Confiança no médico se reflete na recuperação

A relação de confiança entre médico e paciente é um dos principais fatores durante um tratamento. Ela possibilita uma recuperação mais rápida ou um conforto maior em situações críticas. Mas a correria do dia-a-dia, o grande número de consultas e o tipo de gestão atualmente aplicada nos hospitais não estão permitindo a adoção do relacionamento ideal entre as duas partes.

Durante um congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologistas (SBC), na semana passada, especialistas afirmaram que os médicos recém-formados são tecnocratas e deixam a medicina humanista de lado. Segundo a entidade, os problemas agudos da cardiologia moderna são o distanciamento do paciente e a falta de sintonia à beira do leito.

Para Marco Barbosa, cardiologista responsável pelo setor de emergência da Clínica Cardiológica Constantini, na frente do médico está um paciente com histórias que envolvem outras pessoas. “Por trás de toda a situação, existe uma vida, que inclusive levou o paciente a fumar e ficar obeso, por exemplo. Um bom relacionamento se torna subsídio para um bom diagnóstico, pelo estabelecimento de uma empatia”, afirma.

Ele credita ao sistema atual de gestão médica o problema de os médicos não darem a atenção devida ao paciente: “Os profissionais de saúde em geral não são mais autônomos, precisando estar vinculados a hospitais ou sistemas e ainda atingir metas. Isso acontece em locais públicos ou privados, pois há filas ou uma extensa agenda a cumprir”, revela Barbosa. De acordo com o cardiologista, são os convênios e planos de saúde que convencionam o curto tempo para o atendimento. “Isso não é projeção do médico. Foram os convênios que criaram um modelo rápido em função da gestão. A partir do momento que a profissão de médico virou comercial, todo mundo perdeu com isso”, critica.

Ele conta que há um conhecimento maior por parte dos pacientes sobre os procedimentos médicos. Mas essas informações são muito superficiais. “Tem paciente que chega no consultório ditando regras ao médico. Tem paciente que entra na sala muito calado e se restringe ao máximo, pois sabe que o tempo é curto. Os dois lados estão viciados”, comenta. “A falta de humanização dos médicos também vem de um problema da sociedade, com as relações mais superficiais em geral. Você atrasa a consulta em uma hora por causa de uma pessoa que chegou com infarto e os outros pacientes acham um absurdo por terem que ficar esperando. É uma questão de valores”, opina.

Maturidade

Barbosa crê que a maturidade do exercício da profissão traz a percepção de como realmente deve ser a relação entre médico e paciente: “Quanto mais seguro no exercício e fazendo o melhor possível no trabalho, mais aberta será a conversa com o paciente”. O diálogo abre os caminhos e, neste momento, começa a se criar um vínculo. O cardiologista ainda destaca que a população precisa reconhecer que do outro lado também está um ser humano: “Hoje somos tão vítimas quanto os pacientes”.

Oncologia é ainda mais delicada

No caso da oncologia, a falta de humanização gera conseqüências ainda mais graves, segundo Regina Célia da Silva, coordenadora da Comissão de Humanização do Hospital Erasto Gaertner. “”O segredo para transpor essa barreira é contar com uma equipe multidisciplinar especializada. São psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas e assistentes sociais. Os profissionais se preocupam desde o acolhimento do paciente. Isso faz diferença”, comenta.

Regina cita o exemplo da pessoa que chega, já nervosa, para saber se ela realmente tem câncer. Se o resultado der positivo, fica desesperada. Normalmente o médico está sozinho com o paciente e dispõe do tempo que for necessário para acalmá-lo. Do lado de fora do consultório, está a ajuda de todo o aparato médico. “Somente consegue isso o profissional que estiver bem treinado e especializado. Ele deixa aflorar este lado humano em um ambiente cheio de necessidades”, observa.

De acordo com a coordenadora, já está provado que os pacientes com confiança em seu médico evoluem mais durante a recuperação. “A confiança faz aceitar a situação e relaxar. Aqui temos voluntários que seguram na mão do doente, inclusive esperando a hora da morte”. Ela conta um caso em que a morfina já não fazia mais efeito na paciente, causando muita dor. Como não havia mais nada a fazer para consolá-la, o médico responsável largou tudo e ficou o tempo todo ao lado dela, o que amenizou o quadro. (JC)

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