Desinformação é a grande inimiga da epilepsia

“As pessoas precisam entender que a epilepsia não é uma doença infecciosa, não é transmissível e não tem a ver com religião”, esclarece o coordenador de epilepsia da Academia Brasileira de Neurologia (ABN), Wagner Teixeira.

Conforme o especialista, o principal desafio da doença é a falta de informação. Descrita há mais de cinco mil anos, a epilepsia é uma doença neurológica caracterizada por uma excitabilidade anormal de um grupo de neurônios no cérebro, ou seja, por alterações descontroladas das atividades elétricas cerebrais.

Tais instabilidades resultam em manifestações de diferentes naturezas – que podem variar de um período de ausência à conhecida crise convulsiva.

“A doença acomete, sobretudo, pessoas de até 25 anos e com idade superior a 65 anos”, descreve o neurologista. Sua incidência também é mais comum entre os homens.

Em países desenvolvidos, estima-se que a patologia incida em cerca de 1% da população. Nações ainda em desenvolvimento, por sua vez, apresentam o dobro de casos -reflexo de um cenário mais elevado de desnutrição, doenças infecciosas e dificuldade de acesso assistência médica.

O filósofo Sócrates, Júlio César, Buda, Maomé, Alexandre o Grande, Joana D’Arc, Napoleão, Dostoievski, Van Gogh e Machado de Assis, entre outras figuras expressivas da humanidade, tinham alguma coisa em comum: apresentavam crises epilépticas. Por aí dá para se perceber que em todo o universo de pessoas acometidas pela epilepsia o convívio com esta condição é aceitável e, geralmente, seus portadores não têm maiores dificuldades no exercício de suas atividades.

Inteligência preservada

Apesar disso, até bem pouco tempo seus portadores eram marginalizados, vítimas de preconceito e, até, de enclausuramento. Com o objetivo de diminuir o preconceito e esclarecer a população, a ABN promove campanhas de conscientização sobre essa doença que acomete quase 2% da população brasileira.

A epilepsia não afeta a inteligência, apenas algumas dificuldades de aprendizagem podem ocorrer por crises frequentes e prolongadas ou por efeitos colaterais dos medicamentos, como fadiga, sonolência e diminuição da atenção.

A epilepsia é uma das doenças neurológicas mais freqüentes. A palavra vem do grego significando “possuir”, “apossar-se de”. Caracteriza-se pela ocorrência de crises epilépticas recorrentes e não provocadas

A recorrência significa que é habitualmente necessário um mínimo de duas crises para que o diagnóstico seja confirmado. Por serem crises não provocadas, ficam excluídas aquelas em que a ocorrência só se dá na presença de um fator desencadeante (álcool, febre, drogas, ou traumatismo crânio encefálico, entre outras).

Os médicos descrevem a crise epiléptica como um fenômeno clínico de ocorrência súbita, conseqüência de uma excitabilidade anormal de um grupo de neurônios no cérebro.

Esta região costuma ser chamada de foco epiléptico. O que ocorre durante uma crise é, dessa forma, extremamente variável.

Depende do local onde o foco está localizado e da forma como se propaga no cérebro.

“Podemos ter, por exemplo, uma crise que se inicia com uma percepção visual e evolui com perda de contato com o meio ambiente (ausência), significando que essa se iniciou na região posterior do cérebro (responsável pela visão) evoluindo provavelmente para a região temporal, que condiciona o “desligamento” do paciente do meio”, explica Wagner Teixeira.

Conforme o especialista, esse é um exemplo de crise em que os fenômenos motores são muito pouco relevante, diferente da crise mais conhecida, chamada habitualmente de convulsão, em que existe manifestação motora, com contração de todo o corpo, seguida habitualmente po,r “repuxos” também generalizados.

Controle das crises

Ao todo, há mais de 30 tipos de crises epilépticas, entretanto, nem todas configuram a existência da patologia. Dentre os distintos fatores que podem desencadear uma crise figuram febre (em muitos casos, causadora de convulsões), choque elétrico, abuso ou abstinência do consumo de álcool e drogas, diminuição dos níveis de oxigênio ou açúcar no sangue, tumores, traumatismos cranianos, doença de Alzheimer, acidente vascular cerebral (AVC), traumatismos de parto, entre outros.

Nesses casos, essas crises são chamadas de sintomáticas, isto é, as crises ocorrem em decorrência de um agente conhecido. Outras crises, no entanto, não apresentam causa aparente e são provocadas por anormalidades nas descargas elétricas neuronais. A presença de duas ou mais crises com essas características, no período de 12 meses, sugere forte indício de um quadro de epilepsia.

O tratamento inicial da epilepsia se baseia na utilização de medicações. Considera-se que as medicações não têm efeito na evolução da doença, ou seja, não curam a Epilepsia, sendo usadas para a prevenção de crises.

O objetivo geral do tratamento medicamentoso da epilepsia deve ser o controle completo das crises, mantendo os efeitos colaterais num nível tolerável. Aproximadamente dois terços dos pacientes que iniciam o tratamento medicamentoso alcançam este objetivo.

Nos últimos anos houve um aumento significativo no número de medicações disponíveis no Brasil e no mundo. Apesar de não ter havido uma aumento proporcional na eficácia do tratamento, o aumento do número de opções de medicações disponível facilitou a individualização do tratamento com menos efeitos colaterais e menor impacto na qualidade de vida.

Princípios para se orientar o tratamento

* Para se iniciar o tratamento é necessário que o médico tenha o diagnóstico do tipo de epilepsia, o que na prática pode ser difícil, já que a pessoa com epilepsia é avaliada habitualmente fora do período de crise.

* Habitualmente, não se inicia a medicação após uma primeira crise, já que algumas pessoas nunca terão uma segunda crise, no entanto, pode-se decidir pelo início da terapêutica após uma crise única, dependendo do resultados de exames.

* Deve-se iniciar com dosagem baixa e aumentar lentamente. Caso não haja controle das crises, aumentar a dosagem até a dose máxima antes de se tentar a troca da medicação.

* As medicações devem ser tomadas em horários regulares.

* A mudança de dosagem ou retirada deve ser sempre orientada pelo médico.

Fonte: ABN

Indicação cirúrgica

Quando não é possível fazer o controle com medicação, a doença é chamada de epilepsia refratária (quando a doença está localizada em uma área delimitada do cérebro).

Nestes casos, que são considerados graves, a indicação de tratamento é cirúrgica. A técnica mais moderna é a Terapia VNS (sigla em inglês para Estimulação do Nervo Vago), desenvolvida com a ajuda de um marcapasso, que serve para fazer a estimulação do nervo vago.

“A técnica ajuda a reduzir as crises de epilepsia quando a cirurgia tradicional não é indicada”, revela o neurocirurgião Murilo Meneses, do Instituto de Neurologia de Curitiba.

Sem precisar fazer a cirurgia no cérebro, a terapia é uma estimulação do nervo vago esquerdo do pescoço, que é feita por um pequeno disco (marcapasso) implantado sob a pele, abaixo da clavícula esquerda, próximo da axila.

“A estimulação é feita no lado esquerdo, pois nessa área existem mais fibras de ligação com o cérebro”, detalha o médico. Também são implantados dois minúsculos fios no pescoço, sob a pele, que são ligados ao marcapasso para levar o impulso até o nervo vago.

Murilo Meneses explica que a cirurgia é simples, as cicatrizes são praticamente imperceptíveis e o tempo de recuperaç,ão é menor. O aparelho deixa apenas uma pequena protuberância no peito.

“Os benefícios do procedimento são visíveis ao longo dos dois primeiros anos. O marcapasso permite que, gradualmente, ocorra uma redução nas crises de epilepsia, e em alguns casos, pode acontecer a suspensão dos medicamentos”, completa o médico.