma atividade física é realizada. A longo prazo pode ocorrer a elevação da pressão arterial de forma crônica, com graves conseqüências para todo o organismo.

Pensemos agora no trânsito, lembrando que as ameaças mudaram, o cotidiano mudou, nossa forma de agir mudou, mas nosso corpo continua a reagir exatamente como o dos selvagens e o dos animais. A ameaça não é mais um predador, mas o “adversário” do carro ao lado. O veículo, como uma cápsula que envolve e protege o corpo, torna-se uma projeção deste. Da mesma forma que o pavão abre a cauda para exibir-se para as fêmeas e mostrar-se superior aos demais machos, homens desfilam acintosamente em seus carrões, sentindo-se “poderosos”.

Enquanto continuidade do corpo e símbolo de poder, o veículo torna-se instrumento de competição. A agressividade inerente a toda competição é acentuada pelo stress, como se o corpo reagisse de forma mais animal e instintiva, levando por água abaixo todos princípios de civilidade e boas maneiras, frutos da cultura humana.

Como se não bastasse a agressividade acentuada pelo estresse diário e seus efeitos sobre o comportamento das pessoas nos trânsito, o próprio trânsito desencadeia as reações do estresse, fazendo com que o comportamento agressivo de um motorista seja o detonador da agressividade de outrem e assim por diante. Temos então, um quadro caótico de motoristas mal-humorados, agredindo-se mutuamente, utilizando-se de suas máquinas-corpo para desempenhar uma luta sem vencedores. Engana-se aquele que acredita que, por ultrapassar ou fechas outro motorista, estaria ganhando uma competição… Em primeiro lugar porque essa competição não é real: só existe na mente primitiva do homem incapaz de tomar consciência de seus impulsos instintivos, muito menos de controlá-los!

O estresse no trânsito predispõe as pessoas a acidentes e, sem dúvida, aumenta a violência urbana. São freqüentes as agressões físicas (até casos de homicídio) cujo início está na simples “fechada” que um motorista cometeu…Se pudéssemos utilizar a razão, a qual acreditamos ser atributo do ser humano, nada disso ocorreria. Nossa mente, racional, nos diz o quanto são incoerentes os atos agressivos no trânsito diário.. e será que o motorista que comete tais atos é menos racional? Ou estamos todos nós sujeitos a cometer tais agressões pela incapacidade de controlar os impulsos agressivos de um organismo estressado, preparado fisiologicamente para lutar ou fugir?…

Ficamos diante de um problema: como lidar com as dificuldades no trânsito do dia a dia se, na maior parte das vezes, nada podemos fazer para modificar os fatores externos e não é fácil mudar os internos. Como lidar, então, no próprio trânsito, ou seja, como agir na prática, quando estamos confinados dentro de um veículo?

A melhor forma de minimizar isso – já que não existe solução completa para problemas complexos – é tentar utilizar os mecanismo fisiológicos para controlar ao stress. Reservar períodos para práticas como a meditação e exercícios físicos são apenas algumas, entre as muitas opções. Músicas suaves e relaxantes, respiração profunda, manter a mente quieta e ter bons pensamentos consistem em formas eficientes para diminuir as fontes do stress, internas ou seja, combatendo as ameaças imaginárias (mesmo que sejam possibilidades reais: não estão presentes a todo o tempo!). Existem no mercado uma série de CD’s e fitas cassete com músicas para relaxamento, bem como com frases que induzem ao relaxamento profundo não devem ser utilizados no carro, pois diminuem o grau de atenção. Assim, no trânsito, não é o momento de relaxar para combater o stress, mas mantê-lo em níveis adequados, pois é um estado de alerta e de maior atenção, como disse no início. É necessário treinamento para descobrir que tipos de prática são mais adequadas, respeitando os limites de cada caso. Para alguns indivíduos ouvir música suave pode permitir a tenção, enquanto que para outros poderia induzir ao sono. Músicas mais agitadas e com percussão forte tendem a aumentar o estado de alerta, porém podem se tornar fator de stress para quem já é habitualmente mais nervoso ou agressivo.

Priscila de Faria Gaspar

é psicanalista, terapeuta de regressão e mestre em Ciências (USP).

Voltar ao topo