A perigosa epidemia do culto ao corpo

As pesquisas sobre transtornos alimentares, invariavelmente, chamam a atenção pelo desconhecimento dos jovens acerca destas doenças.

O índice de desinteresse chega a 43%. O que é pior: para aqueles mais informados sobre o tema, 60% deles adquiriu esse conhecimento por meio da mídia e apenas 33% dos recebeu informações passadas por meio de profissionais de saúde e professores.

Mesmo assim, comportamentos alimentares inadequados continuam dando audiência. Termos, como bulimia ou anorexia se tornaram bem conhecidos da população.

Chamam a atenção das pessoas pelo lado trágicos das vidas que se desorganizam progressivamente, envoltas em uma relação estranha entre as frustrações e o consumo de alimentos, com uma auto-imagem corporal sempre fora dos padrões almejados. “Geralmente, há muito sofrimento na pessoa que come exageradamente ou no estranho e mórbido prazer de alguns em passar dias sem comer”, reconhece a endocrinologista Ellen Simone Paiva, do Centro Integrado de Terapia Nutricional.

Drunkorexia

Mais uma vez o tema é tratado na grade mídia, desta vez, na novela de Manoel Carlos. Na novela Viver a vida, da Rede Globo, a personagem Renata, interpretada por Bárbara Paz chama a atenção pelo exagero em evitar os alimentos para alcançar um peso muito abaixo do ideal e pelo drama da anorexia alcoólica, em que substitui a comida por álcool.

Apesar de conhecer a dificuldade dos autores da novela em descrever doenças tão complexas, como são os transtornos alimentares, a endocrinologista esclarece que não existe a doença que tem sido chamada de drunkorexia, ou seja, um transtorno alimentar caracterizado pela restrição extrema dos alimentos em favor do consumo excessivo de bebidas alcoólicas com o objetivo de perder peso.

De acordo com a médica, o que existe, na prática clínica, é a associação frequente do abuso de álcool e de outras drogas por parte de pacientes com transtornos alimentares.

“Esta associação acontece com muito mais frequência nos casos de bulimia nervosa, mas é possível verificar o quadro também em pacientes com anorexia nervosa”, explica Ellen Paiva.

Dificuldades das mães

Os especialistas explicam que ainda não foi encontrada uma causa específica para o surgimento dos transtornos alimentares. Quase sempre, são descritos fatores comportamentais, genéticos, familiares ou psicológicos.

De um modo geral, desejar ardentemente ter uma silhueta perfeita não implica necessariamente no desenvolvimento de um transtorno alimentar, contudo, a preocupação demasiada com o espelho tem aumentado as chances de manifestação dessas doenças relacionadas à distorção da imagem corporal.

“Além dos rigorosos padrões atuais de beleza, outros fatores devem influenciar o desenvolvimento dessas doenças”, sugere a endocrinologista. Talvez as experiências dos filhos ao compartilharem com as mães as dificuldades delas para emagrecerem ou os rigorosos padrões de beleza, talvez uma maior vulnerabilidade.

A médica revela que a doença tem muitas outras causas, e, ainda mais complexas, fato comprovado pela predisposição dos pacientes a outras doenças psiquiátricas, como o alcoolismo e a depressão.

Uma questão importante que deve ser esclarecida, principalmente para as adolescentes, na advertência da nutricionista Amanda Epifânio, é que o álcool gera sete calorias por grama.

Quando comparado com os carboidratos, que apresenta quatro calorias por grama, esta não é uma troca inteligente.

“Constitui-se em um equívoco pensar que consumir álcool em excesso elimina a possibilidade de engordar”, observa.

Pior ainda, o consumo de bebida alcoólica em situações de jejum causa sintomas muito desagradáveis decorrentes da hipoglicemia, a queda dos níveis de açúcar no sangue.

“Esse distúrbio se manifesta como mal estar intenso, torpor, sudorese excessiva, palpitações, tremores e tonturas, podendo chegar ao coma causado pela falta ,de glicose cerebral”, observa a nutricionista.

Métodos inadequados

Acredita-se que na sociedade ocidental, entre 9% e 22% das adolescentes lançam mão de comportamentos alimentares inadequados com o objetivo de perder peso.

Esses comportamentos estão associados com desnutrição, retardo no crescimento, retardo na maturação sexual e sintomas de transtornos mentais como depressão, ansiedade, fadiga crônica e maior risco de desenvolver transtornos alimentares propriamente ditos.

“Além disso, há uma associação entre práticas inadequadas de dieta com outros comportamentos de risco como tabagismo, abuso de álcool e de drogas, delinquência, comportamento sexual precoce e de risco e tentativas de suicídio”, descreve Ellen Paiva.

É mesmo muito preocupante o grau de insatisfação corporal entre os adolescentes do mundo. Mais de 25% dos meninos e cerca de 50% das meninas desejam perder peso, incluindo estatísticas de povos orientais.

Um dado, no mínimo alarmante, é o fato de que a taxa de adolescentes que tentam perder peso é até maior em algumas populações orientais ocidentalizadas, como Hong Kong, onde 35% das meninas e 20% dos meninos utilizam algum método para emagrecer em comparação com os adolescentes americanos, que exibem taxas menores (24% e 17% para meninas e meninos respectivamente).

Outro dado que assusta é que 81% destes jovens são considerados de baixo peso ou com peso normal, mesmo assim, recorrem às dietas restritivas, medicamentos para emagrecer e a prática de vômitos autoinduzidos.

Os extremos

Anorexia: distúrbio psiquiátrico caracterizado pela redução drástica da ingestão de alimentos.

Bulimia: pessoas que após a ingestão de uma quantidade absurda de alimentos, provocam o vômito, para evitar o ganho de peso, além de tomarem laxantes, diuréticos e fazerem exercícios físicos extenuantes.

Vigorexia: preocupação excessiva em ter o corpo forte a todo custo.

O papel da mídia

É inegável a participação da mídia no processo de idealização da magreza. Matérias sobre beleza e dieta em revistas, jornais, televisão e na Internet têm um retorno dificilmente alcançado por qualquer outro tema.

“Infelizmente, as pesquisas também demonstram uma grande lacuna deixada pelos pais, educadores e profissionais de saúde, que tem deixado de cumprir seu papel em educar e informar a cerca dos riscos de se seguir modelos alimentares tão inadequados”, reforça a nutricionista Amanda Epifânio.

Nos últimos anos, temos visto manifestações contrárias à ditadura da magreza em importantes países europeus, como França, Espanha e Itália. Lá, percebemos profissionais da publicidade, da moda e governos engajados no mesmo intuito.

Essas tentativas de mudança comportamental ainda são insuficientes e de pouco impacto na população de risco, principalmente quando as comparamos com a força das grandes marcas da indústria da moda, que insistem em criar seus modelos baseados em corpos infantilizados pela magreza excessiva.

Tal fato também pode ser facilmente comprovado na mesma novela, a personagem, apresentando todos os sinais de anorexia tenta alcançar um papel de modelo ou atriz e para isso não mede esforços em abolir os alimentos e abusar do álcool em busca do ideal de magreza imposto veladamente pela profissão.

Os especialistas concordam que, assim, não basta a informação adequada sem uma mudança na expectativa cultural criada pela indústria da moda e da publicidade.

“Comunicadores devem adotar um discurso mais responsável no sentido de deixarem de glorificar imagens de magreza excessiva para que as novas gerações tenham mais chances de serem felizes com formas corporais compatíveis com comportamentos alimentares normais”, completa Ellen Paiva.

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