Doação de órgão, o dom de salvar vidas

Poucos acreditam, mas o poder de salvar vidas ou privá-las – não é somente divino. Em apenas um gesto, uma decisão, esse pode ser um ato bem humano em todos os sentidos da palavra. Isso é o que se percebe com a doação de órgãos. Seja nas alegrias que o novo órgão traz para vida de quem o recebe. Quando das angústias de quem espera na fila. Ou ainda nas tristezas de quem não agüentou esperar.

O transplante de coração salvou a vida de Ana Carolina Zarpellon, de 26 anos. Graças ao ?novo? coração, hoje ela está ?mil por cento? melhor. Mas não foi fácil. ?Eu nasci com uma doença cardíaca e sempre tive limitações. Há cinco anos, as crises se agravaram e as limitações ficaram ainda maiores. Os médicos, então, diagnosticaram uma doença rara: miocárdio hipertrófico não-compactado. Foi quando me falaram em transplante. Foi um choque. Eu fiquei só chorando. Pensei: vou morrer na fila?, conta.

Durante quatro anos, Carolina tentou evitar a idéia do transplante, com terapia, orações e outras alternativas. Em novembro de 2006, ela fez novos exames: ela tinha apenas 12% da função cardíaca, o normal é 60%. Ela precisou ir para São Paulo, para onde se mudou em março. ?O médico me encaminhou direto para a central de transplante. Ele disse que eu não podia esperar mais. Entrei na fila em janeiro. Em abril, meu coração já não dava mais conta de nada. Fui internada e entrei em prioridade na fila. Já estava na fila há quatro meses e o órgão não chegava. Fiquei desesperada. Quando a fila andava era porque tinha morrido alguém e não porque um órgão tinha chegado. Meu coração chegou em junho?, afirma.

Hoje, a única coisa que Carolina sente ?é que meu coração tem força: isso eu nunca tinha sentido antes?. Essa mesma sensação tem o caminhoneiro Ademar Tambosi, de 56 anos, e o aposentado Ernesto da Silveira, 61. Eles também receberam corações novos. ?Quando cheguei no hospital, meu barco já estava mais para lá do que para cá. Hoje tenho uma vida normal, cem por cento?, conta Ademar. ?É como se eu tivesse nascido de outra vez?, completa Ernesto.

Um novo coração é a esperança do segurança José Alves Coutinho, 33 anos. Com problemas cardíacos desde 1995, foi em 2004 que ele piorou. ?Sei que é feio homem chorar, mas quando me falaram em transplante sentei e chorei de soluçar. Fiquei desesperado e ainda estou. Há dois meses espero a chegada do meu coração. Todo dia espero que as pessoas tenham boa vontade?, comenta.

E quem espera também é o médico de José, Evandro Sardetto, responsável pela cirurgia cardíaca da Santa Casa. Há seis meses no hospital, ele já fez 53 transplantes, todos bem-sucedidos. ?Nosso centro é referência no País em transplantes. A nossa maior dificuldade é, com certeza, o número reduzido de doadores?, afirma. Na Santa Casa de Curitiba, como José, outros 30 pacientes esperam um coração.

Exemplos opostos marcam vidas

Foto: Chuniti Kawamura

Ivan: decisão de doar os órgãos da filha salvou seis pessoas.

A inspetora Edna de Castro, de 41 anos, e o palestrante Ivan Pegoraro têm em comum o fato de terem perdido as filhas. A filha de Edna tinha 19 anos, quando, em 2004, morreu à espera de um fígado para o transplante. Já a filha de Ivan, tinha 15 quando, em 2000, sofreu um acidente e não resistiu. Edna sofreu com a filha na espera por um órgão. Já Ivan, tomando a decisão de doar os órgãos da filha, impediu que, pelo menos, seis pessoas passassem pela situação de Edna.

Como conta Ivan, a filha gostava muito de ajudar as pessoas. Foi com essa mesma vontade que ele decidiu. ?Minha mãe teve um rim transplantado. Eu também pensei nisso. Doamos os rins, as valvas cardíacas e as córneas. Havia seis pessoas aguardando. Entre elas duas crianças que receberam as valvas cardíacas e duas mulheres que receberam as córneas. Acho que um argumento que deve pesar na hora de decidir pela doação de órgãos é que, quando você menos espera, talvez amanhã, é você quem pode estar na fila para o transplante?, comenta o pai.

Foi o que aconteceu com a filha de Edna. Desde os 12 anos ela fazia tratamento para hepatite. Quando chegou a 18 anos teve também uma cirrose hepática e piorou. ?Minha filha ia fazer transplante de fígado, mas não deu nem tempo de ver se o órgão era compatível. Acho que se tivesse dado tempo, um fígado novo salvaria a vida da minha filha. Todos deveriam doar órgãos, pois muitas pessoas sofrem, precisando, como minha filha sofreu?, diz a mãe. (NF)

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