Coisas boas para a segunda metade da vida

Você tem mais de 50 anos e está um “gato”, uma “gatinha”. Corpo enxuto, em boa forma física, filhos crescidos, trabalho garantido. E agora o que se pode fazer? Alguns amam ou odeiam, prometem ou cumprem, viajam ou se isolam. Outros sonham ou realizam, estudam ou ignoram. Por um motivo ou por outro, todos tentam satisfazer a sede de vida que está na profundidade do ser e que se chama saudade do transcendente, aquela coisa gostosa que você sente quando olha para o futuro e para seus grandes ou pequenos projetos. Estudiosos do mundo inteiro estão definindo esta saudade do transcendente como espiritualidade, aquela vontade de amar que segue a direção da plenitude. E ela se torna mais forte a partir da segunda metade da vida.

Isso aconteceu com muitas outras pessoas. Para lembrar algumas de renome internacional, podem ser citados Michelangelo, que pintou o Juízo Final, Voltaire, que produziu o Cândido, Goethe, que terminou o Fausto, Verdi que compôs o Falstaffa, e Freud que encerrou o estudo sobre Moisés e o Monoteísmo, todas obras históricas. Artistas, pintores, escritores e voluntários surgem após a segunda fase da vida.

Pesquisadores da área da medicina garantem que as pessoas zelam pela sua espiritualidade na segunda metade da vida, mas isso não é novidade. Essa certeza já fazia parte da crença que Confúcio tinha em 500 anos antes de Cristo. Para ele, até os 30 anos, a pessoa estava envolvida com responsabilidades sociais e familiares. Aos 40 anos, caminhava na certeza de suas escolhas. Aos 50 anos, deveria se tornar atenta aos sinais dos céus e transcender as preocupações materiais e individuais. Aos 60 anos, aceitaria a vida como ela é e, aos 70 anos, viveria em total transcendência. Seus desejos não separariam os gostos pessoais da vontade divina.

Como Confúcio, Chinen (1986) lembra que as leis da Índia vinculam a transcendência à segunda metade da vida e que esse tema está presente nas raízes gregas, como é o caso de Platão. Ele afirmava que a pessoa madura, com mais de 50 anos, estava apta para entender a Verdade, concebida como domínio das idéias transcendentes da mortalidade.

Mas o melhor de tudo é que a vivência da espiritualidade deixa as pessoas mais fortes, mais resolvidas. Ricardo Antonio Rockenbach, médico clínico e Pós-graduando em Geriatria PUC-RS, em entrevista para este trabalho, afirma observar que, na segunda metade da vida, “os idosos com alguma patologia aguda e/ou crônica, sem suporte da estrutura familiar e sem nenhuma crença religiosa ou de um ser superior, demonstram excessiva fragilidade diante das doenças, e partem para dois extremos prejudiciais: ou ficam excessivamente ansiosos e temerosos ou excessivamente desanimados.”

“A aceitação da morte está intimamente relacionada com a filosofia de vida da pessoa e de suas crenças pessoais. Indivíduos que deixam algum legado quer seja através de sua descendência ou de uma obra que simboliza continuidade, geralmente têm menos dificuldade para aceitar a morte. Pacientes idosos que têm alguma atividade ou tarefa que ocupam a sua mente também a encaram de maneira mais natural”, afirmou o Dr. Ricardo A. Rockenbach, que ressalva: “Não há duvidas, porém, que idosos que tenham uma crença verdadeira num ser superior e na continuidade de sua existência de outra forma, e que ainda ocorrerá uma “passagem“, têm facilidade muito maior de aceitação e de preparo para a morte.”

A necessidade de cultivo espiritual é de tal modo verdadeiro que num estudo sobre a importância da espiritualidade para a vida, realizado por Engquist e colaboradores (1997), envolvendo 270 entrevistados, nos Estados Unidos, a espiritualidade é uma parte importante de vida para 89%, é tida como ajuda para a realização das responsabilidades de trabalho diárias para 79%, e é vista como dimensão muito importante de saúde e reabilitação para 84%. Em resumo, os entrevistados consideram que a espiritualidade é útil e importante para a reabilitação dos pacientes.

Isso reafirma que se você ingressou na segunda fase da vida, se deparará com a abertura de um campo maravilhoso. Afinal você é um vencedor ou vencedora, pois, segundo o sábio Confúcio, já se envolveu com responsabilidades sociais e familiares, até os 30 anos, caminhou na certeza de suas escolhas, aos 40 anos, e agora passa a transcender as preocupações materiais e individuais. Poderá compreender os meandros da vida e seu processo de maturidade, construirá as páginas de sua história mais prazerosa. Poderá olhar a vida como quem está amando cada um de seus sinais. Conseguirá ver o que nunca viu antes. Com uma simples condição: despertar para a consciência de estar na segunda fase … na plenitude da vida.

Zélia Maria Bonamigo é pesquisadora e especialista em magistério superior, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Paraná.E-mail: zeliabonamigo@uol.com.br

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